E depois do aborto?

(um interessante artigo de uma professora de Enfermagem)

Falar sobre o aborto diante das discussões políticas e sociais cada vez mais intensas em nosso país constitui-se o maior desafio de toda a minha vida. Confesso que, por um momento, pensei que minhas palavras seriam redundantes ou que não expressariam o que desejo sinceramente. Porém, diante da missão que me foi dada por vontade do Senhor – tenho certeza –, volto meu olhar para as possibilidades e as almas que podem ser tocadas por meu coração. É assim que quero escrever: com meu coração, e não apenas meu limitado conhecimento. Sendo assim, após alguns dias refletindo e rezando, decidi que embora seja extremamente importante esclarecer o aborto do ponto de vista social, ético e biológico, não o farei aqui, uma vez que não há qualquer dúvida de que, desde o momento exato da fecundação, uma vida, um ser humano passa a existir. Sinto em meu coração forte impulso para falar do depois, o depois da concretização do aborto, o depois do vazio, o depois do crime, o depois do pecado e o que restou.

Padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, presidente do Pró-Vida de Anápolis, em seu livro Descobrindo a Castidade descreve que “o aborto é o fundo do abismo em que caem aqueles que não souberam valorizar a castidade”. Os registros da Sagrada Escritura fortalecem as palavras do Pe. Luiz: “Não sabeis que vossos corpos são membros de Cristo?” (1Cor 6,15). “Fugi da fornicação. Qualquer outro pecado que o homem comete é fora do corpo, mas o impuro peca contra o seu próprio corpo” (1Cor 6,18). Além disso, São Paulo diz que: “de Deus não se zomba. O que o homem semeia, isto mesmo colherá” (Gl 6,7). Isso significa que a castidade resguardada na juventude será transformada em frutos majestosos na sua futura vida familiar. A influência da castidade na vida conjugal pode ser comprovada por um estudo realizado pelo sociólogo Mark Regnerus, da Universidade do Texas: seus resultados mostraram que as pessoas que praticaram abstinência até a noite do casamento deram notas 22% mais altas para a estabilidade de seu relacionamento do que as demais.

A castidade é nesse sentido, um caminho a ser percorrido com a graça de Deus, a oração, a vigilância e, sobretudo, pautado no respeito e companheirismo mútuos. O jovem que vive a castidade jamais experimentará o aborto e, portanto, jamais experimentará os sentimentos dolorosos que tomam o espaço vazio antes ocupado por um filho brutalmente assassinado.

Nenhum argumento pode justificar um aborto, embora os pró-abortistas abarquem explicações baseando-se em inegáveis problemas, necessidades e interesses de caráter social, econômico e biológico. Todavia esses mesmos pró-abortistas se esquecem (ou não querem advertir) que, do ponto de vista psicológico e físico, o aborto deixa marcas eternas, e um sofrimento inimaginável. Um estudo realizado em 2006, por Rodrigues e Hoga, enfermeiras da Universidade de São Paulo (USP), apresenta as falas de homens que vivenciaram o aborto provocado de suas companheiras e confirma o quanto essa decisão não traz alívio ou benefícios aos envolvidos, ao contrário, traz apenas arrependimento e dor:

– “Quando ela me contou que tinha feito o aborto fiquei muito triste e me senti um pouco culpado, porque tinha uma criança ali com ela, que hoje seria uma vida, um filho nosso. Eu me sinto arrependido por isso.”

– “E, o que eu mais senti, foi arrependimento, eu fiquei muito chateado, pelo que aconteceu não ser uma coisa certa. Eu jamais permitiria que isso acontecesse de novo.”

– “Como seria ele hoje? Ele estaria com 17 anos. Arrependo-me muito, fico comparando os meus filhos hoje com aquele que nós fizemos mal.”

– “Porque quando você não quer fazer isso, e acontece esse tipo de coisa magoa bastante, quer dizer, quando você olha pra pessoa, isso vem à tona, você lembra de tudo. É uma coisa assim, que se eu a vê, tanto que quando eu toco nesse assunto, parece que estou vivendo o momento tudo de novo, apesar de já ter passado tanto tempo.”

– “E pra mim ela conseguiu destruir o sentimento que eu tinha por ela, que era muito grande. E de repente ela faz isso, ela conseguiu acabar com uma coisa que pra mim iria ser uma coisa muito bonita, que era ter um filho.”

Outro estudo que descreve o processo e os sentimentos envolvidos na decisão de abortar, publicado em 1995 por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), mostrou que 48,8% de um total de 326 mulheres se sentiram mal emocionalmente e fisicamente após o aborto. Uma pequena minoria das mulheres, 27,9%, se sentiu bem após o aborto e as demais se sentiram bem fisicamente, porém mal emocionalmente. Outro resultado importante mostrou que 82,9% de um total de 127 mulheres que decidiram não abortar se sentiram bem, aliviadas e não se arrependeram de sua escolha. Não é difícil perceber que o aborto acontece na maioria das vezes em silêncio, permeado pela culpa, desamparo e solidão. Desse modo, qualquer tentativa de “minimizar problemas”, ou “tratar a saúde mental” por meio do aborto, só trará ainda mais sofrimento, desesperança, vazio e sentimentos negativos.

Infelizmente não existem estudos que mostrem como a dor emocional dos responsáveis pelo aborto pode desaparecer ou sequer se isso pode acontecer. O que sabemos é que esse sofrimento será vivenciado eternamente e todos os dias. Sempre que alguém que praticou um aborto olhar para o rosto de uma criança, imaginará como seria o de seu filho, o que ele estaria fazendo, e qual bem ele teria proporcionado à humanidade caso tivesse tido a chance de vir ao mundo. Além disso, as marcas que levaram àquela concepção, e as pessoas envolvidas em todo o processo, sempre estarão impregnadas em suas lembranças mais tristes. Mas nada disso é o fim! Deixar-se conduzir pelo Espírito Santo de Deus é o primeiro passo para realizar grandes obras e encontrar a verdadeira missão mesmo após esse grande pecado.

A Igreja condena o aborto veementemente: “O aborto direto, isto é, querido como fim ou como meio, constitui sempre uma desordem moral grave, enquanto morte deliberada de um ser humano inocente (João Paulo II, Encíclica Evangelium Vitae, n. 62). O Código de Direito Canônico de 1917, para o aborto, prescrevia a pena de excomunhão. Também a legislação canônica, há pouco renovada (1983), continua nesta linha quando determina que “quem procurar o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae” (cânon 1398), isto é, automática. A excomunhão recai sobre todos aqueles que cometem este crime com conhecimento da pena, incluindo também cúmplices sem cujo contributo o aborto não se teria realizado.

Segundo o Catecismo da Igreja Católica (n. 2272), “a Igreja não quer restringir o campo da misericórdia. Manifesta, sim, a gravidade do crime cometido, o prejuízo irreparável causado ao inocente morto, a seus pais e a toda sociedade.”

Deus sabe que vivemos uma guerra contra o pecado, e nesta guerra, não é covardia fugir do inimigo. O prudente foge do pecado e não o alimenta ou enfrenta. E mesmo se cair uma, duas ou três vezes, o que importa é se levantar e continuar. A Igreja e nosso saudoso Beato João Paulo II fortalecem essa nossa certeza, quando escrevem às mulheres que cometeram um aborto: “A Igreja está a par dos numerosos condicionalismos que poderiam ter influído sobre a vossa decisão, e não duvida que, em muitos casos, se tratou de uma decisão difícil, talvez dramática. Provavelmente a ferida no vosso espírito ainda não está sarada. Na realidade, aquilo que aconteceu foi e permanece profundamente injusto. Mas não vos deixeis cair no desânimo, nem percais a esperança. Sabei, antes, compreender o que se verificou e interpretai-o em toda a sua verdade. Se não o fizestes ainda, abri-vos com humildade e confiança ao arrependimento: o Pai de toda a misericórdia espera-vos para vos oferecer o seu perdão e a sua paz no sacramento da Reconciliação. Dar-vos-eis conta de que nada está perdido, e podereis pedir perdão também ao vosso filho que agora vive no Senhor. Ajudadas pelo conselho e pela solidariedade de pessoas amigas e competentes, podereis contar-vos, com o vosso doloroso testemunho, entre os mais eloquentes defensores do direito de todos à vida. Através do vosso compromisso a favor da vida, coroado eventualmente com o nascimento de novos filhos e exercido através do acolhimento e atenção a quem está mais carecido de solidariedade, sereis artífices de um novo modo de olhar a vida do homem.” (Carta Encíclica Evangelium Vitae, n. 99).

O Senhor quer que vivamos felizes e alegres. A alegria que vem d’Ele está impregnada na alma e não se esvai nunca, contrariando o prazer que depois de percebido deixa tudo vazio e sem sentido. Portanto, permaneçamos na alegria de Deus e busquemos sempre a Sua graça. Lembre-se que a vida terrena é passageira e tudo que aqui vivemos vai passar, pois o que nos espera é a vida eterna. O pecado do aborto é grande sim, porém não é maior que a misericórdia de Deus e que Seu amor por nós. Nosso Senhor deixa 99 ou mais ovelhas para buscar uma que ficou para trás: eu ou você! Ele nos ama infinitamente, e isso já é o motivo de nossa alegria.

A você que cometeu um aborto, peça perdão a seu filho, busque o perdão de Deus e a paz por meio do Sacramento da Reconciliação. Perdoe as pessoas que lhe feriram e se perdoe! Retorne ao primeiro Amor, e juntos vamos combater o mal do aborto, começando pela luta a favor da castidade. Contamos com seu testemunho e envolvimento. Em troca, conte com nossas orações, e se precisar, também de nosso abraço. Volte! Deus espera por você e Ele fará uma festa no céu com sua chegada! Você não precisa ter medo. Seu único medo deve ser o de não fazer a vontade de Deus. E Ele conta com você!

Anna Carolina Faleiros Martins (annacarolina@unb.br)

Professora de graduação em enfermagem da Universidade de Brasília – Faculdade de Ceilândia (DF)