Marcela: uma estrela no céu

(depois de um ano e oito meses de muitos risos, morre a anencéfala Marcela, que tanto contribuiu à causa pró-vida)

No dia 1º de agosto de 2008, sexta-feira, às 22 horas, na Santa Casa de Misericórdia de Franca (SP) morreu Marcela de Jesus Ferreira, quebrando todos os recordes de sobrevivência de uma criança anencéfala. Os anencéfalos costumam ter uma breve vida extra-uterina. Segundo o Comitê Nacional de Bioética do governo italiano, “foi relatado um caso único de sobrevivência até 14 meses (8) e dois casos de sobrevivência de 7 a 10 meses, sem recorrer à respiração mecânica[1]. Marcela, porém, nascida em Patrocínio Paulista (SP) em 20 de novembro de 2006, faleceu após 1 ano, 8 meses e 12 dias de nascida. Gordinha, com 15 kg e 72 cm, e muito risonha (famosa pelas gargalhadas que dava quando sua mãe lhe fazia cócegas), Marcela respirava normalmente, quase não dependendo do concentrador de oxigênio. No dia 18 de abril de 2007, com quase cinco meses de nascida, a menina recebeu alta da Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio Paulista. Segundo a médica Dra. Regina Helena de Freitas Lopes, Marcela “modificou todo o hospital” onde ficou internada. “Houve maior entrosamento, maior união… Valia a pena a gente estar lutando por ela”.

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Célio Messias/AE
Cacilda beija a mão da filha Marcela de Jesus

Após a alta hospitalar, Marcela foi com sua mãe Cacilda Galante Ferreira morar em uma casa na cidade. A necessidade de estar perto de um lugar com assistência médica impediu-as de irem para o sítio da família, onde vive o pai de Marcela, agricultor, Sr. Dionísio Justino Ferreira, com as duas filhas do casal: Débora (19 anos) e Dirlene (16 anos). Em 20 de novembro de 2007, Marcela comemorou seu primeiro aniversário. Em 26 de março de 2008, o Diácono Fábio Costa, que a havia batizado na Santa Casa, logo após o nascimento, completou os ritos do Batismo. Foram padrinhos o prefeito e a primeira dama de Patrocínio Paulista.

A saúde de Marcela parecia muito boa até as 7 horas do dia 1º de agosto de 2008, quando ela vomitou após tomar o leite dado por sua mãe pela sonda nosogástrica. Ao perceber que sua filha ficou arroxeada e com dificuldade de respirar, Sra. Cacilda levou-a imediatamente à Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio Paulista, onde foi feita uma radiografia que constatou pneumonia aspirativa total do lado direito. Dra. Regina Helena crê que a pneumonia tenha sido causada por aquele vômito ou por um vômito do dia anterior. Às 12h30min, Marcela sofreu uma parada cardiorrespiratória, mas recuperou-se através de massagens e de um micro-ressuscitador. A médica pediu então uma vaga na Santa Casa de Misericórdia de Franca, ao mesmo tempo em que perguntou para a mãe: “Cacilda, você está preparada?”. A resposta foi firme: “Eu sempre estive preparada. Ela é minha enquanto Deus quiser. Ela foi um anjo que Deus me deu”. Às 14h15min foi comunicada a existência de uma vaga em Franca. Marcela e Sra. Cacilda foram à Santa Casa daquela cidade, acompanhados da médica pediatra Dra. Márcia Beani. Internada na UTI daquele hospital, Marcela iria falecer às 22 horas. No dia seguinte, após um grande velório (“todo o mundo queria pegar na mãozinha dela”, diz sua mãe), o corpo de Marcela foi sepultado às 17 horas no Cemitério Municipal de Patrocínio Paulista.

Interrogada sobre a morte de sua filha, Sra. Cacilda afirma: “Triste eu fiquei. Mas chorar, eu não chorei. Eu não estou perdendo ela. Deus está vindo buscar uma coisa que é dele, a jóia rara que eu cuidei. Estou sentindo a falta dela, mas a consciência está tranqüila. Fiz a escolha certa: a vida dela”.

Segundo a mãe, “Marcela uniu mais a família… A gente fez tantos amigos… Agora ela está lá na presença de Deus, cuidando de mim, me dando forças para suportar a falta dela”. A frase que sintetiza o pensamento de Sra. Cacilda é esta: “Só tenho que agradecer”.


