Seres humanos descartáveis

(um projeto de lei tendente a obrigar o descarte de embriões humanos)

Está em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei que pretende, não apenas permitir, mas obrigar que se joguem fora seres humanos produzidos em laboratório. Trata-se do Projeto de Lei do Senado n.º 90 de 1999, que dispõe sobre a Reprodução Assistida. O autor é o Senador Lúcio Alcântara (PSDB/CE). Atualmente, o PLS 90/1999 está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. O relator escolhido para apreciar o projeto foi o Senador Roberto Requião (PMDB/PR), que votou pela sua aprovação na forma de um substitutivo por ele apresentado.

O que se chama Reprodução Assistida? Nas palavras no art. 1º do próprio projeto, “constituem técnicas de Reprodução Assistida (RA) aquelas que importam na implantação artificial de gametas ou embriões humanos no aparelho reprodutor de mulheres receptoras com a finalidade de facilitar a procriação”. Que dizer a respeito disso? É bom e louvável ajudar os casais inférteis a terem filhos. Os meios utilizados para isso, no entanto, nem sempre são moralmente aceitáveis.

Diz o Catecismo da Igreja Católica: “As pesquisas que visam diminuir a esterilidade humana devem ser estimuladas, sob a condição de serem colocadas ‘a serviço da pessoa humana, de seus direitos inalienáveis, de seu bem verdadeiro e integral, de acordo com o projeto e a vontade de Deus’”(Catecismo… n.º 2375).

Dizia Pio XII, por exemplo, em seu discurso às parteiras, que é lícito o uso de meios artificiais encaminhados unicamente a facilitar a realização natural do ato sexual ou, uma vez este ato realizado normalmente, que seja alcançado o seu fim. No entanto, a Igreja ensina que nunca é lícito “fabricar” um filho fora do ato sexual. Todo ser humano tem o direito de ser gerado em uma união física de amor, dentro do matrimônio. O matrimônio não dá aos cônjuges o direito a terem filhos, custe o que custar, mas lhes dá o direito a realizar os atos naturais que podem ter como resultado a procriação. Se assim não fosse, o matrimônio em que um ou os dois cônjuges fosse estéril seria antinatural.

A esterilidade não deve levar o casal ao desespero de “fabricar” um filho em laboratório. “O Evangelho mostra que a esterilidade física não é um mal absoluto. Os esposos que, depois de terem esgotados os recursos legítimos da medicina, sofrerem de infertilidade, unir-se-ão à Cruz do Senhor, fonte de toda fecundidade espiritual. Podem mostrar a sua generosidade adotando crianças desamparadas ou prestando relevantes serviços em favor do próximo” (Catecismo… n.º 2379).

A introdução artificial do esperma dentro do organismo da mulher, ainda que o esperma tenha sido produzido por seu marido (inseminação artificial homóloga) é um ato gravemente desordenado. A malícia aumenta quando o esperma é proveniente de um terceiro (inseminação artificial heteróloga), pois, neste caso, trata-se de um adultério.

A fertilização in vitro (FIV) — seja ela homóloga ou heteróloga —, na qual o óvulo e o esperma são juntados em um tubo de proveta e posteriormente se introduzem alguns embriões no aparelho reprodutor da mulher, constitui também uma ofensa à dignidade do matrimônio e à transmissão da vida.

Tanto a inseminação artificial como a fecundação in vitro têm um agravante: o esperma do homem é obtido mediante a masturbação, que é um pecado grave.

No caso da fecundação in vitro, ocorre ainda outro problema: o excesso de embriões. Para garantir êxito, o médico estimula uma super-ovulação, com injeções diárias de hormônios durante dez dias. A mulher produz, então, cerca de 15 óvulos, ao invés de um. Os óvulos, então, são postos em contato com os espermatozóides e são fecundados. Há agora quinze ovos ou zigotos, ou seja, quinze seres humanos, como eu ou você, dentro de um tubo de ensaio. Dos quinze, cerca de dez chegam ao estágio de embrião. Obviamente não se colocam os dez embriões dentro do útero da mãe. Transferem-se normalmente quatro, dos quais vários vão morrer sem conseguir ser implantados no endométrio. O eventual sobrevivente desse holocausto nascerá, será fotografado e exibido em capa de revista, como uma resultado glorioso da tecnologia.

E agora, uma pergunta crucial: o que fazer com os outros seis embriões que não foram transferidos? A “solução” encontrada tem sido congelá-los em nitrogênio líquido (criopreservação).

Resolução Normativa 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina

“Normas Éticas para a Utilização das Técnicas de Reprodução Assistida”.
“V – Criopreservação de Gametas ou Pré-Embriões
1 – As clínicas, centros ou serviços podem criopreservar espermatozóides, óvulos e pré-embriões.
2 – O número total de pré-embriões produzidos em laboratório será comunicado aos pacientes, para que se decida quantos pré-embriões serão transferidos a fresco, devendo o excedente ser criopreservado, não podendo ser descartado ou destruído.”

Mas… congelar até quando? A crioconservação é cara e nem sempre os pais estão dispostos a implantar os embriões excedentes. “Não se sabe exatamente quantos embriões congelados existem no país. Mas pode-se ter uma idéia: três das maiores clínicas em São Paulo reúnem, cada uma, cerca de mil embriões. Foram obrigadas a dobrar o espaço nas geladeiras” (Excessos de Proveta, Época, 30 de agosto de 1999, p. 86).

O projeto do senador Lúcio Alcântara apresenta uma “solução” para o caso: matar os embriões. E quanto ao Código Civil que, em seu artigo 4º, diz que “a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”? Para o senador, os embriões congelados não são nascituros. Diz o seu projeto:

“Art. 9 § 1º Não se aplicam aos embriões originados in vitro, antes de sua introdução no aparelho reprodutor da mulher receptora, os direitos assegurados ao nascituro na forma da lei.”

Já que os embriões não são gente, eles podem ser descartados, doados para terceiros, ou utilizados para pesquisa:

“Art. 9 § 4º – O número total de embriões produzidos em laboratório durante a fecundação in vitro será comunicado aos usuários para que se decida quantos embriões serão transferidos a fresco, devendo o restante ser preservado, salvo disposição em contrário dos próprios usuários, que poderão optar pelo descarte, a doação para terceiros ou a doação para pesquisa.”

Mais ainda: o descarte de embriões será, em certos casos, obrigatório:

“Art. 9 § 4º – É obrigatório o descarte de gametas e embriões:
I – doados há mais de dois anos;
II – sempre que for solicitado pelos doadores;
III – sempre que estiver determinado no documento de consentimento informado;
IV – nos casos conhecidos de falecimento de doadores ou depositantes;
V – no caso de falecimento de pelo menos uma das pessoas que originaram embriões preservados.”

Como se isso não bastasse, conservar os embriões vivos poderá ser crime:

“Art. 13 – É crime:
X – conservar gametas ou embriões doados por período superior a dois anos ou utilizar esses gametas e embriões;
Pena: detenção, de dois a seis meses, ou multa.”

O senador reconhece que seu projeto é polêmico:

“Algumas das matérias abrangidas no projeto são bastante polêmicas, como a destinação a ser dada aos embriões excedentes. As diferentes possibilidades – doação para terceiros, doação para pesquisas, preservação ou descarte – esbarram nas divergentes opiniões sobre o status existencial do embrião, opiniões que se baseiam em critérios éticos, religiosos ou filosóficos de cada pessoa. Alguns autores consideram que os embriões já são gente ou seres humanos em desenvolvimento, o que inviabilizaria o descarte, a doação para pesquisa e mesmo a criopreservação.” (Justificação do PLS 90/1999).

Perguntaria ao senador: se o embrião, com 46 cromossomas, não é um ser humano, o que ele é então? Será um macaco ou um sapo? Não é por simples “opinião” que dizemos que o embrião é gente. Trata-se de um fato biológico, comprovável e incontestável.

O descarte de embriões humanos é, portanto, objetivamente, um homicídio. Assim sendo, o projeto fere o art. 5º da Constituição Federal, que garante a todos a “inviolabilidade do direito à vida”.

Anápolis, 08 de abril de 2000
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis

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