O MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DA PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA DO NASCITURO

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“Os Novos Desafios do Ministério Público”

TESE APROVADA

O MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DA PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA DO NASCITURO

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TESISTA : IERTES MEYRE GONDIM PINHEIRO

Promotora de Justiça no Estado do Ceará

Título: O MINISTÉRIO PÚBLICO NA DEFESA DA PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA DO NASCITURO.

Autora: IERTES MEYRE GONDIM PINHEIRO, Promotora de Justiça no Estado do Ceará.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Princípios Fundamentais e Humanitários do Direito; 2.1. O Direito à Vida: sob o ponto de vista jurídico-científico; 2.2. Limites ao direito de liberdade: supressão da autonomia da vontade privada; 3. Impedimento de acesso aos direitos da personalidade e a não exigência da forma humana e da viabilidade do nascido; 4. O princípio da hierarquia das normas; 5- Conclusão; 6- Bibliografia, 7-Notas.

1. SÍNTESE DOGMÁTICA

A reflexão sobre o Direito Fundamental à Vida do Nascituro encontra-se atualmente em discussão no Supremo Tribunal Federal – STF, por meio da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 54, ajuizada pela Confederação Nacional Dos Trabalhadores na Saúde – CNTS, que em síntese pretende obter autorização para que gestantes possam submeter-se à operação terapêutica de parto(aborto) de fetos com má formação, com maior incidência, os anencefálicos.

Entendemos à semelhança do Ministro-Relator, Marco Aurélio, que o tema por sua importância, não poderá habitar apenas a ante-sala daquele Sodalício, porque além de versar sobre o que os constitucionalistas denominam de aparente colisão de direitos fundamentais, revigora o debate nacional sobre o aborto, dantes adormecido, e perpassa a fronteira do direito atingindo matizes científicos, filosóficos, religiosos, ou mesmo sociológicos, ensejando divergências interpretativas ao lume de matérias, no caso da citada ação, dissociada da essência funcional daquela Egrégia Corte, que por maioria entendeu pelo prosseguimento da ADPF 54, não obstante a maestria jurídica dos votos dos Ministros Eros Grau, Cezar Peluso, Carlos Velloso e Ellen Gracie, que votaram pela inadmissibilidade da ação em face da inadequação da via eleita para alcançar a pretensão, sob o fundamento de que o Poder Judiciário não pode ser manejado como atalho para usurpar uma função tipicamente legislativa, qual seja determinar a inclusão de um terceiro inciso no art. 128 do CPB, cuja redação coincidiria com O PROJETO DE REGULAMENTAÇÃO DO ABORTO EUGÊNICO, cuja redação de acordo com o projeto passaria a ser: “Art. 128. Não constitui crime o aborto praticado por médico se: … III- há fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais.”

Importante frisar que no mês de julho de 2004, o Ministro Relator concedeu liminar na ADPF, autorizando gestantes a submeterem-se à operação terapêutica de parto (aborto) de fetos anencefálicos, decisão esta posteriormente cassada, conforme se vê da EMENTA: ADPF – LIMINAR – ANENCEFALIA – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – GLOSA PENAL – PROCESSOS EM CURSO – SUSPENSÃO. Pendente de julgamento a argüição de descumprimento de preceito fundamental, processos criminais em curso, em face da interrupção da gravidez no caso de anencefalia, devem ficar suspensos até o crivo final do Supremo Tribunal Federal.

A matéria de natureza complexa, polêmica, atual e recorrente, nos motivou a um estudo mais aprofundado em face da responsabilidade e compromisso inato aos membros do Ministério Público no exercício de suas atribuições, mormente em defesa dos princípios constitucionais, da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis nos termos do art. 127 da Carta Magna. Devemos lembrar, não obstante a prerrogativa do livre convencimento do membro do Ministério Público, a necessária fundamentação do pronunciamento ministerial, sob a ótica da interpretação sistemática das normas, examinando-se a prevalência do direito posto à apreciação da atividade jurisdicional, que no mérito versa acerca de aparente colisão ou conflito de direitos fundamentais, que passará inarredavelmente pelo exame no tocante à valoração, importância e essência do núcleo do direito fundamental merecedor de maior tutela jurídica, sem descurar-se do exame da matéria fundamentada na solução pacífica dos conflitos, prevista no preâmbulo da Carta Magna, os fins sociais a que se destina, e às exigências do bem comum, inteligência do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil.

A necessidade da busca do conhecimento aprofundado da matéria pelo membro do Ministério Público torna-se imperioso, seja no aspecto científico seja no jurídico, uma vez tratar a matéria sobre direito indisponível, o primeiro de todos os direitos, a espinha dorsal donde se ramificam todos os demais direitos assegurados como fundamentais na Constituição da República Federativa do Brasil.

1.INTRODUÇÃO

Muito se tem discutido sobre o direito de se facultar à mulher decidir o que fazer com seu corpo; ou de forma mais clara, se quer ou não abortar; ou se quer ou não interromper uma gravidez indesejada, seja de feto normal ou com má formação; ao ponto de ser acionada a atividade judiciária, para dirimir tais questões. Basta analisar que, no Brasil, embora haja vedação expressa, quer pela Carta Magna de 1988, artigo 5º, caput, quer pelo Código Penal, artigos 124 ao 127, quer pela simetria que guarda a legislação pátria com as regras internacionais de prevalência da vida e controle de natalidade1, o número de abortos provocados cresce assustadoramente, em grande parte, autorizados pelo próprio judiciário, muitas vezes com parecer favorável do Ministério Público. Segundo dados extra-oficiais levantados por pesquisadores do assunto[1], somente na década de 90 foram concedidos mais de 350 (trezentos e cinqüenta) alvarás autorizando a prática da chamada Interrupção Seletiva de Gravidez, representada pela sigla ISG, também chamada de aborto eugênico. A estimativa atual é a de que mais de 2.000 (dois mil) processos estejam tramitando nos tribunais nacionais visando o mesmo objetivo. No Congresso Nacional há vários projetos legislativos com o propósito legalista do aborto, sendo o PL nº 20/91, o mais questionado.

Constata-se, no cenário nacional, o desencontro de entendimentos, as divergências de julgados, a partir de idênticos fatos e normas, que resultam decisões discrepantes, causam perplexidade, geram insegurança jurídica, descrédito no Judiciário e, o que é pior, com angústia e sofrimento ímpares vivenciados por aqueles que esperam a prestação jurisdicional, posto versar sobre os patrimônios jurídicos humanos mais importantes, “Direito à Vida”, e, “Direito à Liberdade”, implicando necessariamente estudo mais aprofundado sob pena de gerar lesividade de natureza irreversível.

Atualmente o Egrégio Supremo Tribunal Federal, tem sua intelecção desafiada ao examinar a Ação de Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 54, instituto jurídico disponibilizado nos casos em que a parte interessada entende que esteja ocorrendo descumprimento de algum preceito fundamental. A alegativa feita pela autora da ação foi a de que a proibição de aborto nos casos de bebês anencefálicos labora contra preceitos fundamentais como a dignidade humana, liberdade e autonomia da gestante.

O tema é de suma importância, porque revigora o debate nacional sobre o aborto, dantes adormecido, e perpassa a fronteira do direito atingindo matizes científicos, filosóficos, religiosos, ou mesmo sociológicos, ensejando divergências interpretativas ao lume de matérias, no caso da citada ação, dissociada da essência funcional daquela Egrégia Corte, de há muito esculpida no artigo 102 da atual Carta Política, com a agravante do reflexo da súmula vinculante. Não é contemporânea, nem territorial, a polêmica sobre a legalização do aborto. Há tempos, movimentos sociais prós e contras, debatem acirradamente os seus argumentos quanto à possibilidade jurídica ou não da interrupção da gestação. Destarte, a decisão judicial da ADPF, embora ainda não sufragada pelo colegiado, e sob a alegativa de que não obriga a mulher gestante, que se encontra nessa situação, a provocar o aborto (apenas transmite-lhe o poder de decisão sobre o futuro de seu(sua) filho(a) e da disposição de seu corpo), exige pronunciamento fundamentado do Ministério Público na medida em que também abre grave precedente a outros mecanismos antijurídicos ligados à morte, como a eutanásia, a própria pena de morte e o extermínio de raças consideradas impuras, além de afrontar o direito positivo brasileiro.

2. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS E HUMANITÁRIOS DO DIREITO.

Leciona a doutrina que fundamentais são todos os direitos tidos como inerentes ao ser humano. Na realidade, os direitos fundamentais são princípios constitucionais fundamentais, pois guardam os valores basilares da Ordem Jurídica e de um Estado Democrático de Direito. Paulo Bonavides[2] os classifica em quatro gerações (dimensões); Norberto Bobbio[3] os atrela à democracia; J. J. Gomes Canotilho[4], aos direitos da personalidade; e Celso Antônio Bandeira de Melo[5] os chama de mandamento nuclear de um sistema. Neste caso, o que se tem em pauta é o mais estrutural dos direitos fundamentais: o direito à vida. Alexandre de Moraes[6], a propósito, afirma que: “O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos”. Partindo da premissa de que o legislador nada escreve por acaso, inarredável reconhecer a sua segura intenção de inaugurar o rol dos princípios fundamentais listados no art. 5º da CF, com o direito à vida.

E quando começa a vida? A ciência jurídica silencia a respeito, inclusive em sede constitucional, inexistindo definição legal do que seja o marco do início da vida. EIS UMA QUESTÃO PARA A BIOÉTICA[7] E PARA O BIODIREITO[8] vez que tais questões estão relacionadas às ciências da vida.

Para a biologia não há consenso científico, a doutora Anna Giuli [9], Bióloga molecular defende que: Um novo indivíduo biológico humano, original em relação a todos os exemplares de sua espécie, inicia seu ciclo vital no momento da penetração do espermatozóide no ovócito. A fusão dos gametas masculino e feminino (chamada também «singamia») marca o primeiro «passo geracional», isto é, a transição entre os gametas – que podem considerar-se «uma ponte» entre as gerações – e o organismo humano não-formado. A fusão dos gametas representam um evento «crítico» de «descontinuidade» porque marca a constituição de uma nova individualidade biológica, qualitativamente diferente dos gametas que a geraram.

O Cientista Jerôme Lejeune, professor da Universidade René Descartes, em Paris, que dedicou toda a sua vida ao estudo da genética fundamental, descobridor da Síndrome de Down (popularmente conhecida por mongolismo), nos diz: “Não quero repetir o óbvio, mas, na verdade, a vida começa na fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos se encontram com os 23 cromossomos da mulher, todos os dados genéticos que definem o NOVO ser humano estão presentes. A fecundação é o marco do início da vida. Daí pra frente, qualquer método artificial para destruí-la é um assassinato”.

A análise da questão é bastante complexa na medida em que as opiniões são pautadas em aspectos éticos, jurídicos, morais, religiosos, e até interesses financeiros[10] estão envolvidos.

2.1. Direito à vida: sob o ponto de vista jurídico-científico.

Do ponto de vista jurídico, o direito à vida está inserido como princípio fundamental na CF/88 logo no caput do artigo 5º, que preconiza, in verbis: “Todos são iguais perante a lei, (…) garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (grifamos). Também na mesma carta, define o artigo 227, in verbis: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (grifamos). A garantia constitucional incidente sobre a vida humana é reflexo de um Estado que prima pela ampla liberdade e igualdade de direitos, em contrapartida aos que primam por outros valores sociais menos caros, historicamente atrelados às sociedades descompromissadas com os direitos humanos. Paulo Bonavides [11] afirma que os direitos fundamentais, mormente os de primeira geração, têm por titular o indivíduo, sendo oponíveis ao Estado numa política de liberalismo e de não intervenção, traduzindo-se como faculdades ou atributos da pessoa: “são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”.

As correntes jus-naturalistas já definiam certas categorias de direitos como sendo inerentes à própria existência humana. A vida é consagradamente um direito inato ao homem, um direito natural e universal, independentemente de credo, convicção política ou filosófica. Ives Gandra Martins[12], ao tratar do tema, leciona: “O direito à vida é o primeiro dos direitos naturais que o direito positivo pode simplesmente reconhecer, mas que não tem a condição de criar”. E quando aborda o dever do Estado em privilegiar a vida, sobretudo a dos mais indefesos, continua o jurista: “O direito à vida, talvez mais do que qualquer outro impõe o reconhecimento do Estado para que seja protegido e, principalmente o direito à vida do insuficiente. Como os pais protegem a vida de seus filhos logo após o nascimento, pois estes não teriam condições de viver sem tal proteção, dada sua fraqueza, e assim agem por imperativo natural, o Estado deve proteger o direito à vida do mais fraco, a partir da ‘teoria do suprimento’. Por esta razão, o aborto e a eutanásia são violações ao direito natural à vida, principalmente porque exercidas contra insuficientes”. (grifos)

