(Muitos médicos que acreditam no dogma de Hitler)
Maria José Miranda Pereira
Neste setor de abortos há uma corrente forte da qual participam muitos médicos, que acreditam no dogma de Hitler. O aborto deu a algumas pessoas grande poder sobre a vida e sobre a morte. Aguardamos o tempo em que a mãe terá o direito de matar o seu filho até algumas horas depois do parto normal. Quando a criança nasce a mãe deve ter a possibilidade de olhar bem para ela e ver se corresponde à sua expectativa e resolver se ela deve continuar vivendo. Isto é o ideal, o sonho, naturalmente. Mas ainda estamos muito longe do tempo em que a sociedade em seu conjunto aceite uma coisa destas. Temos que ir muito devagar.
Se se dissesse uma coisa destas logo no começo, quando entrou em vigor a Lei do Aborto, teria havido protestos, o público teria ficado horrorizado. Temos que conquistar nosso terreno centímetro por centímetro[2].
As palavras acima foram pronunciadas por um farmacêutico, dono de um consultório de teste de gravidez em Londres. Foram gravadas secretamente pelos jornalistas Michael Litchfield e Susan Kentish, que investigavam o que ocorria nas clínicas de aborto logo após a sua legalização na Inglaterra (o “Abortion Act”, de 1967). Esta foi uma das vezes em que os jornalistas se depararam com uma simpatia entre os praticantes do aborto e as ideias nazifascistas. Digna de nota é a frase: “Temos que conquistar nosso terreno centímetro por centímetro”.
No Brasil está acontecendo algo semelhante. Em 1996, a então deputada Marta Suplicy (PT/SP) dizia acerca do seu projeto de lei (PL 1956/96) que buscava liberar o aborto de crianças com más-formações graves: “Quero uma lei que permita a interrupção da gravidez em casos incompatíveis com a vida. Assim será facilmente aprovada e poderemos dar o próximo passo” (destaque nosso)[3]. Como o Congresso nunca aprovou esse projeto de aborto eugênico, o advogado Luís Roberto Barroso resolveu em 2004 ingressar junto ao Supremo Tribunal Federal com a ADPF 54, a fim de que os Ministros, reinterpretando e desinterpretando o Código Penal “conforme (?) a Constituição” decidissem que o aborto – renomeado “antecipação terapêutica de parto” (ATP) – de bebês anencéfalos não poderia ser considerado crime. Depois de muita luta pela morte dos deficientes, Barroso teve a alegria de ver, em abril de 2012, a Suprema Corte julgar procedente o seu pedido, violando cláusula pétrea da Constituição Federal e permitindo a morte direta de um ser humano inocente pelo simples fato de lhe faltar parte da massa cerebral.
Em 2016, com o surto do nascimento de crianças com o perímetro cefálico menor que 32 centímetros (microcefalia), fato este supostamente associado ao Zika vírus, eis que aparece a Associação Nacional de Defensores Públicos (ANADEP) desejando pleitear junto à Suprema Corte o aborto de tais bebês de cabeça pequena (ADI 5581). Desta vez, o preconceito não se refere à massa cerebral, mas ao diâmetro do crânio.
E Luís Roberto Barroso, advogado incansável do preconceito contra os anencéfalos (ADPF 54) e contra os embriões humanos congelados (ADI 3510), agora já é Ministro do Supremo, nomeado por Dilma Rousseff em 2013.
Mesmo sendo juiz, ele não deixou de ser advogado da causa abortista. Em 29/11/2016, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal julgava um habeas corpus (HC 124.306-RJ)impetrado contra a prisão preventiva de uma quadrilha que praticava abortos em uma clínica em Duque de Caxias (RJ). Os acusados desejavam apenas responder ao processo em liberdade, alegando razões processuais. O Ministro Barroso, porém, aproveitando a ocasião, fez em seu voto-vista um tratado de “direitos humanos” e concluiu que os réus deveriam ser soltos não apenas por razões processuais, mas por haver “dúvida fundada sobre a própria existência do crime” (sic), uma vez que, segundo ele, os artigos 124 e 126 do Código Penal (que incriminam o aborto), para serem interpretados “conforme a Constituição” (sic), deveriam excluir o aborto praticado nos três primeiros meses! O lamentável voto de Luís Barroso foi acompanhado por Rosa Weber e Edson Fachin! O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) entendeu que no STF o clima estava favorável à liberação do aborto e resolveu assim, em 08/03/2017, ajuizar a ADPF 442, usando os mesmíssimos argumentos de Barroso e pedindo a “não recepção parcial” dos mesmos artigos do Código Penal por ele citados (arts. 124 e 126) pela Constituição de 1988 “para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção da gestação induzida e voluntária realizada nas primeiras 12 semanas”. A relatora da ação, Rosa Weber, que acompanhara o voto de Barroso no HC 124.306, resolveu promover um magnífico espetáculo convocando para agosto de 2018 uma audiência pública sobre a ADPF 442. O evento serviu para dar uma aparência de participação popular, mascarando a tirania da Suprema Corte, que já estava pronta para bater o martelo contra os nascituros. Estando em debate o aborto de crianças por simples solicitação da gestante até três meses de vida (ADPF 442), ninguém mais pensava no aborto de crianças microcéfalas (ADI 5581).
