(os males causados em nome do coronavírus)
Na luta contra o aborto é indispensável alimentar-se com o Pão da Vida, “aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo 6,33). O líder pró-vida Mons. Philip Reilly, de Nova Iorque, entendeu isso quando, após um período de contínuos fracassos, decidiu mudar de tática:
Começou a alugar espaço perto dos abortórios e fazer lá capelas nas quais equipes de duas pessoas se revezariam a cada hora em perpétua adoração ao Santíssimo Sacramento. Quarenta e oito pessoas para cada vinte e quatro horas. De pé, na entrada do abortório, estaria a próxima equipe de duas pessoas. Uma rezaria o terço pela mudança de coração da mãe, enquanto outra tentaria conversar com aqueles que entravam no prédio. Quando iniciaram essa campanha pela vida apoiada pela oração, uma única criança salva era causa de grande alegria. Agora, apenas em Nova Iorque, cerca de 5000 mulheres escolhem a vida a cada ano. Como resultado, no decorrer de poucos anos, dezenas de abortórios foram fechados nos EUA. Pe. Reilly afirma ter perdido o número de crianças salvas em todo o paísQuando a epidemia do coronavírus começou, as autoridades procuraram impedir a sua disseminação. Algumas das medidas tiveram relação direta com a Eucaristia. Uma delas – que muito me agradou – foi a proibição do abraço da paz, que tanto tumulto costuma causar na assembleia após a consagração e pouco antes da Comunhão. Outra medida – relatada por leigos de várias partes do país – foi a imposição aos fiéis de receberem a Sagrada Comunhão apenas na mão. Sobre esse assunto, porém, o Diretório da Liturgia da CNBB de 2020 deixou claro:
Jamais se obrigará algum fiel a adotar a prática da comunhão na mão. Deixar-se-á a liberdade de receber a comunhão na mão ou na boca, em pé ou de joelhosO mesmo já havia sido dito pela Congregação para o culto divino e a disciplina dos sacramentos na instrução “Redemptionis sacramentum” em 2004:
Embora todo fiel tenha sempre o direito de receber, à sua escolha, a santa comunhão na boca, nas regiões onde a Conferência dos Bispos, com a confirmação da Sé apostólica, permitiu, se um comungante quiser receber o sacramento na mão, seja-lhe distribuída a sagrada hóstiaCom o passar do tempo, porém, o pânico foi se alastrando e a palavra de ordem passou a ser “evitar aglomerações”. Cogitou-se em limitar o número de participantes da Santa Missa a cinquenta pessoas, depois a vinte pessoas… depois aconteceu o inimaginável: a ordem de os sacerdotes celebrarem sem o povo e de os fiéis ficarem em casa acompanhando a Eucaristia pela televisão ou pelas redes sociais. E em vez de Comunhão Eucarística, que recebessem a comunhão espiritual ou de desejo.
A Igreja já passou por inúmeras epidemias. Pensemos na Peste Negra, que matou um terço da população da Europa na Idade Média. Pensemos na gripe espanhola, que matava a todos, inclusive crianças, entre elas Francisco e Jacinta, os pastorinhos de Fátima.
Nunca os Bispos ordenaram que, para combater uma epidemia ou impedir o contágio de uma doença, os fiéis ficassem privados de ir à Santa Missa e de receberem a Sagrada Comunhão. Ao contrário, em ocasiões como essas, vistas como sinais de Deus, aí sim é que se exortavam os fiéis à recepção dos Sacramentos e à participação do Sacrifício Eucarístico.
Entre as precauções que todos nós devemos tomar diante de uma epidemia, há as razoáveis (lavar frequentemente as mãos, manter um distanciamento entre as pessoas…), as irrazoáveis (confinar toda a população em casa) e as impensáveis (proibir que o povo respire ou coma para impedir a propagação do vírus pelo ar ou pelos alimentos). A proibição das Missas públicas e da Comunhão Eucarística deveria estar entre as impensáveis. A Eucaristia não é apenas um apêndice da Igreja, mas é a própria vida da Igreja. “A Igreja vive da Eucaristia” (Ecclesia de Eucharistia vivit): com essas palavras São João Paulo II iniciava sua encíclica publicada em 2003 sobre a Eucaristia e sua relação com a IgrejaComunhão Espiritual
Não encontrei no atual Catecismo da Igreja Católica algum trecho que tratasse especificamente da comunhão espiritual ou de desejo. No entanto, o Catecismo Romano (como é conhecido o Catecismo do Concílio de Trento) ensina que há três modos de comungar.
O primeiro é a comunhão indigna, daqueles que recebem o Corpo e Sangue do Senhor em pecado mortal. “Quem nesse estado de alma recebe os santos Mistérios, além de não auferir fruto algum, come e bebe a sua própria condenação, como atesta o Apóstolo”.
O segundo é a comunhão espiritual, daqueles “que se nutrem deste Pão Celestial, pelo desejo e a intenção de recebê-lo, animados de uma fé viva, que opera pela caridade
O terceiro é a comunhão digna e sacramental: “Outros há, enfim, que tomam a Eucaristia, sacramental e espiritualmente. São os que se examinam antes a si mesmos, como ensina o Apóstolo, e se adornam com a veste nupcial, para chegarem à Mesa Divina. Nestas condições, auferem da Eucaristia aqueles ubérrimos frutos, de que já fizemos menção”.
Em seguida, o Catecismo Romano faz uma séria advertência:
Em vista de tais razões, privam-se dos maiores bens sobrenaturais, os que podem preparar-se para a recepção sacramental do Corpo do Senhor, mas se contentam de fazer a Comunhão espiritualNão se deve, portanto, podendo fazer a Comunhão Sacramental, contentar-se com a Comunhão Espiritual. Com maior razão, não poderiam os Pastores de Almas, podendo dar aos fieis o Corpo e o Sangue de Cristo, dizer que eles devem contentar-se com a Comunhão Espiritual ou de desejo. Isso seria semelhante a alguém, diante de quem lhe pede pão, responder: “Não vou dar-lhe pão. Sacie-se com o desejo de comer pão”. A comparação não é perfeita, é claro: o simples desejo de comer pão comum não alimenta, enquanto o desejo de comungar traz frutos espirituais. Mas a Comunhão Espiritual não produz no comungante a presença substancial de Jesus.
Preceito Dominical
Diz o Código de Direito Canônico que “nos domingos e outros dias de festa de preceito, os fiéis têm a obrigação de participar da Santa Missa” (cân. 1247). Os Bispos podem, por razão grave, dispensar seus diocesanos desta obrigação. Mas isso não resolve o problema. Pois ir à Santa Missa, mais do que um dever, é uma necessidade. Analogamente não resolveria o problema da fome do país o governante que assinasse um decreto dispensando o povo do dever de se alimentar. Pois alimentar-se é uma necessidade e não uma obrigação imposta pelo governo.
Conforme o Direito Canônico, a Sagrada Comunhão é um direito: “Qualquer batizado, não proibido pelo direito, pode e deve ser admitido à sagrada comunhão” (cân. 912). A privação da Comunhão é um castigo reservado aos excomungados, aos interditados e a “outros que obstinadamente persistem no pecado grave manifesto” (cân. 915). Que fez, porém, o fiel em estado de graça para merecer tal castigo?
Um caso inédito
Para não faltar com a reverência aos Bispos, que são Sucessores dos Apóstolos, têm a plenitude do sacerdócio e são meus superiores hierárquicos, cito aqui a palavra de Dom Athanasius Schneider, Bispo auxiliar de Santa Maria em Astana, CazaquistãoMinha impressão geral é que a maioria predominante dos bispos reagiu precipitadamente e em pânico ao proibir todas as Missas públicas e – o que é ainda mais incompreensível – ao fechar as igrejas. Tais bispos reagiram mais como burocratas civis do que pastores. Ao se concentrarem exclusivamente em todas as medidas de proteção higiênicas, eles perderam uma visão sobrenatural e abandonaram a primazia do bem eterno das almas.
[…]
A epidemia de coronavírus causou uma situação dentro da Igreja que, a meu conhecimento, é única, isto é, uma proibição quase mundial de todas as Missas públicas. Isso é em parte análogo à proibição do culto cristão em quase todo o Império Romano nos três primeiros séculos. A situação atual, no entanto, é sem precedentes porque no nosso caso a proibição do culto público foi emitida pelos bispos católicos, e mesmo antes de mandatos governamentais relevantesNa verdade, houve Bispos que resistiram à proibição das Missas públicas, mas acabaram cedendo diante das fortes pressões dos governantes e do alarme das autoridades sanitárias. Alguns alegaram que tal medida era temporária, que era tomada por “caridade” e em razão da “defesa da vida” da população ameaçada pela epidemia.
O que há de novo
Ao que parece, o coronavírus não tem capacidade de matar pessoas sadias e com alta imunidade. Haja vista a taxa de letalidade zero entre as crianças infectadas. Quanto aos adultos, note-se que as vítimas letais apresentam alguma outra doença ou fragilidade. Nos idosos acima de oitenta anos, quinze por cento dos infectados morrem. Mas, como dizia Terêncio, a própria velhice já é uma doença (senectus ipsa est morbus).
Não é agradável ver uma grande mortandade de velhinhos. Porém, pergunta-se: se os idosos que morreram com o coronavírus não tivessem morrido, porventura escapariam da próxima infecção? Pessoas com essa faixa etária não estão, por sua própria condição, mais expostas à morte? Será razoável privar quase toda a população de seus direitos para dar apenas mais alguns anos de vida aos idosos?
O que há de novo na epidemia não é a epidemia em si, mas o pavor gerado em torno dela e as medidas desproporcionais tomadas para combatê-la.
O que há, porém, de absolutamente novo, como disse Dom Athanasius Schneider, é a privação da Eucaristia aos fiéis ordenada pelos próprios Bispos, que em geral agiram com extrema docilidade não apenas a ordens, mas a meras recomendações do governo civil.
Fim do mundo?
Tal cenário, inédito em toda a História da Igreja, seria um sinal do fim do mundo? Talvez não do fim do mundo, mas do fim de um mundo. Uma provação sem precedentes sinaliza para bênçãos sem precedentes. Se perseverarmos no amor e obediência à Santa Igreja, se chorarmos ao vermos a multidão faminta a quem é negado o Pão da Vida, se implorarmos ao Senhor que esse pesadelo passe logo, quem sabe um mar de graças nos será reservado?
Oração
Senhor, neste tempo de calamidade, pedimos que passe a privação que agora sofremos da Santa Missa e da Comunhão Eucarística.
Imploramos que até a vossa Vinda gloriosa nunca mais haja uma época em que nos seja negado o Pão da Vida, por mais grave que seja a doença ou epidemia que se queira combater.
Suplicamos que haja sempre na vossa Igreja administradores fiéis e prudentes dispostos a dar-nos a ração de trigo na hora certa (Lc 12,42).
“Senhor, dai-nos sempre desse Pão” (Jo 6,34).
Mãe puríssima, que não deixastes faltar vinho nas bodas de Caná (Jo 2,3), não permitais que nos falte o Sangue que jorrou do lado aberto de vosso Filho (Jo 19,34) e que nos purifica de todo pecado (1Jo 1,7).
Anápolis, 14 de abril de 2020.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz