Época de perseguição

(revista Época publica uma matéria em favor do aborto eugênico e contra a Igreja Católica)

Em 15 de março de 2004, a revista Época publicou na edição n.º 304, nas páginas 68 a 72, o artigo “A guerra dos embriões”, com o subtítulo “Mulheres pobres são impedidas de interromper gestações inviáveis por cruzada religiosa”. Na página 7 da mesma edição foi publicado no Índice a seguinte referência à matéria: “Parto de luto — mulheres pobres são impedidas de interromper gestação de risco”. A matéria continha cinco páginas de apologia do aborto eugênico e de acusações contra a Igreja Católica. O estopim foi a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, que, pela primeira vez na história, deferiu um Habeas Corpus em favor de uma criança deficiente no útero materno, criando assim jurisprudência contra o aborto eugênico[1].

A revista apresentou o aborto por má formação fetal como sendo um aborto “necessário” para evitar “risco de vida” para a gestante. Apresentou o casal Gabriela de Oliveira Cordeiro e Petrônio Oliveira Júnior como se tivessem sofrido horrivelmente com a decisão judicial que proibiu o abortamento de sua filha Maria Vida. Apresentou a Igreja Católica como impregnada de um “dogmatismo religioso” que ousa interferir na liberdade da mãe de decidir abortar ou não a criança. Apresentou as feministas como heroínas que tentaram em vão defender o interesse de Gabriela de abortar. Apresentou a mim, Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz, como alguém que arremessa fetos de borracha contra os que defendem o aborto (!). E apresentou o caso da jovem Deuseli Vanines, assistida pelo Pró-Vida de Anápolis, como o de alguém que matou a própria filha de onze meses por alimentar um ódio contra ela, que fora concebida em um estupro.

A difamação causada pela revista surtiu efeito imediato. Logo recebi mensagens eletrônicas (e-mails) de várias pessoas indignadas comigo.

No dia 16 de março de 2004, enviei por fax à Redação da Revista Época uma carta solicitando o exercício do direito de resposta. Na edição seguinte (n.º 305), de 22 de março de 2004, a revista publicou a carta (p.23), mas cortando várias passagens, inclusive frases inteiras que seriam importantes para o esclarecimento da verdade dos fatos. Como se não bastasse isso, logo abaixo da publicação mutilada da carta, a revista reiterou as ofensas (p. 23):

N. da R.: O padre preside um grupo católico denominado Pró-Vida de Anápolis, que funciona no interior do pátio da catedral Bom Jesus, em Anápolis, Goiás. Em seu depoimento gravado para ÉPOCA, Gabriela de Oliveira Cordeiro disse que só mudou de idéia sobre interromper a gestação depois de ter sido pressionada [sic] por casais católicos, que lhe fizeram acreditar [sic] que seu corpo era a CTI do bebê, e se sentir abandonada pela Justiça [sic]. Mesmo assim, ela continua convicta de que as mulheres devem ter direito de escolha sobre antecipar ou não o parto de um feto inviável [sic]. O costume do dito sacerdote de jogar fetos sintéticos sobre supostos adversários é comprovado por testemunhas [SIC!]. A malformação fetal incompatível com a vida representa risco para a mãe, conforme atesta a Medicina [sic]. Em seu depoimento à Justiça, por ocasião da morte da filha, a própria Deuseli diz que, em algumas ocasiões, sentia ódio da filha porque lhe lembrava o estupro [sic]. A Justiça interpretou que o assassinato da menina pela mãe havia sido um “abortamento cruel e tardio”.

 borracha

Fotógrafa: Mirian Fichtner/ÉPOCA

Na citação acima, os grifos são nossos. Note-se a leviandade de afirmar pela segunda vez, entre outras inverdades, que eu tenho o “costume” de atirar fetos sintéticos sobre meus adversários, e que tal “costume” teria sido comprovado por testemunhas, cujos nomes não foram mencionados pela Redação.

Eis a verdade:

1. Sobre os bebês de borracha

Quando no dia 05/03/2004 fui entrevistado pela revista Época, convidaram-me a posar diante do altar da Catedral do Bom Jesus (Anápolis, GO) portando dois bebês de borracha que fazem parte de um “kit” demonstrativo do desenvolvimento fetal. Convidaram-me a erguê-los como uma “celebração da vida”.

No domingo seguinte, surpreendi-me ao ver minha fotografia publicada na p. 71 com a legenda: “O Padre Lodi, do Pró-Vida de Anápolis, costuma atirar embriões de borracha sobre supostos adversários”. Escrevi à Redação dizendo que tal alegação era totalmente falsa. Na edição seguinte (n.º 305), na p. 23, a Redação confirmou a imputação: “O costume do dito sacerdote de jogar fetos sintéticos sobre supostos adversários é comprovado por testemunhas”.

Nego categoricamente tal afirmação. Além de falsa, ela é inverossímil, pelos seguintes motivos:

a) tais bebês de borracha são o símbolo da vida intra-uterina que a entidade que eu presido defende. Arremessá-los contra outros seria um contra-senso. Mais plausível seria imaginar que um abortista – para quem a criança por nascer é uma coisa descartável – lançasse tais bebês sobre os que defendem a vida;

b) os bebês de borracha, fabricados com cuidado para se encaixarem nos úteros sintéticos, são caros. Uso-os em palestras sobre o aborto e em aulas de Bioética. Não são comparáveis a pedras ou outro objeto de arremesso;

c) para que eu tivesse o “costume” (que implica repetição de atos) de arremessar tais bebês sobre terceiros, seria preciso que eu tivesse uma fábrica deles, o que está acima do poder aquisitivo da entidade.

Desejo saber quais são as testemunhas que “comprovam” esse “costume”, bem como se elas estão dispostas a depor em juízo.

 

2. Sobre o Habeas Corpus em favor da criança deficiente

O fato de eu ser sacerdote não impede que eu seja cidadão. Constitui discriminação religiosa, como se não bastasse a discriminação contra os deficientes, a afirmação de que eu não poderia impetrar habeas corpus, com fundamento na Constituição Federal, em favor de alguém, nascido ou por nascer, ameaçado de violência.

A deficiente física Maria Vida estava condenada à morte por decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Quando soube disso, ajuizei perante o Superior Tribunal de Justiça um habeas corpus em favor da criança por nascer (HC 32159). Acolhendo os argumentos jurídicos por mim usados, a brilhante Ministra Laurita Vaz, cassou liminarmente a autorização para o aborto em 26/11/2003, decisão esta que depois foi confirmada por unanimidade pela Quinta Turma do STJ em 17/02/2004. É esclarecedor o parecer emitido pelo Ministério Público Federal em 10/12/2003:

 

8. De plano, não é fato que o jovem casal está em quadro de profunda angústia.

9. A matéria jornalística, lida a fls. 61, deixa por bem claro que, verbis:

“Depois da decisão, no entanto, a mãe desistiu de realizar o aborto, e vai prosseguir com a gravidez.”

10. A própria Promotora de Justiça, tão enfática no pugnar pela autorização do aborto – fls. 35/38 -, mudou de postura e, verbis:

“Ela vai chamar-se Vida ou Soraya, disse a promotora criminal de Teresópolis, Soraya Taveira Gaya, que recorreu da decisão do juiz da Vara Criminal, Paulo Rodolfo Maxiliano de Gomes Tostes, que indeferiu o pedido inicial do aborto. Os pais da criança evitam falar no assunto. “Pareciam aliviados com a decisão da Justiça, mas alegaram motivos pessoais para fazer outra opção”, explicou a promotora Soraya.” (vide: fls. 61)

 

Tal parecer, assinado pela Dra. Cláudia Sampaio Marques, Subprocuradora-Geral da República e pelo Dr. Cláudio Lemos Fonteles, Procurador-Geral da República, mostra que é falsa qualquer alegação de angústia do casal em virtude da proibição judicial de abortarem a filha. Ao contrário, segundo a promotora, eles “pareciam aliviados com a decisão da Justiça”.

Amparada pelo Pe. Rogério Carvalho de Oliveira, da Paróquia São Pedro (Teresópolis) e pela equipe pró-vida do Rio de Janeiro que foi visitá-la, Gabriela desistiu totalmente do aborto e escreveu:

 

Desisti de antecipar a morte de meu bebê por dois motivos. O primeiro foi a luta para tirar, que estava fazendo eu sofrer demais. O segundo e o mais importante foi Deus…

… Eu estava deprimida e sofrendo demais com tudo e com todos, então eu me entreguei a Deus para me dar todas as forças que eu precisava. Procurei uma fé verdadeira. Até hoje sofro muito, mas sei que estou fazendo a coisa certa, porque estou com Nossa Senhora do meu lado, me dando muita coragem. Eu e meu marido percebemos que temos que lutar pela vida, pois a morte tem que chegar na vontade divina. E o nosso sofrimento é curado pela fé.

Permito que esta declaração seja usada em favor da preservação da vida de qualquer bebê no ventre materno.

Gabriela O. Cordeiro

Teresópolis, 05 de janeiro de 2004.

gabriela 

Note-se como foi salutar a dificuldade enfrentada pela Sra. Gabriela para poder “tirar” o bebê. Os empecilhos deram-lhe tempo para refletir que sua decisão estava errada. Agora, não apenas ela e seu marido desistiram do aborto, mas se tornaram militantes em favor da vida intra-uterina.

No dia 28/02/2004, Gabriela deu à luz. Pe. Rogério estava presente na hora do parto e pôde batizar a menina, que recebeu o nome de Maria Vida. Ela morreu como filha de Deus sete minutos após o nascimento. Foi registrada em cartório e sepultada como gente. Não foi tratada como uma mercadoria defeituosa, que se joga no lixo. Segundo o sacerdote, o nascimento da criança serviu para “unir a família”.

 

3. Sobre o Habeas Corpus impetrado pelas feministas em favor do aborto

Gabriela já havia desistido do aborto, mas as feministas não. No dia 26/02/2004, elas impetraram um Habeas Corpus (HC 84025) no Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de cassar a decisão do STJ. Defenderam uma pretensão que era delas (o aborto), mas não de Gabriela, e muito menos da criança, o que é um absurdo.

Chamado a se manifestar em nome do Ministério Público Federal, o Procurador Geral da República Dr. Cláudio Lemos Fonteles emitiu em 03/03/2004 parecer contrário ao conhecimento do pleito e, no mérito, pelo indeferimento do pedido: “A impetrante, na verdade, não está a representar o interesse real de Gabriela Oliveira Carneiro. Desenvolve tese pessoal, por via processual cabalmente inadequada” (grifos do original).

 

4. Sobre os “riscos” de uma gestação com anomalia fetal

Segundo os médicos Dr. João Evangelista dos Santos Alves (CRM 52 01135-7) e Dernival da Silva Brandão (CRM 52 00471.1), autores do livro “Aborto: o direito à vida”, laureado pela Academia Nacional de Medicina, os perigos que corre uma gestante com feto doente são inerentes a qualquer gravidez e podem ser superados por um cuidado pré-natal. Afirmam que, em tais casos, o aborto não diminui, mas aumenta os riscos  para  a  vida  da  mãe.

Também para Dr. Bussamara Neme (CRMSP 3312), professor emérito das faculdades de Medicina da USP e da UNICAMP, o risco do abortamento é maior que o do prosseguimento da gravidez. A seguir, uma declaração contundente da Dra. Lucinda Maria Ciuffo (CRM 52 20412-2), fundadora e diretora do Instituto da Mulher Fernando Magalhães no período 1986-1993:

 

Para justificar o aborto no caso de má formação fetal, detectada por exames de ultra-sonografia, costuma-se dizer que a gestante corre risco de vida: aparecimento de poliidrâmnio, toxemia gravídica, descolamento de placenta, atonia uterina… Cabe a mim dizer que tais riscos são inerentes a qualquer gravidez e são perfeitamente evitáveis e tratáveis, se houver um bom acompanhamento pré-natal. O tratamento é a drenagem, evitando-se as conseqüências de um aumento desordenado do líquido amniótico. Caso não fosse assim, seria necessário defender o aborto nos casos de poliidrâmnio idiopático, no qual as crianças são normais (aproximadamente 60% dos casos), nos casos de gestantes diabéticas, de gestações gemelares, de gestações de fetos macrossômicos e outras. A preocupação com a saúde materna, no caso, é hipócrita. Trata-se da defesa do aborto eugênico com uma tentativa de desviar a atenção para o risco materno.

Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2003

 

5. Sobre o caso Deuseli Vanines

O Pró-Vida de Anápolis dispõe de um lugar, a “Casa da Gestante”, que abriga gestantes desamparadas. Nossa primeira hóspede foi Deuseli Vanines, acolhida em 17/07/1998. Na época, ela já havia afogado em uma banheira sua primeira filha Fernanda Vanines, com 11 meses de nascida. O crime acontecera em 26/12/1997. Segundo os autos do processo 9701351878 da 2ª Vara Criminal da Comarca de Anápolis, Deuseli amava apaixonadamente sua filha, que fora concebida em um estupro. No interrogatório de 27/01/1998, Deuseli disse que “mesmo tendo sido estuprada, não tinha raiva de sua filha, pelo contrário, amava muito a criança; que nunca havia pensado antes em matar a sua filha” […] que sempre agiu de maneira normal e fraternal em relação a sua filha, pois gostava muito dela; que o desejo de matá-la ocorreu somente naquele dia fatídico […] que existia uma força maior que suas forças, que a levou a cometer o crime contra sua própria filha (fl. 38).

As testemunhas são unânimes em atestar o amor de Deuseli pela filha. Apenas para economizar espaço, cito o que disse Maria Madalena de Moraes: “Que a relação entre a acusada e sua filha era maravilhosamente boa; Que a acusada demonstrou muito amor e carinho pela filha quando foi obrigada a desmamá-la em razão da doença; por esse motivo, sua filha passou a dormir com a depoente, sendo que a acusada visitava a filha até quatro vezes durante a noite. Que até o ponto de Fernanda ter sido hospitalizada por uma crise convulsiva, demonstrava ser normal. Que a acusada teve uma reação de mãe desesperada quando a filha foi hospitalizada” (fl. 60).

Por que então Deuseli matou sua filha? Deuseli sofria freqüentes crises epiléticas e seu estado piorou quando foi freqüentar sessões de Umbanda. Consta em seu depoimento que ela “encheu a banheira da casa com água, e logo depois apanhou sua filha e a levou até a referida banheira, e lá afogou a criança até que esta veio a falecer; que durante todo o tempo a interroganda ouvia vozes e ficava dando gargalhadas satânicas, tudo de forma involuntária; que a interroganda lembrava-se todo instante daquilo que o Pai de Santo lhe dizia nas sessões de umbanda em que freqüentava” (fl. 38).

Na hora do crime, Deuseli parecia estar fora de si. Segundo o laudo médico, “sua capacidade volitiva estava completamente guiada por uma idéia fixa” (fl. 25 dos autos do processo 9800047360).

Nossa Instituição já acolheu inúmeras mulheres grávidas em razão de um estupro, incluindo casos terrivelmente dramáticos. Em todos eles, a mãe apaixonou-se pela criança após o parto. Deuseli Vanines não foi uma exceção. Sua segunda filha, Maria Vitória, foi adotada pela Sra. Maria Neuza Ferreira Gomes, na época coordenadora da Casa da Gestante. Deuseli morreu em sua terceira gravidez, em 07/07/1999, vítima de “insuficiência respiratória aguda, pneumonia aguda e crise convulsiva” (dados da certidão de óbito). Antes de sua morte, fui ao hospital administrar-lhe os sacramentos.

 

6. Sobre o pensamento atual de Gabriela de Oliveira Cordeiro

Quando li a Nota da Redação da p. 23 da edição 305 (22/05/2004) de Época, telefonei para Gabriela de Oliveira Cordeiro pedindo que esclarecesse o que afirmara a revista. O telefonema se deu na noite de 22/05/2004. Gabriela disse que não foi por sofrer “pressão”, nem por se sentir “abandonada pela Justiça” que ela desistiu de abortar, mas por fé em Deus e em Nossa Senhora. Disse que é totalmente contra o aborto e que não concorda que a mulher tenha o direito de decidir sobre abortar ou não um bebê mal formado. Disse que sentiu prazer ao olhar para a filhinha recém-nascida.

O que mais me impressionou em todo o telefonema foi a insistência com que ela falou de DEUS como a verdadeira causa de sua desistência de abortar.

Mais perseguição à vista…

Ao que parece, a revista Época prepara uma nova ofensiva contra a Igreja Católica. São palavras do diretor de redação Aluizio Falcão Filho, escrita no artigo “A segunda guerra dos embriões”, p. 18, de 22/03/2004:

“Nos próximos dias, na Itália, uma nova faísca promete reacender a polêmica. O Vaticano deverá canonizar Gianna Beretta Molla, morta em 28 de abril de 1962”.

A canonização da médica italiana que heroicamente deu a vida pela filha parece que servirá de ocasião para novos ataques à Igreja. Preparemo-nos para sofrer novas injúrias pelo nome de Jesus…

Anápolis, 1º de maio de 2004.

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

Presidente do Pró-Vida de Anápolis



[1] HABEAS CORPUS N.º 32.159 – RJ (2003/0219840-5)

Data do julgamento: 17/02/2004. Publicado no Diário de Justiça em 22/03/2004.

EMENTA

HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE ANENCEFALIA. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO. DECISÃO LIMINAR DA RELATORA RATIFICADA PELO COLEGIADO DEFERINDO O PEDIDO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRIT PARA A DEFESA DO NASCITURO.

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