Peculiaridades do caso Marcela

O Brasil conhece outro caso de anencefalia em que a criança recebeu alta hospitalar: Maria Teresa, nascida em 17/12/2000, em Fortaleza (CE), recebeu alta depois de 19 dias e só veio a falecer em 29/03/2001, portanto com mais de três meses de nascida.[2]

Outro caso particularmente chocante foi o de Manuela Teixeira, de Sobradinho (DF), que teve seu aborto recomendado aos sete meses por uma promotoria de justiça do Distrito Federal. O diagnóstico era de acrania (ausência de calota craniana). Se a criança houvesse morrido ao ser expulsa, o aborto teria sido consumado. No entanto, a criança não morreu ao sair da mãe, embora essa fosse a vontade dos médicos. Manu (ou Manuela) nasceu com 1780 g e não tinha ausência total do crânio, como os médicos previam. Parte do crânio não existia e o cérebro estava exposto.[3] Manuela só viria a morrer com três anos de nascida, no dia 14 de setembro de 2003. Seus pais sepultaram-na no cemitério de Brazlândia (DF).[4]

Alguém poderia dizer que Manuela só viveu tanto tempo por causa da parte do cérebro que lhe restava. O mesmo não se pode dizer de Marcela, no qual ambos os hemisférios cerebrais estavam ausentes. Em novembro de 2007, o jornal O Estado de São Paulo anunciou que Marcela não era anencéfala, com base na palavra de um médico da Unicamp[5]. Porém, alguns dias depois, em uma consulta feita pela Folha de São Paulo a nove especialistas, oito afirmaram que Marcela era mesmo anencéfala.[6] Percebe-se na discussão o desespero dos abortistas em justificar um prognóstico que falhou: o de que a menina morreria logo após o nascimento.

Não apenas Marcela viveu ainda 20 meses depois de nascida, como nem sequer houve relação direta entre a anencefalia e a sua morte! Ouçamos a palavra da pediatra Márcia Beani: “Achávamos que ela teria algum tipo de problema no futuro, pois com o desenvolvimento do corpo, ela poderia sofrer de falência múltipla dos órgãos, em razão da ausência cerebral. No entanto, a morte pela aspiração do leite poderia ocorrer com uma criança sadia, por exemplo, e nada tem a ver com o problema que a Marcela apresentava[7]. Em outras palavras: se não fosse o acidente ocorrido, Marcela poderia, em tese, estar ainda hoje viva e sorrindo!  


Vidas salvas por Marcela

É impossível dizer quantos abortos deixaram de ser praticados por causa de Marcela. A título de ilustração, cite-se o parecer do Procurador de Justiça do Rio Grande do Sul Dr. Sérgio Guimarães Brito, de 1º de novembro de 2007, contra o aborto de uma criança anencéfala[8] e a sentença do juiz de direito da comarca de Natal (RN) Dr. Odinei W. Draeger, publicada em 30 de junho de 2008, indeferindo o pedido de abortamento de um bebê anencéfalo[9]. Em ambas as peças os juristas citam o caso de Marcela para ilustrar sua posição pró-vida.  


Quanto ainda não se sabe sobre o cérebro

A passagem de Marcela entre nós — rindo, chorando, reagindo às luzes dos fotógrafos, percebendo claramente a aproximação da mãe — obriga os neurologistas a rever o dogma de que é impossível haver consciência sem a presença do córtex cerebral.

Aliás, já em 1980, o redator da revista Science Roger Lewin publicava um artigo questionando: “seu cérebro é realmente necessário?” (Is your brain really necessary?). Na ocasião, ele citava um interessante texto do neurologista britânico John Lorber:

Um dos alunos que estuda nesta universidade [Sheffield University] tem um QI de 126, ganhou prêmios como melhor aluno de matemática e tem uma vida social normal. Mas não tem cérebro, literalmente falando… Quando foi submetido a um exame, verificamos que em vez de um cérebro normal de espessura de 4,5 centímetros entre os ventrículos e a superfície cortical, havia apenas uma fina camada de tecido de pouco mais de um milímetro de espessura. Seu crânio é preenchido apenas com fluido cerebrospinal.” [10]


A ADPF 54

Durante o tempo em que Marcela esteve conosco, a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 (ADPF 54), que pretende que o Supremo Tribunal Federal declare “atípico” o aborto de anencéfalos, ficou paralisada. Poucos dias após a morte de Marcela, em 7 de agosto de 2008, o relator Ministro Marco Aurélio expediu ofícios a diversas entidades convidando-as a participar de uma audiência pública sobre o tema. O evento, marcado para os dias 26, 27 e 28 de agosto, parece ter sido montado para favorecer a causa abortista. Das onze entidades convidadas, apenas duas são pró-vida: a CNBB e a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família. Estas deverão falar no mesmo dia que o da organização pró-aborto “Católicas pelo Direito de Decidir” e da Igreja Universal do Reino de Deus, também esta favorável ao aborto. Além disso, o relator teve o cuidado de chamar para falar o deputado pró-aborto José Aristodemo Pinotti (DEM/SP). E quanto à Marcela? “O ministro não pretende convidar parentes de bebês com anencefalia, como a mãe da menina Marcela de Jesus Ferreira, que, apesar de ter sido diagnosticada com anencefalia, viveu 1 ano e 8 meses. ‘Vamos atuar mais no campo técnico’, afirmou[11]. De fato, a simples lembrança dessa menina traria para um ministro um obstáculo à aprovação da ADPF 54…

Rio de Janeiro, 19 de agosto de 2008.

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

Presidente do Pró-Vida de Anápolis



[9] Cf. <http://www.tjrn.jus.br:8080/sitetj>. Consultar processo 001.08.018675-1.

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