O Estatuto do Nascituro

(falta ainda uma lei federal que disponha sobre a proteção integral à criança por nascer)

Em 25 de março de 2004, o Senado dos EUA aprovou um projeto de lei que concede à criança por nascer (nascituro) o status de pessoa no caso de um crime. No dia 1º de abril o presidente George W. Bush sancionou a lei, chamada “Unborn Victims of Violence Act” (Lei dos nascituros vítimas de violência). De agora em diante, pelo direito norte-americano, se alguém causar morte ou lesão a uma criança no ventre de sua mãe, responderá criminalmente pela morte ou lesão ao bebê, além da morte ou lesão à gestante[1].

Na Itália, em março de 2004 entrou em vigor uma lei que dá ao embrião humano os mesmos direitos de um cidadão[2].

Não seria má idéia que o Brasil, seguindo esses bons exemplos, promulgasse uma lei que dispusesse sobre a proteção integral ao nascituro, concedendo-lhe explicitamente o status de pessoa, conforme determinou o Pacto de São José de Costa Rica, assinado por nosso país. Eis uma proposta de “Estatuto do Nascituro”, que poderia ser abraçada por um de nossos congressistas.

 

Projeto de Lei N.º… /2004, que institui o Estatuto do Nascituro.

 

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

 

Das disposições preliminares

Art. 1º. Esta lei dispõe sobre a proteção integral ao nascituro.

Art. 2º. Nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido.

Parágrafo único. O conceito de nascituro inclui também os seres humanos concebidos “in vitro”, os produzidos através de clonagem ou de qualquer outro meio.

Art. 3º. O nascituro tem personalidade jurídica reconhecida por lei[3].

Parágrafo único. O nascituro goza do direito à vida, à integridade física, à honra, à imagem e de todos os demais direitos da personalidade[4].

Art. 4º. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão[5].

Art. 5º. Nenhum nascituro será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, sendo punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais[6].

Art. 6º. Na interpretação desta Lei, levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar do nascituro como pessoa em desenvolvimento[7].

 

Dos direitos fundamentais

Art. 7º. O nascituro tem o direito de ser concebido através de uma união física de amor entre um homem e uma mulher, no seio de uma família.

Art. 8º. O nascituro tem direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência[8].

Art. 9º. Ao nascituro é assegurado, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento em igualdade de condições com a criança já nascida[9].

Art. 10º. É vedado ao Estado e aos particulares discriminar o nascituro privando-o de algum direito em razão do sexo, da idade, da etnia, da aparência, da origem, da deficiência física ou mental ou da expectativa de sobrevida.

Art. 11. O nascituro deficiente terá à sua disposição todos os meios terapêuticos e profiláticos existentes para prevenir, reparar ou minimizar sua deficiência, haja ou não expectativa de sobrevida extra-uterina[10].

Art. 12. O diagnóstico pré-natal respeitará a vida e a integridade do nascituro e estará orientado para sua salvaguarda ou sua cura individual.

§1º O diagnóstico pré-natal deve ser precedido do consentimento informado dos pais.

§2º É vedado o emprego de métodos de diagnóstico pré-natal que façam a mãe ou o nascituro correrem riscos desproporcionados.

§3º Jamais tal diagnóstico será feito com o fim de eventualmente abortar o nascituro em razão de seu estado ou de sua qualidade.

Art. 13. É vedado ao Estado e aos particulares aplicar qualquer pena ou causar qualquer dano ao nascituro em razão de um ato delituoso cometido por algum de seus genitores[11].

Art. 14. O nascituro concebido em um ato de violência sexual goza dos mesmos direitos de que goza o nascituro concebido no matrimônio, além dos seguintes:

I – direito prioritário à assistência pré-natal, com acompanhamento psicológico da gestante;

II – direito a pensão alimentícia equivalente a 1 (um) salário mínimo, até que complete dezoito anos de nascido.

III – direito prioritário à adoção, caso a mãe não queira assumir a criança após o nascimento.

Parágrafo único. Se for identificado o genitor, será ele responsável pela pensão alimentícia a que se refere o inciso II deste artigo; se não for identificado ou se for insolvente, a obrigação recairá sobre o Estado.

Art. 15. Jamais será admitido causar diretamente a morte do nascituro, sejam quais forem os fins.

§1º É lícito o procedimento médico, não diretamente abortivo, tendente a salvar a vida da mãe, mas que tenha como efeito secundário e indesejado, embora previsível, a morte do nascituro.

§2º Para que o procedimento do parágrafo anterior seja lícito, exige-se que não seja possível salvar a vida da gestante por outros procedimentos que não tenham como efeito secundário a morte do nascituro.

§ 3º Na aplicação deste artigo, a morte do nascituro só pode ser tolerada enquanto efeito secundário, mas nunca enquanto meio.

Art. 16. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal[12].

Art. 17. Sempre que no exercício do pátrio poder colidir o interesse dos pais com o do nascituro, o Ministério Público requererá ao juiz que lhe dê curador especial[13].

Art. 18. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o pátrio poder.

Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro[14].

Art. 19. O nascituro poderá ser adotado com o consentimento de seu representante legal.

Art. 20. Aberta a sucessão testamentária, o nascituro tem capacidade para adquirir herança[15].

Art. 21. A mulher que, para garantia dos direitos do filho nascituro, quiser provar seu estado de gravidez, requererá ao juiz que, ouvido o órgão do Ministério Público, mande examiná-la por um médico de sua nomeação.

§ 1o O requerimento será instruído com a certidão de óbito da pessoa, de quem o nascituro é sucessor.

§ 2o Será dispensado o exame se os herdeiros do falecido aceitarem a declaração da requerente.

§ 3o Em caso algum a falta do exame prejudicará os direitos do nascituro[16].

Art. 22. Apresentado o laudo que reconheça a gravidez, o juiz, por sentença, declarará a requerente investida na posse dos direitos que assistam ao nascituro.

Parágrafo único. Se à requerente não couber o exercício do pátrio poder, o juiz nomeará curador ao nascituro[17].

Art. 23. O nascituro será representado em juízo, ativa e passivamente, por quem exerça o pátrio poder ou por curador especial[18].

Art. 24. Os danos materiais ou morais sofridos pelo nascituro ensejam reparação civil[19].

Art. 25. O nascituro falecido, por morte natural ou provocada, será registrado no Registro Civil de Pessoas Naturais, seja qual for sua idade gestacional, e terá direito às mesmas honras fúnebres das pessoas nascidas[20].

Parágrafo único. Em hipótese alguma o cadáver do nascituro será descartado ou tratado como lixo hospitalar.

Art. 26. Qualquer pessoa ou o Ministério Público poderá impetrar habeas corpus em favor de um nascituro ameaçado de sofrer violência[21].

Art. 27. Os juízes ou tribunais expedirão de ofício habeas corpus quando no curso do processo verificarem que o nascituro sofre ameaça de violência[22].

Dos crimes em espécie

Art. 28. Os crimes previstos nesta lei são de ação pública incondicionada.

Art. 29. Causar culposamente a morte de nascituro.

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

§1º A pena é aumentada de um terço se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou oficio, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante.

§2º O juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária[23].

Art. 30. Anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto[24].

Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço se o processo, substância ou objeto são apresentados como se fossem exclusivamente anticoncepcionais.

Art. 31. Congelar, manipular nascituro ou utilizá-lo como material de experimentação.

Pena – Detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Art. 32. Referir-se a nascituro com palavras ou expressões manifestamente depreciativas[25].

Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, e multa.

Art. 33. Exibir ou veicular, por qualquer meio de comunicação, informações ou imagens depreciativas ou injuriosas à pessoa do nascituro[26]:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.

Art. 34. Fazer publicamente apologia do aborto ou de quem o praticou, ou incitar publicamente a sua prática.

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.

Art. 35. Induzir mulher grávida a praticar aborto ou oferecer-lhe ocasião para que o pratique.

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

 

Disposições finais

Art. 36. O artigo 128 do Código Penal (Decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940) passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 128. Não constitui crime o procedimento médico, não diretamente abortivo, tendente a salvar a vida da gestante, que tenha como efeito secundário e indesejado, embora previsível, a morte do nascituro.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica:

I – se a morte do nascituro é diretamente provocada, ainda que sejam alegadas razões terapêuticas;

II – se é possível salvar a vida da gestante por outros procedimentos que não tenham como efeito secundário a morte do nascituro.

Art. 37. O artigo 1º da Lei 8.072, de 25 de junho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos) passa a vigorar com a seguinte alteração:

Art. 1º – ……………………………………………………………………….

VIII – aborto (arts. 124 a 127).

Art. 38. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

JUSTIFICAÇÃO

Em 20 de novembro de 1959, A Assembléia Geral das Nações Unidas adotava a “Declaração dos Direitos da Criança”. Seu preâmbulo dizia textualmente: “Considerando que a criança, em razão de sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de proteção jurídica apropriada antes e depois do nascimento…”. A Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, repetiu, em seu preâmbulo, as mesmas palavras da Declaração, assegurando proteção à criança, “tanto antes quanto após seu nascimento”. O Brasil assinou o texto de tal Convenção em 26 de janeiro de 1990. O Decreto Legislativo n.º 18, de 14 de setembro de 1990, aprovou o texto da Convenção. Pelo Decreto n.º 99.710, de 21 de novembro de 1990, o então presidente Fernando Collor determinou que a Convenção fosse executada e cumprida inteiramente.

Além disso, Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, foi aprovada pelo Congresso Nacional do Brasil em 26 de maio de 1992 (Decreto Legislativo n.º 27), tendo o Governo brasileiro determinado sua integral observância em 6 de novembro seguinte (Decreto n.º 678). Diz a referida Convenção em seu art. 1º, n. 2: “Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano”. E acrescenta no art. 3º: Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica”.

Assim, em virtude de dois compromissos internacionais, o Brasil deve proteger a criança por nascer (nascituro), reconhecendo-lhe o status de pessoa, em igualdade com os já nascidos.

A proliferação de abusos com seres humanos não nascidos, incluindo a manipulação, o congelamento, o descarte e o comércio de embriões humanos, a condenação de bebês à morte por causa de deficiências físicas ou por causa de crime cometido por seus pais, os planos de que bebês sejam clonados e mortos com o único fim de serem suas células transplantadas para adultos doentes, tudo isso requer que, a exemplo de outros países como a Itália, seja promulgada uma lei que ponha um “basta” a tamanhas atrocidades.

Permita Deus que os congressistas abracem a causa da defesa dos mais inocentes e indefesos dos seres humanos: as crianças por nascer.

 

Anápolis, 1º de junho de 2004.

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

Presidente do Pró-Vida de Anápolis



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