A ÍNTEGRA DA DECISÃO DO MINISTRO DE CONVOCAR A AUDIÊNCIA PÚBLICA

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54-8 DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

ARGUENTE(S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA SAÚDE –

CNTS

ADVOGADO(A/S) : LUÍS ROBERTO BARROSO E OUTRO(A/S)

DECISÃO

AUDIÊNCIA PÚBLICA – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – ANENCEFALIA.

1. Em 17 de junho do corrente ano, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS formalizou argüição de descumprimento de preceito fundamental, indicando como vulnerados os artigos 1º, inciso IV (dignidade da pessoa humana), 5º, inciso II (princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade), 6º, cabeça, e 196 (direito à saúde), todos da Constituição Federal, e, como a causar lesão a esses princípios, o conjunto normativo representado pelos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal – Decreto-Lei nº 2.848/40. Presente a antecipação terapêutica do parto no caso de feto anencéfalo e a possível glosa penal, requereu pronunciamento a conferir interpretação conforme a Carta da República das normas do Código Penal, afastando-as no caso de se constatar a existência de feto anencéfalo, de modo a viabilizar, com isso, a atuação médica interruptiva da gravidez. Ressaltou a ausência de instrumental próprio para lograr tal finalidade, citando o ocorrido com a apreciação do Habeas Corpus nº 84.025-6/RJ, relatado pelo ministro Joaquim Barbosa, quando o Plenário, ante o termo da gestação e a morte do feto anencéfalo, declarou o prejuízo da medida. Pleiteou a concessão de medida acauteladora, tendo em conta a dinâmica da vida. A inicial fez-se acompanhada dos documentos de folha 26 a 148.

Em 21 de junho de 2004, consignei, à folha 151, a confecção de relatório e voto em fita magnética, declarando-me habilitado a submeter o pedido acautelador ao Plenário.

Em peça protocolizada em 23 de junho de 2004, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, reportando-se ao § 1º do artigo 6º da Lei nº 9.882/99, solicitou fosse admitida no processo como amicus curiae, o que foi indeferido por meio da decisão de folha 156.

O encerramento do semestre judiciário sem o referido exame pelo Colegiado levou-me ao exercício monocrático do crivo, vindo a implementar a tutela de urgência, remetendo-a à análise do Plenário (folha 158 a 164).

De acordo com a certidão de julgamento de folha 167, em 2 de agosto de 2004, ou seja, na abertura do segundo semestre judiciário do ano em curso, o Plenário deliberou, sem voto discrepante, em apreciar o tema em definitivo, abrindo-se vista do processo ao Procurador-Geral da República.

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ainda durante as férias coletivas de julho, requereu a reconsideração do ato mediante o qual não foi admitida como amicus curiae, havendo despachado o Presidente no sentido de se submeter tal requerimento ao relator (folha 169). Com a decisão de folhas 171 e 172, foi mantido o indeferimento. A CNBB solicitou a juntada de cópia do respectivo estatuto civil (folha 174).

Católicas pelo Direito de Decidir pleiteou também a integração ao processo (folha 177 a 182). Seguiu-se a decisão de folha 202, a resultar no indeferimento do pedido. Teve idêntico desfecho pretensão semelhante externada pela Associação Nacional Pró-vida e Pró-família (folha 204) e pela Associação do Desenvolvimento da Família (folha 231).

O parecer do Procurador-Geral da República, de folha 207 a 218, está assim sintetizado:

1. O pleito, como apresentado, não autoriza o recurso à interpretação conforme a Constituição: considerações.

2. Anencefalia. Primazia jurídica do direito à vida: considerações.

3. Indeferimento do pleito.

Em peça datada de 27 deste mês, o Procurador-Geral da República requereu a submissão do processo ao Plenário, em questão de ordem, para definir-se, preliminarmente, a adequação da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

2. A matéria em análise deságua em questionamentos múltiplos. A repercussão do que decidido sob o ângulo precário e efêmero da medida liminar redundou na emissão de entendimentos diversos, atuando a própria sociedade. Daí a conveniência de acionar-se o disposto no artigo 6º, § 1º, da Lei nº 9.882, de 3 de dezembro de 1999:

Art. 6o (…)

§ 1o Se entender necessário, poderá o relator ouvir as partes nos processos que ensejaram a argüição, requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou ainda, fixar data para declarações, em audiência pública, de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

Então, tenho como oportuno ouvir, em audiência pública, não só as entidades que requereram a admissão no processo como amicus curiae, a saber: Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Católicas pelo Direito de Decidir, Associação Nacional Pró-vida e Pró-família e Associação de Desenvolvimento da Família, como também as seguintes entidades: Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, Sociedade Brasileira de Genética Clínica, Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, Conselho Federal de Medicina, Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sociais e Direitos Representativos, Escola de Gente, Igreja Universal, Instituto de Biotécnica, Direitos Humanos e Gênero bem como o hoje deputado federal José Aristodemo Pinotti, este último em razão da especialização em pediatria, ginecologia, cirurgia e obstetrícia e na qualidade de ex-Reitor da Unicamp, onde fundou e presidiu o Centro de Pesquisas Materno-Infantis de Campinas – CEMICAMP.

Cumpre, antes dessa providência, elucidar a pertinência da medida intentada, em face da provocação do Procurador-Geral da República. O princípio da economia e celeridade processuais direciona ao máximo de eficácia da lei com o mínimo de atuação judicante.

3. Ao Plenário, para designação de data, visando à apreciação da questão de ordem relativa à admissibilidade da argüição de descumprimento de preceito fundamental.

4. Publique-se.

Brasília, 28 de setembro de 2004.

Ministro MARCO AURÉLIO

Relator

 

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