Está para ser lançada no Brasil no fim deste ano a versão portuguesa do livro do advogado argentino Jorge Scala “El género como herramienta de poder” sobre a perigosa e destrutiva “ideologia de gênero”.
Em nossa língua poucos são os que compreendem a origem, o significado e o perigo de tal ideologia. Não tivemos ainda, por parte do episcopado brasileiro, um documento semelhante ao produzido pela Conferência Episcopal Peruana “La ideología de género: sus peligros y alcances” (1998)[1]. Ao contrário, não são poucas as vezes em que membros da hierarquia católica em nosso país fazem uso – inadvertidamente, é claro – de termos emprestados àquela ideologia. Falar de desigualdade de gênero, opor-se à homofobia, não aceitar discriminações contra os homossexuais, dividir as pessoas em homossexuais e heterossexuais, tudo isso se encontra em escritos de zelosos pastores de almas, inocentes úteis nas mãos de uma doutrina tão perniciosa.
O autor, em sua monumental obra “IPPF: a multinacional da morte”, que tive a honra de traduzir para o português[2], já fazia questão de advertir os leitores contra o emprego de termos cunhados pela cultura da morte. Entre eles estava a expressão “planejamento familiar”[3], sistematicamente evitada pelo Santo Padre e pela Cúria Romana, mas amplamente usada por sacerdotes, bispos e até por Conferências Episcopais. Em vez de “planejamento familiar” (que inclui aborto, esterilização e anticoncepção), os católicos devem falar em paternidade responsável, um termo caro ao Magistério da Igreja, que significa não só o espaçamento dos filhos (por razões graves e com respeito à lei moral), mas também a abertura à bênção de uma família numerosa[4].
Em seu livro sobre “gênero” a ser lançado no Brasil, Jorge Scala alerta mais uma vez que o jogo de palavras dessa ideologia não é inocente. Segundo a “ideologia de gênero”, não existe um homem natural nem uma mulher natural. O ser humano nasce sexualmente neutro. A sociedade é que constrói os papéis masculinos ou femininos. “Gêneros” são papéis socialmente construídos. Como não existe uma masculinidade e feminilidade naturais, cada um pode “desconstruir” o papel que lhe foi imposto por convenção social. Surge assim a liberdade de “casar-se” com uma pessoa do mesmo sexo e a exigência de o Estado reconhecer essa forma de “família”. Se não existe uma vocação da mulher à maternidade, pode-se falar no direito a “interromper a gravidez”, colocado entre os “direitos sexuais e reprodutivos”. Homossexualismo, transexualismo, travestismo, adoção de crianças por duplas homossexuais, prostituição, pedofilia e aborto são algumas das tristes consequências dessa ideologia.
Além da palavra “gênero”, Jorge Scala faz uma lista de locuções habilmente usadas para manipular a linguagem: opção sexual, igualdade sexual, direitos sexuais e reprodutivos, saúde sexual e reprodutiva, igualdade e desigualdade de gênero, “empoderamento” da mulher, “patriarcado”, “sexismo”, cidadania, “direito ao aborto”, gravidez não desejada, “tipos” de família, “androcentrismo”, “casamento homossexual”, sexualidade polifórmica, “parentalidade”, “heterossexualidade obrigatória” e “homofobia”. “Como se pode ver – prossegue o autor – trata-se de uma nova linguagem, de características esotéricas, cuja função é assegurar a confusão”. É digno de nota como ele adverte-nos sobre o perigo de usar a palavra “heterossexual”:
Devo confessar ao leitor que não sou “heterossexual”. Na realidade os “heterossexuais” não existem. Explico-me: sou apenas homem, sem nenhum acréscimo porque qualquer um deles é desnecessário. Todos nós, seres humanos, podemos ser apenas homens ou mulheres, em relação à sexualidade. Não existe nenhum “terceiro sexo”. É verdade que existem pessoas com anomalias sexuais de diversos tipos. Isto é verdade. Entre tais anomalias, existem algumas de origem biológica, como o hermafroditismo; e outras de origem psíquica, como a homossexualidade, o lesbianismo, o travestismo etc.. Portanto, quem utiliza o termo “heterossexual” para contrapô-lo a “homossexual”, está afirmando, implicitamente, que ambas as categorias são igualmente válidas e opcionais; por isso, alguns escolheriam ser “heterossexuais” e outros “homossexuais”. A realidade é o contrário: a normalidade física e psíquica em matéria de sexualidade tem apenas duas versões: mulher e homem. Então, a “heterossexualidade” não existe. Do mesmo modo que ninguém pensa em chamar uma pessoa de “não leproso” ou “não diabético”, por contraposição a um “leproso” ou a um “diabético”. É tão absurdo quanto incorreto falar de “heterossexuais”. Esse vocábulo não é inocente, ainda quando a maioria das pessoas utiliza o termo sem perceber que está sendo manipulada semanticamente.