Ora, ao se decidir pela autorização do aborto, ainda que em casos de má formação, como a Anencefalia por exemplo, afronta-se, além de um direito natural, um princípio fundamental, vez que, se traduz na intervenção do Estado na esfera jurídica do indivíduo pela limitação do direito à vida, quando o próprio Estado edita normas de proteção à vida. Sob nenhum aspecto, como iremos verificar, é justificável tal impropério jurídico. Segundo ensinamento do médico Rodolfo Acatauassú Nunes, Livre docente em cirurgia torácica pela UFERJ[13], os bebês anencéfalos, têm o tronco cerebral funcionando, e, explicando cientificamente ele prossegue:

Ultrasonografia na Anencefalia

· O nome mais apropriado é Meroanencefalia ( meros – parte) teseiretes2

· É uma afecção congênita em que há ausência de

· parte do encéfalo, ossos do crânio e couro cabeludo.

 

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1- Os hemisférios cerebrais são ausentes ou extremamente rudimentares.

2-A área cerebrovasculosa contém vasos e massas irregulares de tecido cerebral.

3-O tronco encefálico e o diencéfalo podem estar presentes em proporções variáveis.

4- O cerebelo pode ser normal ou mal-formado:Quanto maior a ausência óssea menos tecido nervoso é achado na base do crânio.

Defeito dos tubos neurais – Patogênese

· A Anencefalia corresponde a um defeito de fechamento da porção anterior do tubo neural e a espinha bífida na porção posterior, ocorridos aproximadamente nos 25º e 27º dias, respectivamente.

Descortinando-se a carga semântica depositada na expressão “direito à vida” se inferem duas situações: 1º – o direito de permanecer vivo, que já pressupõe a existência do indivíduo e; 2º – o direito de nascer vivo, que antecede ao surgimento do indivíduo no mundo exterior. Se analisada sob o ponto de vista da primeira situação, abre-se perigoso espaço para o debate da “pena de morte”; pelo prisma da segunda situação, trata-se inegavelmente do aborto. Essas duas vertentes são, precisamente, fortalecedoras do argumento utilizado pelos defensores da tese abortista. É que a teoria adotada é a de que o “direito à vida”, preconizado na legislação, refere-se somente ao indivíduo que já se tornou pessoa, inclusive com atributos da personalidade, e aí sim, consubstanciaria crime qualquer atentado contra si. No caso do nascituro, como não teria se tornado pessoa, não constituiria ato ilícito a sua abortagem. Ledo engano! O nascituro é pessoa! E ainda que não seja assim considerado por alguns, bastaria estar vivo dentro do útero, pois o crime é contra a vida do ser, não contra a denominação biológica que se queira dar ao feto. Trata-se de um ser humano, e assim o é, porque descende da espécie humana. Não se pode dar tratamento “coisificado” ao feto, considerando-o como um ser inanimado (salvo se já estiver morto) ou como um animal de outra espécie (porque biologicamente impossível). Continua o Dr. Rodolfo Acatauassú Nunes em suas explicações:

Características do Nascido Vivo:

   

Apresenta movimentos e reflexosthalles

· Chora

· Respira espontâneamente

· Tem batimentos cardíacos e pulso arterial

· Não pode ser feita necropsia ou ser sepultado

 

 

Características do Natimorto:

  

· Não tem movimentos espontâneos ou reflexos teseiertes4

· Não tem movimentos respiratórios

· Não tem batimentos cardíacos ou pulso arterial

· Pode ser feita a necrópsia e/ou sepultado

 

A tese que, via de regra, fundamenta decisões favoráveis à interrupção de gravidez em casos de má formação do feto, trilha a mesma corrente adotada pelo eminente julgador Ministro Marco Aurélio, quando concedeu liminar nos autos da ADPF 54, na qual o Ministro não aceita que o feto anencefálico seja possuidor de vida. Disse o Ministro, verbis: “(…) a gestante convive diuturnamente com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto, dentro de si, que nunca poderá se tornar um ser vivo. Se assim é – e ninguém ousa contestar (…)” – grifamos.

