(prática de torpezas entre os cônjuges)
“Procurai discernir o que é agradável ao Senhor e não sejais participantes das obras infrutuosas das trevas, antes denunciai-as, pois o que eles fazem em oculto até o dizê-lo é vergonhoso” (Ef 5,10-12).
Ainda tinha três anos de ordenado padre, quando fui surpreendido com um ensinamento de um sacerdote, com muitos anos de ministério, acerca da moral conjugal. Suas palavras, que foram ditas em uma reunião de padres, causaram-me perplexidade. Fui então levar o caso ao meu antigo professor Dom Estêvão Bittencourt, que, na época, redigia a revista “Pergunte e Responderemos”. Eis a carta que lhe mandei:
Goianápolis, 09/03/95
Prezado Dom Estêvão
“O sexo oral ou anal, embora desaconselhado, pode ser tolerado como forma de estímulo, desde que o ato termine na vagina”
“É lícito à mulher masturbar-se após o ato sexual a fim de obter satisfação”.
Estas sentenças são:
a. ( ) disparatadas?
b. ( ) discutidas entre os moralistas?
c. ( ) comuns?
d. ( ) certas?
e. ( ) doutrina da Igreja?
Anseio pelo juízo do senhor, uma vez que isto foi ensinado publicamente por um sacerdote bem conceituado.
Desde já agradeço e peço sua bênção.
O aluno,
Pe. Luiz Carlos
Em vez de responder-me em uma folha à parte, Dom Estêvão devolveu-me a carta com um X assinalado em vermelho na opção a: “disparatadas”. E acrescentou: “pois preconizam atos antinaturais. A lei natural é a lei de Deus”.
No fim da página, ele escreveu:
Meu caro Pe. Luiz Carlos
A resposta é óbvia. Não se pode pensar em outra senão aquela assinalada por um X.
Continue firme e corajoso.
O seu Pe. Estêvão.
O sacerdote autor das sentenças acima discordou. Segundo ele, Dom Estêvão deveria ter assinalado a opção b: “discutidas entre os moralistas”. Infelizmente pude perceber que de fato há moralistas que defendem disparates. Depois de dizerem o que é lícito e o que é ilícito, entram em um estudo de casos (casuística) tão detalhado, que acaba por destruir o que fora dito no início. Embora seja vergonhoso, apresento uma amostra do que dizem alguns manuais de Moral, alguns deles escritos em latim:
- A masturbação é um grave pecado. No entanto, – dizem tais autores – se a mulher não obteve a plena satisfação após o ato conjugal, seria lícito a ela masturbar-se logo em seguida. Tal masturbação seria apenas um “complemento” do ato conjugal.
- A sodomia ou cópula anal é um grave pecado. No entanto, – dizem tais autores – se a penetração no ânus da esposa for feita com o cuidado de não derramar sêmen (!) e com a intenção de preparar-se para a penetração vaginal, tal ato seria “apenas” um pecado venial ou, ao menos, não se pode dizer com certeza que seria um pecado mortal.
- Derramar sêmen na boca da esposa é um grave pecado. No entanto, – dizem tais autores – evitando-se o derramamento de sêmen, seria lícito a um cônjuge beijar as partes genitais do outro como meio de “preparar” o ato conjugal natural.
Prazer: direito ou dom?
Ensina-nos o Catecismo que
o filho não é algo devido, mas um dom. O ‘dom mais precioso do matrimônio’ é uma pessoa humana. O filho não pode ser considerado como objeto de propriedade, a que conduziria um pretenso ‘direito ao filho’ (Catecismo, n. 2378).
O matrimônio dá aos cônjuges o direito de praticarem o ato pelo qual se tornam “uma só carne” (Gn 2,24) e que é naturalmente ordenado à procriação. No entanto, o filho não é um direito a ser exigido, mas um dom a ser pedido a Deus, esperado e recebido com gratidão. Se, porém, o casal padece de esterilidade, não lhe é lícito “fabricar” um filho a todo custo, fazendo uso, por exemplo, da fecundação “in vitro” ou da inseminação artificial.
De modo análogo, parece que todo o erro das sentenças acima sobre o ato conjugal está em considerar o prazer não apenas um dom, mas um “direito” (ius ad delectationem) a ser exigido a todo custo, mesmo através dos meios mais torpes. Esse “direito” é que autorizaria a mulher a praticar a masturbação, que nesse caso deixaria de ser masturbação para formar “um todo” com o ato conjugal já realizado. Esse “direito” é que justificaria o beijo nas partes genitais – que são também partes de excreção urinária! – se for esse o único meio de obter satisfação sexual. Esse “direito” é que autorizaria – ou, ao menos, faria ser um “mero” pecado venial – a cópula anal com a intenção de terminar com uma cópula vaginal.
