A fraude da ADPF 54

(o aborto está para entrar no Brasil pelo mesmo meio como entrou nos Estados Unidos em 1973)

A versão que foi veiculada pela imprensa…

Em 19 de novembro de 2003, a jovem Gabriela Oliveira Cordeiro, 18 anos, residente em Teresópolis (RJ), obteve do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) a permissão para fazer algo que poria fim a um longo e penoso sofrimento: abortar sua filha anencéfala. Tudo já estava encaminhado quando um sacerdote católico – só um padre seria capaz de tamanha crueldade! – ingressou perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) com um Habeas Corpus em favor do nascituro (HC 32159). Em 26 de novembro, a Ministra Laurita Vaz cassava a decisão do TJRJ e proibia a prática do aborto, prolongando inutilmente a dor de Gabriela. Em 17 de fevereiro de 2004, a Quinta Turma do STJ confirmava a decisão cruel da Ministra de impedir o aborto.

Foi aí que entraram em ação as heroínas da estória: as feministas, que em 26 de fevereiro de 2004 ingressaram perante o Supremo Tribunal Federal (STF) com um Habeas Corpus (HC 84025) em favor da gestante torturada. Lamentavelmente, quando o plenário do STF estava para julgar a matéria, em 4 de março de 2004, os Ministros receberam a notícia de que a criança (batizada com o nome de Maria Vida) já havia nascido em 28 de fevereiro de 2004, e que havia sobrevivido sete minutos após o nascimento.

Tudo isso foi relatado pela revista Época (da Editora Globo) na edição n.º 304, de 15 de março de 2004, na matéria “A guerra dos embriões“, com o subtítulo “Mulheres pobres são impedidas de interromper gestações inviáveis por cruzada religiosa“.

Para impedir que outros fanáticos religiosos venham a torturar mais mulheres, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS) ingressou perante o Supremo Tribunal Federal (STF) em 17 de junho de 2004, com uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 54). O advogado Luís Roberto Barroso, patrono da causa, argumenta que, ao se proibir o aborto de bebês anencéfalos, está-se violando a dignidade humana das gestantes. Seu pedido é de que o STF interprete os dispositivos do Código Penal relativos ao aborto, de tal modo que considere atípica a expulsão de anencéfalos do útero materno. Essa interpretação, se for aceita, terá eficácia contra todos e efeito vinculante. A partir de então, nenhum juiz ou tribunal poderá considerar aborto a antecipação da morte de um nascituro anencéfalo. Gestantes como Gabriela estarão a salvo da maldade de certos membros do clero.

Até aqui, a versão que vem sido contada. Agora, vamos aos fatos.


O que realmente aconteceu

A jovem Gabriela, como qualquer gestante em tentação de praticar aborto, sofreu muito (e sofreria muito mais se houvesse de fato abortado.). De um lado, a informação (falsa) de que sua filha era um ser “não-humano” ou “não-vivo”, que era preciso eliminar o quanto antes. De outro lado, a voz da consciência, que lhe ordenava amar sua filha até o último momento, independentemente de sua deficiência física. Tal conflito interior fez com que o casal Gabriela e Petrônio, num primeiro momento, não recebesse com agrado a visita de membros do Movimento em Defesa da Vida da Arquidiocese do Rio de Janeiro.

A decisão do Superior Tribunal de Justiça, proibindo o abortamento, foi providencial. Deu a Gabriela tempo para pensar. Em 5 de janeiro de 2004 ela entregava nas mãos dos militantes pró-vida o seguinte manuscrito:

Desisti de antecipar a morte de meu bebê por dois motivos. O primeiro foi a luta para tirar, que estava fazendo eu sofrer demais. O segundo e o mais importante foi Deus…
… Eu estava deprimida e sofrendo demais com tudo e com todos, então eu me entreguei a Deus para me dar todas as forças que eu precisava. Procurei uma fé verdadeira. Até hoje sofro muito, mas sei que estou fazendo a coisa certa, porque estou com Nossa Senhora do meu lado, me dando muita coragem. Eu e meu marido percebemos que temos que lutar pela vida, pois a morte tem que chegar na vontade divina. E o nosso sofrimento é curado pela fé.
Permito que esta declaração seja usada em favor da preservação da vida de qualquer bebê no ventre materno.
Gabriela O. Cordeiro
Teresópolis, 05 de janeiro de 2004.

Gabriela já havia desistido do aborto, mas as feministas não. Quando, no dia 26/02/2004, elas impetraram o Habeas Corpus 84025 junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de cassar a decisão do STJ, defenderam uma pretensão que era delas (o aborto), mas não de Gabriela, e muito menos da criança, o que é um absurdo.

No dia 28/02/2004, Gabriela deu à luz. Pe. Rogério Carvalho de Oliveira (1), da Paróquia São Pedro (Teresópolis) estava presente na hora do parto e pôde batizar a menina, que recebeu o nome de Maria Vida. Ela morreu como filha de Deus sete minutos após o nascimento. Foi registrada em cartório e sepultada como gente. Não foi tratada como uma mercadoria defeituosa, que se joga no lixo. Segundo Pe. Rogério, o nascimento da criança serviu para “unir a família”.

Atualmente está correndo na comarca de Anápolis (GO), no 2º Juizado Especial Cível, o processo 7810/04, em que se requer que a Editora Globo publique na revista Época uma resposta do Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz à matéria veiculada. Um documento totalmente insuspeito, juntado pela própria Editora Globo nos autos desse processo (fl. 129), foi a transcrição da entrevista com o casal Gabriela e Petrônio, em que este último disse à jornalista:

“Na hora a gente quer eliminar o problema, não vê que uma vida tava ali.
A gente tava sendo egoísta,
não tava pensando que tinha um propósito pra nós,
que era uma filha nossa que tava ali.
Na hora, eu disse que não tinham direito de estar na minha casa. Depois até pedi desculpas.
Fizeram retiros. A gente ficou aliviado porque tinha Deus do nosso lado”

Note-se como foi frutuosa a visita da equipe pró-vida do Rio de Janeiro a Gabriela e Petrônio. Hoje Gabriela é uma ardente defensora da vida intra-uterina. Chegou a pedir e insistir que uma amiga sua, grávida de gêmeos anencéfalos, desistisse do aborto. Quem afirma isso é a promotora Soraya Taveira Gaya, de Teresópolis, que tanto havia lutado pelo direito de Gabriela fazer a o aborto. Em juízo, Dra. Soraya, arrolada como testemunha pela Editora Globo, alegou em 22/10/2004:

[…] que uma outra moça de nome Elisandra procurou a depoente, também com problema de anencefalia de gêmeos e o médico ligou para a depoente perguntando se poderia fazer a interrupção e a depoente respondeu em ofício que sim, fazendo referência à decisão do STF; que Elisandra relatou que Gabriela a procurava, insistindo que ela não fizesse o procedimento, dizendo que compraria roupas para a criança e escolheria o caixão; que Elisandra perguntou à depoente se poderia não receber Gabriela em sua casa; que a depoente teve conhecimento de que Gabriela faz parte do movimento Pró-Vida; que atualmente existe uma liminar(2) em uma ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) que autoriza que todos façam a interrupção, conforme decisão do STF; que, melhor esclarecendo, a depoente apenas deduz que Gabriela faça parte do movimento Pró-Vida pelas suas atitudes, mas não tem certeza (3).

O testemunho de Dra. Soraya confirma o que havia sido noticiado pelo Correio Braziliense:

Segundo a promotora [Soraya Gaya], uma das pessoas que ligaram para a gestante [de gêmeos anencéfalos] pedindo para que ela mantivesse a gravidez foi uma jovem de 19 anos [Gabriela Oliveira Cordeiro], também de Teresópolis, cujo caso foi citado por Marco Aurélio de Mello em seu despacho. No fim do ano passado, a jovem pediu autorização judicial para interromper sua gravidez, não a obteve a tempo, e sua filha nasceu para morrer sete minutos depois (TRÊS FETOS ABORTADOS APÓS LIMINAR. Correio Braziliense. Brasília: 14 jul. 2004, p. 14.).


Em suma:

Apesar de dar graças a Deus por não ter praticado aborto, e de atualmente tentar dissuadir as gestantes de fazê-lo, a jovem Gabriela está sendo usada como garota-propaganda do aborto de anencéfalos. Ao caso dela sempre se referem os defensores da ADPF 54, cujo mérito está para ser apreciado pela Suprema Corte.

Nos Estados Unidos, em 1973, no caso Roe versus Wade, também o aborto foi declarado legal graças a uma fraude. Uma jovem do Texas chamada Norma Mc Corvey (apelidada Jane Roe) alegou estar grávida em razão de um estupro e pediu à Suprema Corte licença para abortar. Por sete votos contra dois, o Tribunal decidiu que era inconstitucional, não só a lei do Texas que proibia o aborto, mas qualquer lei de qualquer dos 50 estados-membros dos EUA que proibisse o aborto até seis meses de gestação. Tal decisão permanece em vigor até hoje.

Vinte e dois anos depois, em 1995, a protagonista do caso, Norma Mc Corvey, contava toda a verdade à revista Newsweek: Ela não tinha, de fato, sido estuprada. Inventou a estória para ganhar simpatia e aumentar as chances de obter um aborto.” (4). Hoje, extremamente arrependida, ela milita no movimento pró-vida norte americano.

É possível que, também no Brasil, o aborto seja imposto por uma decisão judicial a partir de uma fraude: o suposto alívio que Gabriela teria tido caso houvesse abortado e o suposto trauma que até hoje ela estaria carregando por não ter podido abortar. Cabe a nós desmascarar essa fraude antes que seja tarde…

Anápolis, 11 de julho de 2005.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz


(1) Não confundir com o outro sacerdote, Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz, de Anápolis (GO), que havia impetrado o Habeas Corpus em favor da criança.
(2) Na época estava em vigor uma liminar do Ministro Marco Aurélio, que depois foi cassada pelo plenário do STF em 20/10/2004.
(3) Autos do processo 7810/04, fl. 372. Os grifos são nossos.
(4) WALDMAN, Steven, CARROL, Ginny. Roe v. Roe. Newsweek, Nova York , p. 24, 21 Aug. 1995.

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