Foi então que, em 13/04/2020, estando o povo em “prisão domiciliar” em meio à pandemia do Coronavírus, o STF resolveu incluir na pauta de 24 de abril, em plenário virtual, o julgamento da ADI 5581. Tudo parecia um golpe para aprovar o aborto na surdina. A sociedade se manifestou como pôde, usando as redes sociais, mas não impediu que o julgamento começasse na data e na forma marcadas. Para nossa surpresa, a relatora Ministra Cármen Lúcia emitiu um voto em que dizia: “Julgo prejudicada a Ação Direta de Inconstitucionalidade e não conheço da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental”. Não foi um voto “contra o aborto”, mas contra o seguimento da ação, sem entrar no mérito do pedido. Tal voto foi seguido pelos demais ministros do STF. O último a votar, Luís Roberto Barroso, em 30 de abril, francamente entristecido, não quis manifestar divergência “diante da maioria que já se formou no Plenário Virtual pela existência de óbice processual ao seguimento de ambas as ações”[4]. No entanto, não deixou de fazer “uma ressalva e uma reflexão”. A ressalva é que, na opinião dele, a ANADEP teria legitimidade para ajuizar a ação, sob a forma de ADPF (se ele tivesse sido o relator, a ação teria sido conhecida). A reflexão é que a extinção do processo adiou a discussão do “tratamento constitucional e legal a ser dado à interrupção da gestação, aos direitos fundamentais da mulher e à proteção jurídica do feto”. Note-se que, para Barroso, enquanto a mulher tem “direitos fundamentais”, o nascituro (por ele chamado “feto”) tem apenas uma “proteção jurídica”, semelhante àquela que têm a fauna, a flora e os bens patrimoniais. E mais ainda: “Mulheres são seres autônomos, que devem ter o poder de fazer suas escolhas existenciais, e não úteros a serviço da sociedade”. Convém notar que as mulheres que Barroso considera autônomas são as adultas, não as mulheres que estão no ventre de outras mulheres aguardando a hora do nascimento. O que ele defende não é um direito “da mulher”, mas o direito do grande sobre o pequeno, do forte sobre o fraco, o que nada mais é do que a ausência do direito. Em seu voto, ele menciona expressamente a sua apologia do aborto feita no HC 124.306 e afirma que a reflexão “transcende a questão da Zika e da microcefalia, alcançando os direitos reprodutivos das mulheres de maneira geral” (sic!). Como é grande a desilusão de Barroso diante de um placar de onze votos a zero, tendo o Tribunal perdido a ocasião de avançar mais alguns centímetros em direção ao aborto irrestrito! Como seria bom se o Ministro tivesse a sinceridade daquele farmacêutico de Londres, que se declarava admirador de Hitler! Como seria bom se ele confessasse que seu sonho seria restaurar o que estava escrito na “Tábua Quarta” da Lei das Doze Tábuas do Direito Romano: “1. É permitido ao pai matar o filho que nasce disforme, mediante o julgamento de cinco vizinhos. 2. O pai terá sobre os filhos nascidos de casamento legítimo o direito de vida e de morte e o poder de vendê-los”. Como seria bom se Barroso tivesse a coerência do australiano Peter Singer, que defende não apenas o aborto, mas o infanticídio: “Tudo o que digo é: por que limitar a matança ao útero? Nada mágico acontece no nascimento. […]. Claro, o infanticídio precisa ser raro e controlado por uma legislação dura, mas não precisa ficar ilegal. Não mais que o aborto”[5].
E como seria bom se ele e os demais Ministros reconhecessem que não querem suprir uma “omissão” do Parlamento sobre o aborto, mas destruir o sonoro NÃO que os parlamentares disseram ao aborto.
Parabenize a promotora Maria José Miranda Pereira pela publicação deste artigo!
Envie uma mensagem para mjmp10@Gmail.com
Anápolis, 3 de junho de 2020.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz.
Presidente do Pró-Vida de Anápolis
[1] Promotora de Justiça do Distrito Federal, membro da Associação Nacional de Membros do Ministério Público – MP PRÓ-SOCIEDADE. Publicado na Tribuna Diária em 31 maio 2020 [https://www.tribunadiaria.com.br/noticia/814/centimetro-por-centimetro.html].
[2] Michael LITCHFIELD, Susan KENTISH. Bebês para queimar: a indústria do aborto na Inglaterra. 6. ed. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 52-54. Título original: Babies for burning: the abortion business in Britain. O “copyright” é de 1974.
[3] Jornal do Brasil, 19/05/1996, página “Saúde”.