Ora, o ato conjugal, a que os cônjuges têm direito, é normalmente associado a um prazer, que é dádiva de Deus. Se, porém, o prazer não vem – ou não vem na máxima intensidade – será lícito buscar desesperadamente que ele venha? Um ato conjugal sem a plenitude do prazer será porventura um ato sem a plenitude do amor? Claro que não.
O Papa Pio XII, em seu habitual equilíbrio e clareza, ensina:
O próprio Criador, que na sua bondade e sabedoria, e para a conservação e propagação do gênero humano, quis servir-se do concurso do homem e da mulher, unindo-os em matrimônio, estabeleceu também que nessa função os esposos experimentassem um prazer e uma satisfação do corpo e espírito. Portanto, nada de mal fazem os esposos procurando esse prazer e fruindo dele. Aceitam o que o Criador lhes destinouA passagem acima, que é transcrita pelo Catecismo da Igreja Católica (n. 2362) costuma hoje ser usada por aqueles que superexaltam o prazer. Porém, no mesmo número, o Catecismo cita também a frase seguinte: “Contudo, os esposos devem saber manter-se nos limites de uma moderação justa”. Vale a pena transcrever todo o parágrafo em que Pio XII trata dessa “moderação”:
Sem embargo, ainda aí devem os esposos saber manter-se nos limites de uma justa moderação. Tal como no gozo da comida e da bebida, assim também no prazer sexual não devem eles abandonar-se sem freio ao impulso dos sentidos. A justa regra é a seguinte: o uso da função procriadora natural só é moralmente permitido no casamento a serviço e segundo a ordem dos fins do próprio casamento. Daí, ainda resulta que, só no casamento e observando essa regra, é que o desejo e o gozo desse prazer e dessa satisfação são lícitos. Porquanto o gozo está sujeito à lei da ação de que ele deriva, e não vice-versa a ação à lei do gozo. E esta lei, tão razoável, visa não somente a substância, mas ainda as circunstâncias da ação, de modo que, mesmo salvaguardando o essencial do ato, pode-se pecar no modo de cumpri-loParece que o Santo Padre está dizendo: mesmo que a cópula ocorra com os órgãos naturais e que o sêmen seja depositado nas vias genitais da mulher (“o essencial do ato”), é possível pecar no modo de praticar o ato conjugal (vejam-se as aberrações acima descritas).
Em seguida, o Papa critica a busca desenfreada de prazer (“hedonismo”) dentro do matrimônio:
É demasiado frequente que não se sinta vergonha de erigir em doutrina esse hedonismo anticristão, inculcando o desejo de tornar sempre mais intenso o gozo na preparação e na realização da união conjugal; como se, nas relações conjugais, toda a lei moral se reduzisse ao cumprimento regular desse ato, e como se tudo o mais, de qualquer maneira que se faça, se achasse justificado pela efusão do amor mútuo, santificado pelo sacramento do Matrimônio, digno de louvor e de recompensa perante Deus e perante a consciência. Ninguém se preocupa com a dignidade do homem e com a dignidade do cristão, que põem um freio aos excessos da sensualidadeProssegue o Pontífice com um grito de protesto:
Não! A gravidade e a santidade da lei moral cristã não admitem satisfação desenfreada do instinto sexual, nem essa tendência exclusiva ao prazer e ao gozo. Ela não permite ao homem racional deixar-se dominar até esse ponto, nem pelo que diz respeito à substância, nem no que concerne às circunstâncias do atoO parágrafo seguinte dirige-se àqueles que afirmam que o prazer é que traz a felicidade no casamento:
Alguns quereriam sustentar que a felicidade no casamento está na razão direta do gozo recíproco nas relações conjugais. Não: pelo contrário, a felicidade no casamento está na razão direta do respeito mútuo entre os esposos, mesmo em suas relações íntimas; não porque eles julguem imoral e condenem aquilo que a natureza oferece e o Criador lhes deu, mas porque esse respeito e a estima mútua que ele gera são um dos elementos mais sólidos de um amor puro, e por isso mesmo, tanto mais ternoPor fim, uma exortação solene:
Bani da vossa mente esse culto do prazer, e fazei o melhor que puderdes para impedir a difusão de uma literatura que se julga obrigada a descrever em todas as suas minúcias as intimidades da vida conjugal, a pretexto de instruir, de dirigir e de tranquilizar. Para tranquilizar as consciências timoratas dos esposos, basta, em geral, bom senso, instinto natural e uma breve instrução sobre as máximas claras e simples da lei moral cristãEmbora o discurso pontifício seja de 1951, ele parece dirigido a uma literatura que pulula hoje incitando cada cônjuge, de maneira explícita, a extrair o máximo de prazer do outro na convivência conjugal.
Fim primário e fim secundário
Pio XII, em seu discurso, fundamenta-se nos fins do matrimônio e sua hierarquia. O fim primário é a geração e a educação dos filhos. O fim secundário é a ajuda mútua dos cônjuges e o remédio da concupiscênciaOra, a verdade é que o casamento, como instituição natural, em virtude da vontade do Criador tem por fim primeiro e central não o aperfeiçoamento pessoal dos esposos, mas sim a procriação e a educação da nova vida. Os outros fins, embora igualmente visados pela natureza, não se acham na mesma linha que o primeiro, e ainda menos lhe são superiores, mas, antes, lhe são essencialmente subordinadosFazei ver como a natureza vos deu, é verdade, o desejo instintivo do gozo e o aprova no matrimônio legítimo, mas não como fim em si, e sim afinal para o serviço da vidaApós o Concílio Vaticano II e a Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”Segundo a linguagem tradicional, o amor, como “força” superior, coordena as ações das pessoas, do marido e da mulher, no âmbito dos fins do matrimônio. Embora nem a Constituição conciliar [Gaudium et Spes] nem a Encíclica [Humanae Vitae], ao enfrentarem o assunto, usem a linguagem outrora habitual, elas tratam, todavia, daquilo a que se referem as expressões tradicionaisNesta renovada apresentação, o tradicional ensinamento sobre os fins do matrimônio (e sobre a sua hierarquia) é confirmado e, ao mesmo tempo, aprofundado sob o ponto de vista da vida interior dos cônjuges, ou seja, da espiritualidade conjugal e familiarPortanto, não é lícito referir-se à teologia do corpo de São João Paulo II para afirmar que não há mais subordinação do gozo dos esposos (fim secundário) à geração e educação da prole (fim primário).
Aliás, Christopher West, um teólogo leigo, célebre por seu estudo da “teologia do corpo”, tira conclusões que de maneira nenhuma estão implícitas nas catequeses de São João Paulo II sobre esse tema. Em seu livro “Boas novas sobre sexo e casamento”, ele afirma, por exemplo:
“Não há nada que destaque os órgãos genitais como sendo ‘não beijáveis’ como parte da preparação do marido e da mulher para a relação sexual”“Não há nada de intrinsecamente errado na penetração anal como preparação para a relação sexual normal”Além disso, ele admite que a cópula se faça por trás (a exemplo de como fazem os animais), desde que se usem os órgãos naturais de acasalamento. A posição, para ele, é irrelevante se o objetivo for “conhecer o mistério do seu cônjuge cada vez mais plenamente como pessoa”Adultério no coração com a própria esposa
Em uma das catequeses da “teologia do corpo”, São João Paulo II, referindo-se ao Sermão da Montanha e à proibição de “olhar para uma mulher desejando-a” (Mt 5,28), comenta:
Significativo é Cristo, falando do objeto de tal ato, não sublinhar que é ‘a mulher do próximo’, ou a mulher que não é a própria esposa, mas dizer genericamente: a mulher. […] O adultério no coração é cometido não só porque o homem ‘olha’ de tal modo a mulher que não é sua esposa, mas mesmo porque olha assim para uma mulher. Também se olhasse desse modo para a mulher que é sua esposa cometeria o mesmo adultério no coração.
[…]
O homem que olha de tal modo, como escreve Mateus em 5,27-28, serve-se da mulher, da sua feminilidade, para satisfazer o próprio instinto. […] Tal adultério no coração pode cometê-lo o homem mesmo a respeito da própria mulher, se a trata apenas como objeto de satisfação do instintoCacofagia e riparofilia
Chama-se cacofagia a compulsão por ingerir excrementos ou imundícies. Os tratados de Medicina Legal chamam riparofilia uma aberração ou perversão sexual que consiste na “forte atração erótica por pessoas sujas, desasseadas, com a obtenção de gratificação sexual apenas no que é sórdido, caçurrento, embostelado, imundo, e causa aos normais repugnância e nojo”Se alguém viesse apresentar a um sacerdote o problema de só sentir satisfação sexual após encostar a boca ou a língua nas partes do corpo do cônjuge associadas às fezes ou à urina, o bom senso faria o padre orientar o fiel a curar essa patologia que, além de anti-higiênica, ofende a sacralidade do corpo humano. Infelizmente, nem todos os moralistas demonstram bom senso. Lembro-me que Dom Manoel Pestana Filho dizia algo mais ou menos assim: “Quem estuda Teologia corre o risco de perder a fé; e quem estuda Moral, corre o risco de perder a vergonha”. No caso acima referido, há moralistas que, em vez de curar a doença espiritual do penitente, procuram um modo de “tranquilizar a consciência” dele, dizendo que tais atos são lícitos se formarem “um todo” com o ato conjugal e servirem de preparação para ele.
Seria algo semelhante a dizer que é lícito a alguém beber urina e comer fezes, desde que se faça por ocasião de uma refeição, a urina servindo como aperitivo e as fezes como sobremesa. Se este exemplo é repugnante, muito mais o são as “permissões” ou “tolerâncias” dadas por moralistas ao que se pode fazer antes e depois do ato conjugal, como preparação ou complemento deste.
Até que ponto eu posso ir?
Em seu livro “Clínica do coração”, Pe. Marcel-Marie Desmarais responde à pergunta de uma moça:
Os beijos lascivos, prolongados e apaixonados são pecados mortais?
Acontece-me permiti-los a meu noivo, e isso me preocupa.
A resposta foi:
SIM. Esses beijos constituem pecado mortal, quando há conhecimento suficiente e pleno consentimento da vontadeEm resposta a outra pergunta sobre o mesmo assunto, assim disse o autor:
Fico surpreso de ver como são frequentes perguntas como a sua. Pelo menos cerca de 50 cartas me propuseram o problema dos beijos. Isso demonstra a que ponto chegou a deformação de espírito da mocidade. Não perguntam como proceder: para conservar em todo esplendor sua mútua ternura, para amar cada vez mais a Deus, para conquistar o céu, etc. Desejam apenas saber até que ponto e extremo podem ir sem cometer pecado grave.
Isso me faz pensar em alguém que perguntasse a quantidade exata de veneno que possa tomar sem cair doente ou morrer… Ou então no filho que se informasse do número e da intensidade exata das pancadas que pode dar na mãe sem ser levado à cadeia…
Esses jovens (e nós, também, menos jovens…) deviam lembrar-se constantemente disto: o importante não é tanto evitar as doenças espirituais mais sérias, mas antes consolidar a saúde da nossa alma. Trata-se não de procurar saber até que ponto podemos ofender a Deus sem correr o risco de cair no inferno, mas antes de saber como agir para amar cada vez mais a DeusO que mais agrada a Deus?
De maneira semelhante, dentro do casamento, os cônjuges não deveriam perguntar – nem o sacerdote deveria preocupar-se em responder – o limite exato entre o permitido e o proibido nem, dentre as coisas proibidas, aquelas que são pecado mortal e aquelas que são “apenas” pecado venial (como se o pecado venial não fosse pecado). Como disse Pio XII, na instrução sobre a moral matrimonial, “basta, em geral, bom senso, instinto natural e uma breve instrução sobre as máximas claras e simples da lei moral crist㔓Porquanto, é esta a vontade de Deus: a vossa santificação, que vos aparteis da luxúria, que cada qual saiba tratar a própria esposa com santidade e respeito, sem se deixar levar pelas paixões, como os gentios, que não conhecem a Deus” (1Ts 4,3-5).
Nesta passagem, talvez São Paulo estivesse fazendo alusão ao que disse Tobias a Sara em sua noite de núpcias: “Somos filhos de santos e não nos devemos casar como os gentios que não conhecem a Deus” (Tb 8,5 Vulgata).
Conclusão
Pior que profanar o sagrado – dizia Dom Pestana – é sacralizar o profano. Glorificar o prazer (incluindo as aberrações antinaturais) como “celebração” do amor não favorece a harmonia do casal. Mesmo após a “permissão” de um confessor, a consciência do penitente continua a gritar. E é comum que ele recorra a um outro confessor para contar o mesmo fato. E mesmo que um dos dois se convença de que pode fazer tais coisas, como o ato conjugal nunca é feito sozinho, o outro muitas vezes protesta e pergunta ao seu confessor se é obrigado a suportá-las. O bom confessor deverá dizer que não está obrigado àquilo, mas apenas ao débito conjugal. E aí sim é que se instaurará a desarmonia no casal…
Anápolis, 7 de dezembro de 2020.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis.