O artigo a seguir foi escrito por meus pais no dia 5 de junho de 2003, a pedido da Paróquia São Sebastião, Ilha do Governador, Rio de Janeiro. Seria publicado (e foi) na edição de julho/agosto do jornal paroquial “Dei Verbum”, numa página intitulada “Testemunhos de Fé”. No entanto, poucos dias depois, em 17 de junho, meu pai morreria subitamente, vítima de “insuficiência respiratória aguda, edema agudo pulmonar e insuficiência coronária”. Os paroquianos só leriam a matéria depois que meu pai tivesse partido. Na verdade, a versão impressa foi mais condensada, devido à falta de espaço. O que segue é a versão completa.
Parece que foi ontem e, no entanto, já faz 40 anos. Sim, 40 anos de casados. Já? Ficamos admirados, mas olhando o rosto um do outro somos obrigados a admitir: É verdade, o tempo passou… Mas como aconteceu e não percebemos? Deve ser porque envelhecemos juntos e por isso, nem notamos.
Estávamos tão ocupados um com o outro e com tantas coisas: o trabalho, a educação dos filhos e depois os netos. Tantas horas alegres e tantas tristes. Depressão, doença da moda, nem pensar… Não havia tempo. E de repente, idosos! O que acontece que não ficamos tristes? É que o tempo não levou consigo só coisas boas, como beleza e juventude, mas, sobretudo levou as horas difíceis. E lembrando delas, que afinal não foram poucas, somos tentados a perguntar: Como conseguimos? Ora, bem sabemos a resposta: É porque ficamos juntos.
Sozinho, nenhum de nós teria conseguido. Mas com a graça de Deus, por quem juramos um dia no altar “na alegria e na tristeza”, perseveramos.
Tudo isso é muito bonito, mas a verdade é que tiveram sorte, dizem alguns. — É porque deram certo, dizem outros. Não enfrentaram certas crises… e, o mais interessante que dizem: é porque se amavam. Queria ver se o amor tivesse acabado — (Como se isso fosse mágica).
Ora, temos vontade de gritar para que nos ouçam: A ordem destas coisas não é esta! Demos certo porque ficamos juntos! Enfrentamos crises que só Deus conhece, mas vencemos, porque a despeito de tudo, continuamos juntos. E o melhor: amamos-nos sim, porque teimamos e mesmo nos momentos de aridez, permanecemos juntos! Afinal, não se atira fora uma planta valiosa porque perdeu o viço. Ao contrário, a tratamos com mais carinho.
As perguntas, no entanto, continuam: Como foi possível? Confiando naquele que disse: O que Deus uniu, o homem não separe. Confiando na graça do sacramento do matrimônio, que aprendemos a evocar e sempre veio em nosso socorro. Confiando que Deus, depois da tempestade, dá a bonança. Confiando na intercessão poderosa de Nossa Senhora das Bodas de Cana — Não sabemos se este título existe, ou fomos nós que inventamos — que apressou seu Filho a fazer o primeiro milagre para socorrer um casal em apuros. Confiando e rezando, pois nunca deixamos de rezar o terço.
Hoje, em meio à desolação estampada nos rostos dos que se separaram, na busca inútil da felicidade, fora do lugar em que Deus a havia colocado, nós dois, com o alívio de quem escapou de cair num grande abismo, elevamos nossas mãos a Deus para agradecer tudo o que de melhor possuímos: Um ao outro! Também para pedir:
Senhor, permite que ainda fiquemos algum tempo juntos, mas quando chamares um de nós, que o outro possa ir correndo atrás, como sempre fizemos quando nos separamos.
Carlos Alves da Cruz e Maria Teresa Lodi da Cruz
(Dei Verbum. Boletim da Paróquia São Sebastião. Rio de Janeiro. Ano 4, n.º 28, jul./ago. 2003. p. 3)