Os fatos não só ousam, mas, efetivamente contestam!

MARCELA: O FATO QUE FAZ CALAR O ARGUMENTO[14]

marcela2No dia 20 de novembro de 2006, nasceu na cidade de Patrocínio Paulista(SP), Marcela de Jesus Ferreira, uma menina anencéfala, filha de Cacilda Galante Ferreira (36 anos) e Dionísio Justino Ferreira (46 anos), que contatados pessoalmente, autorizaram a divulgação da imagem da filha.

Aos quatro meses de gestação, a Sra. Cacilda soube que seu bebê era anencéfalo e recebeu a sugestão de “interromper a gravidez” ou “antecipar o parto”. A gestante rejeitou totalmente a idéia do aborto, e, a criança que segundo o Ministro “…nunca poderia se tornar um ser vivo…”, contrariando os prognósticos, científico-jurídicos, completou 10(dez) meses de idade no dia 20 de setembro de 2007.

Assim, em nosso sentir, esse discurso teratológico de que o ser intra-uterino não tem vida, ou se a tem, não pode ser considerado como pessoa (e neste caso, não haveria crime de morte se fosse praticado o aborto), é mais aberrante do que o próprio ato.Por outro lado, do ponto de vista científico, o que parece estar em jogo é a incerteza do que seja “vida”, ou do que seja “vida viável”. Neste aspecto é inarredável esclarecer que a vida não pode ser confundida com condições necessárias, ou viabilidade de existência. É, outrossim, o resultado indissociável da geração biológica do ser, independentemente do seu desenvolvimento ou da forma que assumirá.

Ensina a ciência, que obtém-se a vida com a fertilização do óvulo e a formação do zigoto[15] e não quando o embrião se torna feto. Este momento crucial marca não só o início da vida, mas também assegura os direitos, ou, ao menos, as expectativas de direito do nascituro. Engana-se quem desconsidera este momento inicial como marco científico de relevância para o direito, pois é justamente neste limiar que confluem a vida e o direito, resultando na chamada vida intra-uterina. William A. Liley[16], considerado o pai da medicina fetal, descreve a importância que tem o ser em formação: “O novo indivíduo comanda o seu ambiente e o seu destino com tenacidade de propósito, implanta-se na parede esponjosa do útero e numa demonstração de vigor fisiológico interrompe a menstruação da mãe. Tal é, pois, o feto que nós conhecemos e que nós próprios fomos um dia. É o feto de que cuidamos na obstetrícia moderna, que vem a ser o mesmo bebê do qual cuidamos antes e depois do nascimento, o qual pode ficar doente antes e depois de nascer, exigindo diagnóstico e tratamento como qualquer outro paciente.”

Esta importância que a ciência dá ao feto é a prova clara de que o homem já se convenceu que a vida criada é totalmente distinta da criadora, embora interligadas. Aliás, em frase secular, Jérôme Lejeune[17], descobridor da Síndrome de Down, proferiu o seguinte raciocínio: “Aceitar o fato de que, depois da fertilização, um novo ser humano começou a existir não é uma questão de gosto ou de opinião. A natureza humana do ser humano, desde a sua concepção até sua velhice não é uma disputa metafísica. É uma simples evidência experimental”. Neste sentido, por reconhecer o nascituro como possuidor de vida independente, é que a moderna medicina fetal trata o ser intra-uterino como paciente, chegando a submetê-lo, quando necessário, a tratamento médico, inclusive cirúrgico. Assim, qualquer manipulação do nascituro no útero materno, com o fim de levá-lo à expulsão forçada é, sem dúvida, um eufemismo para a “pena de morte”. Merece registro que nos casos ora tratados não há risco de morte para a gestante.

O argumento que pretende justificar o direito de interromper a gravidez quando uma mulher apresenta ou supõe apresentar uma má-formação de um filho que vai nascer, é o mesmo que poderia garantir a outra gestante que não pôde ou não teve oportunidade de realizar exames pré-natais, o direito de ser contemplada mais adiante com uma legislação que permitisse praticar impunemente o infanticídio ou a eutanásia neo-natal.

Outra justificativa utilizada na decisão interlocutória na ADPF 54, que conflita com o direito moderno, ainda remonta aos idos tempos do direito medieval. Diz a temerária decisão: “(…) diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples inserção, no dia a dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar”. Mas qual é o prejuízo que pode causar ao direito um ser deformado? Nenhum! É carecedor dos mesmos benefícios jurídicos dos seres normais! O direito brasileiro não discerne seres perfeitos e imperfeitos! Recorra-se agora à lição de Washington de Barros Monteiro[18]: “Perante o nosso Código, qualquer criatura que provenha da mulher é ente humano, sejam quais forem as anomalias e deformidades que apresente, como o monstrum vel prodigium do direito romano.” O avanço da medicina tem por objetivo salvar vidas e não ceifá-las, eis que de acordo com a ética médica não se pode negar nenhum tipo de assistência à alguém que vai morrer.

O Código Civil preconiza ainda o termo: “Toda pessoa” para aludir quem são sujeitos de direitos e obrigações, sem, entretanto, fazer qualquer exigência quanto à forma que possuem. O nascido vivo é “pessoa natural” suplantada que está a antiga terminologia discriminatória de “pessoa física” que causava a falsa impressão de que a pessoa nascida tinha que apresentar a forma física de um ser humano e também por desprezar as qualidades morais e espirituais do homem [19]. Assim, não importa o fato de que o nascituro seja fisicamente deformado. As garantias jurídicas da personalidade lhe serão atribuídas normalmente.

2.2. Limites ao direito de liberdade: supressão da autonomia da vontade privada;

No viés da questão está um direito não menos fundamental: o da liberdade, também garantido constitucionalmente. A decisão monocrática do Ministro Relator Marco Aurélio de Mello na ADPF 54 traz, em seu bojo, sua preocupação quanto ao exercício deste direito, bem como o da autonomia da vontade privada, in verbis: “Consoante o sustentado, impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causa à gestante (…) cerceio à liberdade e autonomia da vontade” grifos.

Não se discute ser a liberdade um sagrado direito, consagrado que está em nossa Carta Política. Também é plenamente reconhecível a autonomia da vontade privada de um indivíduo, porque, aliás, intrinsecamente ligados; se há direito de liberdade, há o de autonomia da vontade. O que se pergunta é: pode a mulher, alegando tais direitos, dispor de seu corpo como bem lhe aprouver, nem que isto signifique por fim a vida de um ser intra-uterino? Pode o tribunal constitucional interpretar distinções na dimensão de princípios fundamentais desta magnitude?

Ora, como dantes demonstrado, cientificamente, a gestação de uma vida faz dela totalmente individualizada da outra, embora dependentes biologicamente entre si. Ao gerar o filho, a mulher perde completamente o domínio desta parte de seu corpo, que cresce involuntariamente, dependendo, é claro, dos inevitáveis suprimentos que aquela fornecerá. Noutros termos, o feto gerado não é mais considerado como mera víscera da mulher, como propagava Ulpiano[20]. Física e biologicamente falando, a mulher tem a função de criar um ambiente interno para o desenvolvimento do novo ser que se avizinha e disso cuida a natureza com toda sua “tecnologia de ponta”, que não conta com uma interrupção abrupta para atender egos e vontades psíquicas manifestadas, quando mais acobertadas pelo manto da justiça.

O corpo humano não é um contrato e o aborto não pode ser objeto de negócio jurídico para que se albergue a pretensa argumentação da autonomia da vontade privada. A liberdade deve ser tangível sob certos limites, de tal modo que as pessoas possam dela desfrutar com a livre consciência de que não poderão invadir a esfera jurídica de terceiros, sob pena de afrontar princípios básicos inseridos no próprio propósito de liberdade. Aliás, Montesquieu[21], fazendo alusão à liberdade nas democracias, certa vez disse: “É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer; mas a liberdade política não consiste nisso (…) A liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem; se um cidadão pudesse fazer tudo que elas proíbem, não teria mais liberdade, porque os outros também teriam tal poder”.

E no Brasil não há, via de regra, permissão para o aborto. Desta forma, não faz sentido invocar o princípio fundamental da liberdade, em defesa da mãe e em favor do ato, pois a nova camada de direitos gerada com a vida que se inicia está tutelada juridicamente (ao passo que o outro não) e desautoriza qualquer eventual direito de liberdade da mãe sobre o seu corpo, por não ser mais seu em plenitude.

Algumas correntes argumentam que uma criança com três meses de concebida não é pessoa, pois sua vida depende inteiramente da mãe. Apesar de já ter todos os seus órgãos formados desde o segundo mês (inclusive com impressões digitais), apesar de seu cérebro já estar produzindo ondas desde as 6(seis) semanas (um mês e meio), apesar de seu coração funcionar desde 21 (vinte e um) dias (menos de um mês de vida), para os defensores de tal tese a criança de três meses de vida intra-uterina não é pessoa. O argumento dessa tese é simples ou simplista: “se esta criança for retirada do útero materno, morrerá inevitavelmente; logo, ela não é pessoa”.[22]

É verdade que a criança por nascer depende da mãe para sobreviver. Mas tal dependência é puramente extrínseca. Desde a fusão do óvulo com o espermatozóide, forma-se um novo indivíduo que comanda o seu próprio crescimento e desenvolvimento. Seu código genético é distinto da mãe. Seus aparelhos e sistemas são totalmente outros. Não é o organismo da mãe que vai construindo a criança. É a criança que constrói a si mesma, usando do alimento e do oxigênio fornecidos pela mãe. É o bebê, e não a mãe, que produz o famoso hormônio HCG, habitualmente usado nos testes de gravidez. É o bebê quem, por conta própria, suprime o período menstrual da mãe e constrói para si uma placenta e um envoltório protetor com líquido amniótico. E finalmente é o bebê quem determina o dia em que vai nascer, pois está fora de dúvida, segundo Dr. William A. Lilley[23] (o “pai da fetologia”) que o início do parto é uma decisão unilateral do nascituro (cf. A criança não depende da mãe intrinsecamente, como o braço depende do restante do organismo. Sua dependência, puramente extrínseca, reduz-se ao lugar para hospedar-se, à alimentação e à respiração. Mas tal dependência permanece depois do nascimento. Pois, se depois de nascer, a mãe não a nutre com seu leite nem a acolhe em sua casa, a criança morrerá inevitavelmente. Para ser coerente os adeptos da tese deveriam dizer que o recém-nascido também não é pessoa, e, portanto não tem personalidade, uma vez que continuará a depender totalmente da mãe.

A liberdade concedida à gestante será sempre prévia ao ato da concepção, ou seja, decidir ou não pela gravidez, pois o momento posterior é reservado a outro direito fundamental: o da vida, e, este último, como visto, é idêntico para mãe e filho.

Este mesmo reconhecimento científico da dissociabilidade dos seres, genitor e gerido, é que forçou o Direito a reconhecer que o nascituro, embora não se tenha constituído de personalidade possa ser ao menos merecedor de proteção jurídica, registrando-se entretanto a existência de correntes que defendem o direito a personalidade civil desde a concepção.

3. IMPEDIMENTO DE ACESSO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E A NÃO EXIGÊNCIA DA FORMA HUMANA E DA VIABILIDADE DO NASCIDO.

Inevitável a abordagem aos Direitos da Personalidade, dantes tocados, en passant, e que fazem referência direta ao ser humano que nasce com vida, o que já constitui, de per si, outro grave cerceamento de direito conseqüente de decisões do Poder Judiciário favoráveis à pretensão de natureza abortista. Pode até surgir a pergunta: mas por que tratar dos direitos da personalidade, quando o direito em pauta é o da vida, uma vez que, sem esta, tudo mais perde o sentido? A resposta é que a conjuntura é propícia, pois o intuito é provar o efeito em cadeia que decisões de natureza abortistas, à semelhança de liminares concedidas, provocarão em breve, deflagrada a ordem de “aborto vinculante”[24]. Mas, para que se tenha uma mínima idéia de quão devastadora a alteração provocada na cadeia de direitos com o ato decisório, peguemos o exemplo citado por Carlos Roberto Gonçalves[25] que se encaixa perfeitamente ao caso do aborto anencefálico: “Se, por exemplo, o genitor, recém-casado pelo regime da separação de bens, veio a falecer, estando

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