Como destruir a sociedade?

 

(é preciso começar pela destruição da família)

A célula

Os biólogos costumam definir a célula como a unidade morfológica e fisiológica dos entes vivos. Ela é a menor porção de um ente vivo que ainda é capaz de realizar as atividades básicas de um vivente: nutrição, crescimento, reprodução. Se dividirmos uma célula, encontraremos um núcleo e um citoplasma com vários organoides, mas nenhum deles é capaz de exercer todas aquelas atividades vitais. Ao chegarmos à célula, chegamos ao limite. Ela é a unidade que compõe os tecidos, os quais compõem os órgãos, os quais compõem os aparelhos e sistemas, os quais compõem o organismo.

Analogamente, se dividirmos a sociedade, antes de chegarmos às pessoas, chegaremos à família. Uma pessoa já não é uma sociedade. A família ainda é sociedade. É a menor porção em que se pode dividir uma sociedade, de modo a conservar as propriedades sociais. Na família existe a autoridade, a obediência, a ordem, a justiça, o amor paterno e fraterno, o cuidado de uns pelos outros, enfim, tudo o que existe (ou deve existir) nas sociedades maiores, como o Estado. A família é uma sociedade em miniatura. E como sociedade, ela tem o poder de crescer. Dela saem os filhos que irão constituir novas famílias. Com razão, ela é a célula da sociedade (nossa Constituição Federal, no art. 226, caput, diz “base da sociedade”).

A necrose social

Uma maneira eficiente de destruir um organismo é destruir suas células. Causar uma necrose no tecido social é mais grave do que golpear a cabeça. Vejamos.

Se um grupo de revolucionários derruba as autoridades constituídas, toma o poder e passa a impor à sociedade o ateísmo, o confinamento de crianças em creches, o trabalho obrigatório da mulher fora do lar, a limitação do número de filhos… tudo isso pode fazer a sociedade sofrer muito. Mas esse golpe “de cima para baixo” nem sempre é suficiente para corrompê-la. Pode haver uma reação silenciosa mas eficaz das famílias às ordens injustas do novo governo. A religião pode proliferar às escondidas. A moral pode subsistir contra a vontade dos revolucionários.

Algo muito pior ocorre quando se pretende corromper a sociedade em sua base, em sua célula vital: a família. Seduzida e inebriada pela corrupção, a família não se vê em condições de reagir. Um câncer moral vai-se alastrando e o tecido social sofre uma necrose. É o que estamos, infelizmente, presenciando hoje em dia.

Os esposos são seduzidos pela propaganda divorcista a obterem a felicidade a qualquer preço: mesmo que seja à custa do repúdio daquele ou daquela a quem se prometeu fidelidade; mesmo que seja à custa do abandono dos filhos gerados.

A mulher é convidada, não a cooperar com o homem, mas a competir com ele. É arremessada ao mercado de trabalho, uma vez que “descobriu” que só o emprego fora do lar pode trazer “realização pessoal”. Para trabalhar fora, é preciso não ter filhos, ou gerá-los em pequeno número e deixá-los em uma creche durante o expediente. Surge daí a anticoncepção e a esterilização como bandeiras feministas: o “direito” de dissociar o significado unitivo do significado procriador do ato conjugal; o “direito” de privar esse ato de sua natural abertura à vida; o “direito” de converter um ato de amor em um ato de egoísmo a dois, totalmente fechado a um terceiro. Se a anticoncepção falhar, procura-se o aborto, como tentativa de destruir o intruso que veio perturbar o casal.

Aos jovens ensina-se que tudo é permitido, com a condição de se tomar cuidado para não contrair as doenças sexualmente transmissíveis. O preservativo de látex é exaltado como a salvação para a juventude. Usá-lo significa evitar a gravidez, ficar livre de doenças e poder gozar de toda a lascívia que o mundo oferece. Libertinagem sem riscos, orgias sem ônus, pecado seguro.

Se dois “parceiros” (não se fala “namorados”, nem “noivos”, nem “cônjuges”) acostumam-se a praticar o ato sexual apenas entre si, surge a figura da “união estável”, que a Constituição Federal reconhece como “entidade familiar” (art. 226, §3°, CF). Melhor seria chamá-la de “união instável”, pois ela surge sem qualquer compromisso e se desfaz do mesmo modo como surge.

Ora, chamar a fornicação habitual de “entidade familiar” é um insulto à família. Mas pior insulto ainda é reconhecer juridicamente as uniões homossexuais, como fez o Supremo Tribunal Federal, e dar aos cúmplices do vício contra a natureza os mesmos direitos que teriam dois cônjuges, inclusive o de adotar crianças.

Se os governantes convidassem os adúlteros a fazerem marchas e passeatas públicas, a fim de mostrarem que se orgulham de terem traído suas mulheres ou seus maridos, sem dúvida essa apologia do adultério seria gravíssima.

No entanto, algo de muito pior está sendo feito: o governo tem investido maciçamente a fim de convencer a população — a começar pelas crianças e jovens em idade escolar — de que o homossexualismo é uma simples “opção” sexual, tão válida e aceitável quanto a de se casar com alguém do sexo oposto. E aquilo que é um vício contra a natureza passa a ser objeto de orgulho. Com o dinheiro público patrocinam-se marchas de “orgulho” homossexual. E os insatisfeitos com isso (apelidados de “homofóbicos”) são ameaçados de serem punidos como criminosos.

Que é tudo isso? É um ataque maciço à célula da sociedade, à família. É um bombardeamento incessante a fim de que ela não se forme; se está formada, que não procrie; se procriar, que os filhos não cheguem a nascer; se nascerem, que sejam corrompidos antes da idade adulta, de modo que nunca possam constituir uma nova autêntica família.

A Igreja doméstica

Não é apenas do Estado que a família é célula. Ela é célula da Igreja, a sociedade dos cristãos. Com razão, a família é chamada “Igreja doméstica”. De fato, ela conserva (ou deveria conservar) todas as notas pelas quais se reconhece a Igreja: a unidade, a santidade, a catolicidade e a apostolicidade.

A família cristã é una, pois os cônjuges, unidos até à morte pelo sacramento do matrimônio, formam uma só carne. Essa união é santa e fecunda. Os esposos santificam-se um ao outro e santificam os filhos por ambos gerados. Os pais são os primeiros catequistas dos filhos. Cabe a eles encaminhar seus filhos para os sacramentos, a começar pelo Batismo, a fim de que a graça possa aperfeiçoar a obra da natureza.

A família cristã é católica no sentido de que está aberta à universalidade. Seus filhos hão de sair dela, seja para constituírem novas famílias, seja para ingressarem na vida sacerdotal ou religiosa.

Por fim, a família cristã é apostólica em dois sentidos: por transmitir, já no ambiente doméstico, a doutrina dos Apóstolos; por ser “enviada” (sentido de “apóstolo”) ao mundo a fim de conservá-lo (como o sal), de iluminá-lo (como uma lâmpada) e de fazê-lo crescer (como o fermento).

Concluo transcrevendo as palavras de Dom Manoel Pestana Filho, saudoso Bispo de Anápolis, escritas na capa da pasta do VIII Congresso Teológico 2004 “A Família Cristã: célula-mãe de uma sociedade melhor”.[1]

Santificar a família é renovar a Igreja e o mundo.

A família é hoje o grande campo de batalha entre a vida e a morte, a verdade e a mentira, o bem e o mal. Salvar a família é assegurar o futuro. Santificá-la é renovar a Igreja e o mundo.

Porque é a família que constrói os homens, os cristãos e os santos. Tudo o que se faz pela família, ainda é muito pouco; tudo o que se fizer sem a família é quase nada.

***

Antes do princípio era a FAMÍLIA divina: Pai, Filho e Espírito Santo.

No momento da criação, a FAMÍLIA humana: Adão e Eva, uma só carne, fonte da vida.

No tempo da Redenção, a FAMÍLIA humano-divina: Jesus, Maria, José, santidade e graça.

***

Anápolis, 3 de janeiro de 2015

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

Presidente do Pró-Vida de Anápolis.


[1] O Congresso ocorreu nos dias 31 de julho e 1° de agosto de 2004, no Salão da Catedral do Bom Jesus, Centro, Anápolis, GO. Na época, Dom Manoel já era Administrador Apostólico, e esperava a posse do novo Bispo Dom João Wilk.

 

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