É preocupante ver como no Brasil os cristãos têm-se deixado cair nas armadilhas da linguagem de “gênero”. Diz-se, sem mais, que a Igreja é contrária à “discriminação” aos homossexuais. Ora, isso não é exato. O Catecismo da Igreja Católica teve o cuidado de distinguir: “evitar-se-á para com eles todo sinal de discriminação injusta” (n.º 2358). O texto supõe, portanto, que a Igreja admite discriminações justas para com os homossexuais. E de fato admite. Uma delas é a proibição de receberem a Sagrada Comunhão, enquanto não abandonarem seu pecado (o que vale também para qualquer outro pecado grave). Outra é a impossibilidade de serem admitidos em seminários e casas religiosas.
De modo semelhante, um cristão não deve dizer que se opõe à “homofobia”, pois este vocábulo pejorativo foi criado para designar as discriminações justas[5].
Diferenças naturais entre os sexos
Para combater a ideologia de gênero, Jorge Scala mostra as diferenças naturais que existem entre o homem e a mulher, que são “dois modos diferentes de encarnar a humanidade”.
A mulher tem uma capacidade inata de dar atenção, o que a torna mais predisposta a dar aulas a crianças pequenas. Esse dom inato permite que várias mulheres falem simultaneamente, prestem atenção e respondam a cada uma das interlocutoras. Um homem submetido a essa “pressão” em pouco tempo começa com enxaqueca.
O homem tem maior capacidade de concentração, o que torna para ele muitas vezes mais fácil a demonstração de um difícil teorema matemático.
Com relação à percepção visual, a mulher capta os detalhes; o homem tem uma visão de conjunto. A visão estratégica, a capacidade de síntese, o amor a toda a humanidade – desconsiderando em parte o próximo -, a paixão pela coisa pública são atitudes varonis. Ao contrário, a percepção sensível e amorosa de um dos detalhes, o interesse autêntico pelo próximo e o tornar acolhedores os espaços físicos que ocupa são modos femininos de se relacionar com o ambiente.
Diante de um fato externo – qualquer que seja ele – a mulher reage de forma integrada, isto é, capta-o simultaneamente com sua inteligência, sua vontade e seus afetos. O homem reage primeiramente de forma racional, colocando os sentimentos e a vontade como que entre parênteses. Isso lhe possibilita analisar com frieza fatos comoventes, sem que signifique insensibilidade.
O que é ser homem e o que é ser mulher?
Identificar o ser mulher com a maternidade é algo execrado pelas feministas de gênero. Em 31/01/2000, o Comitê sobre e Eliminação da Discriminação contra a Mulher criticou a Bielo-Rússia (ou Belarus) por ter reintroduzido símbolos como o “Dia das Mães” e o “Prêmio das Mães”, o que foi visto como “um encorajamento aos papéis tradicionais das mulheres”. O mesmo Comitê propôs a “introdução da educação de direitos humanos e de gênero” como remédio para essa “estereotipação”[6]. No entanto, Jorge Scala afirma que o que define cada um dos sexos é justamente sua vocação procriadora:
Em definitivo, ser mulher é a maternidade e ser homem é a paternidade. Ora, isto deve ser entendido em um sentido antropológico. É, portanto, independente do fato de terem sido mãe ou pai biológicos.
E o que é a maternidade ou – o que dá no mesmo – o que é a mulher? A maternidade é a qualidade inata pela qual as mulheres sempre acolhem outros seres humanos – especialmente os entes queridos. E isto implica duas coisas: 1º) que elas estão sempre presentes – transcendendo até a distância física da separação; e 2º) que essa presença significa incondicionalidade absoluta em relação ao outro – em especial ao filho.
[…]
E o que é a paternidade ou – o que é equivalente – o que é o homem? A paternidade é a missão masculina que consiste em encarnar a autoridade. Para isso deve dar – sempre e sem exceções – o bom exemplo, fazendo o que deve ser feito em cada situação, ainda que isso signifique, muitas vezes, sofrer um prejuízo ou padecer uma injustiça.
Essa lição é particularmente oportuna neste momento em que o Supremo Tribunal Federal, seguindo a ideologia de gênero, reconheceu como “família” as uniões de pessoas do mesmo sexo, totalmente fechadas à procriação e à complementação homem-mulher.
Anápolis, 15 de julho de 2011.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz.