(ao tomar posse do Ministério da Saúde, ele suspendeu a Portaria do Aborto, editada no apagar das luzes por seu antecessor Humberto Costa)
Um ato administrativo que oficializou o aborto no Brasil
Desde que foi avisado pela ministra-chefe do Gabinete, Dilma Rousseff, de que seria substituído, o então Ministro Humberto Costa assinou “a toque de caixa” 155 portarias. Na pressa, algumas foram publicadas com erro e tiveram de ser retificadas. Só no Diário Oficial da União do dia 6, há 73 portarias[1]
Uma dessas portarias foi a de número 1145, de 7 de julho de 2005, que “Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei [sic], no âmbito do Sistema Único de Saúde”[2]. Essa portaria — ilegal e inconstitucional — oficializou a prática do aborto no país.
Alguém poderia perguntar: mas a prática do aborto pelo SUS já não havia sido oficializada com as Normas Técnicas[3] editadas pelo Ministério da Saúde?
Sem dúvida as Normas Técnicas introduziram no SUS a prática do aborto com dinheiro público, mas ainda faltava o caráter de oficialidade. Ninguém sabia dizer, por exemplo, ao certo, em que data tais Normas “entraram em vigor”. Seu texto, mantido muitas vezes oculto, nunca havia sido publicado no Diário Oficial da União. Ao que parece, tais Normas eram apenas livrinhos ou manuais de (des)orientação para a prática do aborto.
A portaria 1145, do então Ministro Humberto Costa, era bem diferente. Composta de um preâmbulo e oito artigos, ela foi publicada integralmente pela Imprensa Nacional. O artigo 8º dizia: “Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação”, ou seja, no dia 8 de julho de 2005.
O ato do Ministro Humberto Costa, praticado no apagar das luzes de sua administração, não deve ser menosprezado. Não é um simples discurso, uma opinião pessoal ou uma exortação. É um ato administrativo, revestido de toda a solenidade, que oficializou a prática do crime do aborto com a conivência do Estado, e com o agravante de não exigir sequer um boletim de ocorrência para “provar” que a gravidez resultou de um estupro.
Saraiva Felipe suspende a portaria do aborto
O primeiro ato de Saraiva Felipe ao assumir o Ministério foi suspender as portarias publicadas de
No dia 14 de julho de 2005, o portal do Ministério da Saúde anunciava:
O ministro da Saúde, José Saraiva Felipe, determinou a suspensão, por até 30 dias, de 58 portarias publicadas antes de sua posse no cargo, no período de
O conteúdo suspenso é técnico e não provoca descontinuidade nos programas do Sistema Único de Saúde (SUS). Portarias relacionadas aos recursos para compra de medicamentos básicos e também à realização de cirurgias eletivas, como catarata, retinopatia diabética, próstata e varizes, permanecem
Note-se bem: a suspensão é provisória. Depois de transcorridos os trinta dias, o novo Ministro pode retroceder. E as feministas estão planejando pressioná-lo:
Feministas de todo o Brasil vão fazer uma visita ao novo Ministro da Saúde, Saraiva Felipe, na semana que vem. O encontro não será de boas-vindas. Ao suspender 58 portarias baixadas pelo seu antecessor, Humberto Costa, Felipe despertou reação negativa dos movimentos que defendem os direitos da mulher [sic]. No meio das decisões suspensas, foi junto o direito das vítimas de estupro de fazerem aborto sem apresentação de boletim de ocorrência policial[5].
Resposta a algumas objeções:
a) A Portaria 1145 apenas regulamentou o direito ao aborto previsto no artigo 128 do Código Penal.
O Código Penal não é um código de direitos, mas de crimes. Todas as condutas lá elencadas são crimes, a menos que se diga explicitamente o contrário. Ora, o artigo 128 descreve duas condutas criminosas: I – praticar aborto como “meio” (?) para salvar a vida da gestante; e II – praticar aborto quando a gravidez resulta de um estupro. Lá não está escrito que, em tais casos, o aborto é permitido. A lei simplesmente diz “não se pune”. A não aplicação da pena a um delito é chamada de escusa absolutória. O crime subsiste, mas a pena não se aplica, por razões de política criminal. De maneira análoga, não se pune o filho que furta do pai (art. 181, CP) ou a mãe que esconde o filho da policia (art. 348, § 2º, CP). Não há o direito de furtar do pai, nem de esconder o filho criminoso da polícia. Mas se o crime já foi consumado, não se aplica a pena. Quando a gravidez resultou de um estupro (art. 128, II, CP), o Estado pode, quando muito, não punir o crime do aborto já praticado, mas nunca dar permissão prévia para praticá-lo. A portaria 1145 é descabida, pois pretende regulamentar um direito que não existe: o direito ao aborto. Aliás, se alguma lei oferecesse tal “direito” seria inconstitucional, por violar o direito à vida, garantido pela Constituição Federal como cláusula pétrea (art. 5º, caput, CF).
b) O Código Penal não faz exigência alguma para a prática do aborto em caso de estupro. Por isso, não é necessária a apresentação de um boletim de ocorrência policial.
É óbvio que o Código Penal não faça qualquer exigência para a prática do aborto em caso de estupro, pois trata-se de um crime. Não é tarefa do Código Penal ensinar a praticar crimes. Por isso, ele não faz menção a boletim de ocorrência, nem a laudo do IML, nem a atestado médico, nem a alvará judicial. O dever do Estado, em tais circunstâncias, não é matar o inocente, mas oferecer à mãe violentada e à criança concebida todo o apoio médico e psicológico. Não faz sentido que a criança seja discriminada (e punida com a morte) em nome de um suposto benefício que a mãe experimentaria.
c) Não é justo exigir da mulher violentada que conte sua história em uma delegacia de polícia antes de praticar um aborto.
O que não é justo é que se aplique ao inocente a pena de morte, que não será aplicada sequer ao autor do estupro!
O que não é justo é oferecer a uma mulher emocionalmente abalada a opção de cometer uma loucura pela qual vai-se arrepender pelo resto da vida.
O que não justo é oferecer a qualquer gestante já decidida a abortar a ocasião para destruir sua prole com uma simples alegação de que foi estuprada.
Anápolis, 18 de julho de 2005.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis