(uma “falha” que pode custar ao Brasil a legalização do aborto, do lesbianismo e da prostituição)

 

O time adversário tinha sido detido na última hora. Estava para marcar o gol da vitória quando os zagueiros tomaram a bola e a entregaram ao goleiro. A torcida, depois daquele episódio tenso, respirou aliviada.

O que houve depois, ninguém soube explicar. O goleiro, ao invés de dar um tiro de meta, mirou a sua própria rede, chutou a bola e marcou um “gol contra”! A perplexidade tomou conta dos jogadores e torcedores. O time adversário pulou para comemorar aquele gol que lhe fora entregue “de bandeja”. O goleiro tentou justificar sua atitude, mas não convenceu seus colegas. Nem havia tempo para discussões. Nos poucos minutos restantes, os dez jogadores, por mais que corressem e suassem, não conseguiram reverter o placar. O resultado foi uma triste — e inexplicável — derrota.

* * *

No dia 25 de abril de 2002, um projeto perigosíssimo estava para ser votado e aprovado no Senado Federal. Os Senadores provavelmente o aprovariam por unanimidade, em votação simbólica. Afinal, a proposta parecia inofensiva. Era o Projeto de Decreto Legislativo 1/2002, que ratificava o Protocolo Facultativo à CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher). Quem poderia opor-se a eliminar as discriminações injustas contra a mulher? O Brasil assinara a Convenção em 1981, e o Congresso Nacional a ratificara em 1984. Já estava em vigor, como direito interno. Que pretendia então o tal “Protocolo Facultativo”? Dar a um Comitê de peritos, criado para examinar os progressos da Convenção, poderes de receber denúncias de indivíduos ou grupos contra o governo brasileiro, sempre que houvesse violação de algum direito estabelecido na Convenção. Para remediar tais casos, o Comitê poderia realizar investigações (inclusive no território nacional), fazer recomendações e exigir respostas ao cumprimento destas.

Ocorre que os Senadores não sabiam dos negros antecedentes de tal Comitê, embora, em tese, ele devesse ser composto de peritos “de grande prestígio moral”, segundo o art. 17 da Convenção. Não sabiam, por exemplo, que o Comitê havia censurado o Chile por não admitir forma alguma de aborto. Embora a Convenção nada fale sobre o aborto, para o Comitê o aborto é um direito da mulher.

228. Preocupa o Comitê o reconhecimento e a proteção inadequados aos direitos reprodutivos das mulheres no Chile. O Comitê está especialmente preocupado com a leis que proíbem e punem qualquer forma de aborto. (…). O Comitê considera que estas estipulações violam os direitos humanos de todas as mulheres. (Fonte: 21ª Sessão da CEDAW, de 20 de agosto de 1999)

Os Senadores também não sabiam que o Comitê havia criticado a Bielo-Rússia, por ter instituído o “Dia das Mães”, uma vez que, na linha do feminismo mais radical, a maternidade não é uma glória a ser exaltada.

361. Preocupa o Comitê a contínua prevalência dos estereótipos do papel de cada sexo e a reintrodução de símbolos como o “Dia das Mães” e o “Prêmio das Mães”, que é visto como um encorajamento aos papéis tradicionais das mulheres. Preocupa também se a introdução da educação dos direitos humanos e de gênero, em oposição a tal estereotipação, está sendo efetivamente implementada. (Fonte: Concluding Observations of the Committee on the Elimination of Discrimination Against Women : Belarus. 31/01/2000)

Os Senadores tampouco sabiam que o Comitê havia recomendado ao Quirquistão que legalizasse o lesbianismo, embora a Convenção nada fale sobre o assunto:

127. Preocupa o Comitê que o lesbianismo seja classificado como uma ofensa sexual no Código Penal.

128. O Comitê recomenda que o lesbianismo seja re-conceituado como uma orientação sexual e que as penalidades para esta prática sejam abolidas. (Fonte: 20ª Sessão da CEDAW, de 4 de Maio de 1999)

Os Senadores também ignoravam que, apesar de a Convenção proibir a “exploração da prostituição da mulher” (art. 6º), o Comitê havia recomendado à China que legalizasse a prostituição:

288. Preocupa o Comitê que a prostituição, que é com freqüência resultado da pobreza e privação econômica, seja ilegal na China.

289. O Comitê recomenda a descriminação da prostituição. Dada a pandemia do HIV/AIDS, o Comitê também recomenda que seja dada a devida atenção aos serviços de saúde para mulheres na prostituição. Insiste-se também que o governo tome medidas para a reabilitação e reintegração das prostitutas na sociedade. (Fonte: 20ª Sessão da CEDAW, de 4 de Maio de 1999).

Ao ratificar o Protocolo Facultativo, o Brasil aumentaria os poderes de um Comitê que se tem mostrado totalmente arbitrário ao examinar o progresso da Convenção (CEDAW) nos diversos países.

Nada disso os Senadores sabiam. Em cima da hora, no dia 25 de abril de 2002, o Secretário Geral da CNBB, Dom Raymundo Damasceno, advertido de que a matéria estava em pauta, foi pessoalmente ao Senado Federal e entregou uma Carta que havia sido assinada por 71 Bispos durante a 40ª Assembléia Geral da CNBB, solicitando aos Senadores a rejeição do Protocolo Facultativo. A Carta foi acompanhada do ofício SG. nº 313/02, que dizia:

Exmº Sr. Presidente do Senado,

Tenho o prazer de encaminhar a V. Exª o documento que trata da Rejeição do Protocolo Facultativo á, CEDAW (PDL nº 1/2002). Peço, em nome dos Bispos da Igreja Católica, representantes dos 17 Regionais da CNBB, que seja prorrogada a votação do item 16 do Projeto PDL nº 1/2002 na Sessão do Plenário de hoje. Agradecido pela atenção dispensada a este pedido, saúdo-o cordialmente. – Dom Raymundo Damasceno Assis, Secretário Geral da CNBB.

(Fonte: Diário do Senado Federal, 26/04/2002, p. 06180).

Graças a Deus, vários Senadores assinaram um requerimento de adiamento, e a discussão da matéria ficou marcada para 5 de junho. Inconformada, a Senadora Emília Fernandes (PT/RS), relatora do projeto, resolveu marcar para 21 de maio uma audiência pública sobre o assunto, convidando Dom Raymundo Damasceno (para representar a CNBB) e mais outras quatro autoridades, estas últimas totalmente favoráveis ao Protocolo. Em lugar de Dom Damasceno, compareceu o responsável pelo Setor Família, Dom Aloysio Penna (Arcebispo de Botucatu – SP). Era de se esperar que Dom Aloysio, em defesa da família, reiterasse o que haviam escrito os 71 Bispos e solicitasse publicamente a rejeição do Protocolo Facultativo. No entanto, para espanto de todos, nada disso aconteceu. Em seu discurso, Dom Aloysio elogiou a Convenção (CEDAW) e pareceu elogiar também o Protocolo Facultativo, não pondo nenhuma restrição à sua aprovação. Quando a Dra. Sílvia Pimentel, abortista, Coordenadora Nacional do Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM/Brasil), iniciou sua palestra, analisando ponto por ponto, a carta dos 71 Bispos, Dom Aloysio fez um aparte totalmente incompreensível:

Eu queria esclarecer que há dois documentos: uma carta que foi assinada lá por dezessete representantes da CNBB… dos Regionais da CNBB. Agora, eu tenho que dizer, a bem da verdade, que foi entregue, juntamente com essa carta, que é uma folha só, um outro documento, que não é absolutamente oficial da CNBB e que não representa o pensamento da CNBB. O pensamento da CNBB é… foi o que eu expressei aqui. Essa carta infelizmente ela foi mandada assim para a CNBB, e o Dom Damasceno… ele reconhece isso, se estivesse aqui ele reconheceria… ele pegou junto e não devia ter entregue. Eu só queria esclarecer isso… Queria que a senhora se ativesse só a uma carta muito lacônica que foi assinada pelos dezessete Bispos.

(Obs.: O negrito corresponde às palavras pronunciadas pelo Bispo com maior ênfase)

Realmente há dois documentos: um é o ofício SG. nº 313/02, em que Dom Damasceno encaminhava a carta dos 71 Bispos; o outro é a própria carta dos 71 Bispos. Será que Dom Aloysio desejaria que Dom Damasceno tivesse entregue o ofício de encaminhamento, mas não a carta encaminhada pelo ofício? Quem consegue compreender?

No fim da audiência, Dom Aloysio não foi menos infeliz em suas palavras:

Eu queria manifestar mais uma vez que essa carta foi falha nossa. Reconheço mais uma vez, não representa a posição da presidência da CNBB. A posição está aqui neste documento, que eu acho que a gente pode considerar como um documento oficial que possa ser usado.

O documento oficial, a que se referiu Dom Aloysio, foi o pronunciamento que fizera naquela noite. A Carta assinada pelos 71 Bispos teria sido “uma falha”.

Finalmente, Dom Aloysio pareceu fazer um ataque aos autores da Carta impugnada:

Eu queria afirmar aqui, com toda a minha convicção, que a posição da CNBB é construtiva, e nós não aceitamos métodos violentos de quem quer que seja. Entende? Se existem violências no modo de tratar isso aqui, não é da vontade da CNBB. São pessoas que assumem essa responsabilidade, mas sem a aprovação, sem o consentimento, sem o apoio da CNBB.

A Carta, que foi “uma falha”, que “não representa o pensamento da CNBB”, empregou, portanto, “métodos violentos”(?), inaceitáveis pela Conferência. Resta saber onde está a “violência” da Carta (transcrita a seguir).

 

 

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL
40ª Assembléia Geral
Itaici— Indaiatuba – -SP, 10 a 19 de abril de 2002

Assunto: rejeição do Protocolo Facultativo à CEDAW (PDS 1/2002)

Exmo Sr. Ramez Tebet
DD. Presidente do Senado Federal

Várias vezes, como Bispos e como cidadãos, vimos a soberania brasileira ameaçada, seja por uma onda de privatizações indiscriminadas, seja pelo projeto de internacionalizar a Amazônia.

Assistimos agora, a algo tão mais ameaçador quanto mais silencioso e aparentemente inofensivo. Trata-se da tentativa de ratificação do Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher” (Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women – CEDAW), no Brasil conhecida como Convenção da Mulher.

Desde 1981 o Brasil é signatário desta Convenção, cujo texto nada fala sobre o aborto nem sobre as “uniões” homossexuais e condena explicitamente a exploração prostituição feminina. Segundo o artigo 17, compete a um “Comitê” de peritos “examinar os progressos alcançados na aplicação desta Convenção“. Ocorre, porém, que tal Comitê, em nome da não discriminação da mulher, tem praticado consideráveis abusos, como os que seguem:

a). Embora o aborto não apareça no texto da Convenção, o Comitê o defende abertamente: recomendou ao Burundi que legalizasse o aborto; recomendou ao Chile a legalização do aborto terapêutico; criticou a Irlanda pela influência da Igreja Católica nas políticas públicas; criticou a Itália por permitir, na realização de abortos, a objeção de consciência aos médicos por motivos religiosos; recomendou à Líbia que interpretasse o Alcorão de modo a permitir o aborto…

b). Para o referido Comitê a maternidade não é uma glória, mas uma vergonha para a mulher. Assim, criticou a Bielo-Rússia por instituir o “Dia das Mães”, já que ser mãe, para o Comitê, é um estereótipo negativo para as mulheres!

c). Em nome da eliminação da discriminação contra a mulher, o Comitê recomendou ao Quirquistão a legalização do lesbianismo, coisa que não aparece no texto da Convenção.

d). Mais ainda: o Comitê ousou recomendar o que a Convenção proibiu. Recomendou à China a legalização da prostituição, quando a Convenção é expressamente contrária a ela (art. 6°)!

Para aumentar os poderes do Comitê, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou em 6 de outubro de 1999 um “Protocolo Facultativo” a essa Convenção. O governo brasileiro assinou tal Protocolo no dia 13 de março de 2001, na sede das Nações Unidas, em Nova York. Falta ainda ser ratificado pelo Congresso Nacional. A ratificação do Protocolo dará ao Comitê um enorme poder sobre os Estados Partes. Ele poderá receber denúncias, realizar inquisições (inclusive do território dos países acusados), fazer recomendações e exigir respostas ao cumprimento destas. O Brasil se verá obrigado a cumprir, não apenas o texto estabelecido na Convenção (CEDAW), mas o que decidir o plenipotenciário Comitê em nome da Convenção. Ao ratificar o Protocolo, o Congresso Nacional permitirá uma enorme ingerência externa sobre assuntos internos.

Observamos apreensivos que a Câmara de Deputados, em regime de urgência aprovou o texto do Protocolo (PDC-1357/2001), que já foi enviado ao Senado Federal sob o número PDS 1/2002. Tememos que os ilustres Senadores, inadvertidamente ratifiquem tal proposição, que é um autêntico “cavalo de Tróia” para o nosso país.

Se há verdadeiras discriminações injustas contra a mulher em nossa nação, cabe aos nossos legítimos representantes eliminá-las. Não precisamos de um órgão externo que nos fiscalize, pressione ou ameace.

Apelamos para essa Casa de Leis pedindo, em nome do que resta de nossa soberania nacional, em nome da defesa da vida e da família brasileira, que digam NÃO ao PDS 1/2002. Deus saberá recompensar os Senadores pelo atendimento a este pedido.

Atenciosamente,

 A seguir, a lista dos Bispos que “falharam” por terem assinado a Carta (quatro assinaturas estão ilegíveis):

Dom Alberto Taveira Corrêa ,  Arcebispo de Palmas – TO, Dom Antônio Lino da Silva Dinis ,  Bispo de Itumbiara – GO, Dom Frei Agostinho Stefan Januszewicz, OFMConv , Bispo de Luziânia – GO, Dom Eugène Lambert Adrian Rixen ,  Bispo de Goiás – GO, Dom Frei João José Burke, OFM ,  Bispo de Miracema do Tocantins – TO, Dom Geraldo Vieira Gusmão ,  Bispo de Porto Nacional – TO, Dom Guilherme Antônio Werlang, MSF ,  Bispo de Ipameri – GO, Dom Heriberto Hermes, OSB, Bispo Prelado de Cristalândia – TO, Dom José Carlos de Oliveira, CSSR ,  Bispo de Rubiataba-Mozarlândia – GO, Dom Manoel Pestana Filho ,  Bispo de Anápolis – GO, Dom Miguel Ângelo Freitas Ribeiro ,  Bispo de Tocantinópolis – TO, Dom Pedro Casaldáliga Pla, CMF ,  Bispo Prelado de São Félix do Araguaia – MT, Dom Washington Cruz, CP , Arcebispo de Goiânia – GO, (Ilegível), —  Regional CO, Dom Rafael Llano Cifuentes ,  Bispo Auxiliar de São Sebastião do Rio de Janeiro – RJ, Dom Frei Hugo Maria Van Steekelenburg, OFM ,  Bispo de Almenara – MG, Dom Waldemar Chaves de Araújo ,  Bispo de São João del Rei – MG, Dom Apparecido José Dias, SVD ,  Bispo de Roraima – RR, Dom Gutemberg Freire Régis, CSSR ,  Bispo Prelado de Coari – AM Dom Luiz Soares Vieira ,  Arcebispo de Manaus – AM Dom Mário Pasqualotto, PIME ,  Bispo Auxiliar de Manaus – AM, Dom Walter Ivan de Azevedo, SDB ,  Bispo de São Gabriel da Cachoeira – AM, Dom Frei José Afonso Ribeiro, TOR , Bispo Prelado de Borba – AM, (Ilegível), —  Regional N1, Dom Carlos Verzeletti ,  Bispo Auxiliar de Belém do Pará – PA, Dom Flávio Giovenale, SDB ,  Bispo de Abaetetuba – PA, Dom Frei Capistrano Francisco Heim, OFM ,  Bispo Prelado de Itaituba – PA, Dom Frei Jesus Maria Cizaurre Berdonces, OAR ,  Bispo Prelado de Cametá – PA, Dom Frei José Luís Azcona Hermoso, OAR ,  Bispo Prelado de Marajó – PA, Dom Frei Lino Vombommel, OFM ,  Bispo de Santarém – PA, Dom Frei Martinho Lammers, OFM ,  Bispo Prelado de Óbidos – PA, Dom João Risatti, PIME ,  Bispo de Macapá – AP, Dom José Foralosso, SDB ,  Bispo de Marabá – PA, Dom Luís Ferrando ,  Bispo de Bragança do Pará – PA, Dom Pedro José Conti ,  Bispo de Santíssima Conceição do Araguaia – PA, Dom Vicente Joaquim Zico, CM ,  Arcebispo de Belém do Pará – PA, (Ilegível), —  Regional N2, Dom Adélio José Tomasin, PSDP , Bispo de Quixadá – CE, Dom Jaime Vieira Rocha , Bispo de Caicó – RN, Dom Ceslau Stanula, CSSR ,  Bispo de Itabuna – BA, Dom Ricardo Josef Weberberger, OSB ,  Bispo de Barreiras – BA, Dom Augusto Alves da Rocha ,  Bispo de Oeiras Floriano – PI, Dom Celso José Pinto da Silva ,  Arcebispo de Teresina – PI, Dom Eduardo Zielski ,  Bispo de Campo Maior – PI, Dom Frei Abel Alonso Nuñez, OdasM ,  Bispo Emérito de Campo Maior – PI, Dom Frei Cândido Lorenzo González, OdasM ,  Bispo de São Raimundo Nonato – PI, Dom Frei Ramón López Carrozas, OdasM ,  Bispo de Bom Jesus de Gurguéia – PI, (Ilegível), —  Regional NE4, Pe. Francisco Bezerra Neto ,  Administrador Diocesano de Picos – PI, Dom Frei Luís D’Andrea, OFMConv ,  Bispo de Caxias do Maranhão – MA, Dom Frei Jesus Moraza Ruiz de Azúa, OAR ,  Bispo Prelado de Lábrea – AM, Dom Antonino Migliore ,  Bispo Prelado de Coxim – MS, Dom Bruno Pedron, SDB ,  Bispo de Jardim – MS, Dom Izidoro Kosinski, CM ,  Bispo de Três Lagoas – MS, Dom Milton Antônio dos Santos, SDB ,  Bispo de Corumbá – MS, Dom Redovino Rizzardo, CS ,  Bispo Coadjutor de Dourados – MS, Dom Vitório Pavanello, SDB ,  Arcebispo de Campo Grande – MS, Dom Bonifácio Piccinini, SDB ,  Arcebispo de Cuiabá – MT, Dom Canísio Klaus ,  Bispo de Diamantino – MT, Dom Franco Dalla Valle, SDB ,  Bispo de Juína – MT, Dom Frei José Vieira de Lima, TOR ,  Bispo de São Luís de Cáceres – MT, Dom Frei Sebastião Assis de Figueiredo, OFM ,  Bispo de Guiratinga – MT, Dom Gentil Delazari ,  Bispo de Sinop – MT, Dom Juventino Kestering ,  Bispo de Rondonópolis – MT, Dom Protogenes José Luft, SdC ,  Bispo de Barra do Garças – MT, Dom Vital Chitolina, SCJ ,  Bispo Prelado de Paranatinga – MT, Dom Diógenes Silva Matthes ,  Bispo de Franca – SP, Dom Frei Cláudio Cardeal Hummes, OFM ,  Arcebispo de São Paulo – SP, Dom Paulo Antonino Mascarenhas Roxo, OPraem ,  Bispo de Mogi das Cruzes – SP, Dom Salvador Paruzzo ,  Bispo de Ourinhos – SP, Dom Pedro Antônio Marchetti Fedalto ,  Arcebispo de Curitiba – PR.

CORRIDA CONTRA O TEMPO

Depois do “gol contra” de Dom Aloysio, começou a corrida contra o tempo. Os Bispos signatários da Carta tinham que fazer de tudo para que, até o dia 5 de junho (data prevista para a votação do projeto), os Senadores se convencessem da validade da Carta impugnada por seu irmão no Episcopado. Mas os Bispos, que estiveram reunidos em Itaici de 10 a 19 de abril, agora estavam dispersos pelo país. Como reuni-los? Como entrar em contato com todos eles, explicar o ocorrido e pedir que cada um, em nome próprio, enviasse ao Senado um pedido de rejeição do Protocolo Facultativo? A missão era quase impossível. Apesar da mobilização de vários Bispos, não foi possível reverter o placar.

O DIA DECISIVO

No dia 05 de junho de 2002, eu e meu Bispo Dom Manoel Pestana Filho, fomos a Brasília, a fim de tentar impedir que o Senado Federal, em decisão final, ratificasse o Protocolo Facultativo à CEDAW.

A matéria, codificada sob o número PDS 1/2002 (Projeto de Decreto Legislativo n.º 1, do ano de 2002) constituía o item 5 da pauta da ordem do dia da sessão do plenário, marcada para começar às 10 horas.

Como de costume, alguém — no caso a senadora Emília Fernandes (PT/RS) — relatora do projeto e ardente defensora do Protocolo, fez um requerimento de “inversão de pauta”. Assim, subitamente, o item 5 passou para o primeiro lugar (convém notar a pressa que certos grupos têm na aprovação de certos projetos).

A tribuna de honra do Senado estava cheia de feministas, conhecidas de outras ocasiões, freqüentadoras assíduas do Congresso Nacional, sempre se está votando algo que trate do direito ao aborto, ao homossexualismo e coisas semelhantes. Eram membros do CFEMEA (Centro Feministas de Estudos e Assessoria), um eficiente “lobby” abortista instalado em Brasília e que monitora todas as proposições que tramitam pelo Poder Legislativo.

Eu e meu Bispo tentamos conversar com alguns Senadores, pedindo-lhes que votassem contra a proposta, uma vez que, além de ferir a soberania nacional, ela facilitaria enormemente a legalização do aborto, do lesbianismo, da prostituição… considerados pelo “Comitê” da CEDAW como “direitos da mulher”. A presença de Dom Manoel Pestana perturbou visivelmente as feministas e os Senadores a elas ligados. O Senador Álvaro Dias (PDT/PR) leu em público uma carta escrita pelo Bispo solicitando a rejeição da matéria. Seu colega, o Senador Mauro Miranda (PMDB/GO) leu parte da lista dos 71 Bispos que subscreveram a Carta subscrita durante a 40ª Assembléia Geral da CNBB em Itaici.. A desautorização de tal Carta por Dom Aloysio Penna foi, porém, o argumento-chave, usado e repetido pela Senadora Emília Fernandes (PT/RS), a fim de obter a ratificação do Protocolo Facultativo à CEDAW.

Houve a intervenção de vários militantes pró-aborto, entre os quais cumpre destacar o Senador Roberto Freire (PPS/PE) e a Senadora Heloísa Helena (PT/AL). No entanto, nunca será demais salientar a importância da desautorização pública da Carta dos 71 Bispos, feita por Dom Aloysio Penna. A Senadora Emília Fernandes leu várias vezes as palavras de Dom Aloysio segundo o qual a Carta dos 71 Bispos havia sido “uma falha”, e não correspondia absolutamente ao pensamento da CNBB.

Embora os Senadores se impressionassem com a lista de Bispos signatários, que foi lida em parte pelo Senador Mauro Miranda, não foi bem sucedida a tentativa de adiar mais uma vez a votação, até que a CNBB esclarecesse de quem tinha sido a falha: de Dom Aloysio ou dos 71 Bispos.

Dois senadores, Carlos Patrocínio (PTB/GO) e Nabor Júnior (PMDB/AC) encaminharam à mesa um requerimento solicitando o adiamento da votação da matéria (PDS 1/2002). Em um primeiro momento, o presidente Ramez Tebet anunciou que o requerimento havia sido aprovado por maioria. No entanto, houve protestos no plenário e o presidente solicitou aos Senadores que fizessem uma votação eletrônica, através do painel. Nesse ínterim, um grande tumulto houve entre os parlamentares. O Senador Roberto Freire (PPS/PE) tentou convencer seus colegas de que a CNBB já havia discutido a questão, e que a tentativa de adiamento se devia apenas a um pequeno grupo (nesse momento ele apontou para mim e para Dom Manoel Pestana).

Graças ao engenho e à habilidade de Roberto Freire, graças à eloquência de Emília Fernandes e aos ataques violentos de Heloísa Helena, ocorreu algo de estranho. Senadores já comprometidos a votar em nosso favor, como Bernardo Cabral (PFL/AM) e Romeu Tuma (PFL/SP), na hora “H” votaram contra o requerimento de adiamento.

Resultado: 15 votos a favor do adiamento; 40 votos contra o adiamento da matéria; TOTAL: 55 Senadores presentes (não houve abstenção).

Uma vez rejeitado o requerimento, foi a hora de votar o Protocolo Facultativo.

“As Srªs e Srs. Senadores que o aprovam queiram permanecer sentados.” — disse o presidente Ramez Tebet.

Apenas uns poucos Senadores se levantaram: Mauro Miranda (PMDB/GO), Iris Rezende(PMDB/GO), Maguito Vilela(PMDB/GO), Carlos Patrocínio (PTB/GO), Pedro Simon (PMDB/RS), Álvaro Dias (PDT/PR), Jonas Pinheiro (PFL/MT) e Osmar Dias (PDT/PR).

Assim, o projeto foi aprovado por maioria. Isso aconteceu no dia 5 de junho de 2002, por volta de 12h 45min.

O Protocolo Facultativo foi ratificado. E depois que ele for entregue à ONU, o Brasil integrará o rol dos súditos do Comitê de “peritos” que tanto tem perturbado a comunidade internacional. É de se esperar que, após tal ratificação, chovam denúncias de que o Brasil não tem levado a sério o combate a “todas as formas” de discriminação contra a mulher. Preparemo-nos para ver os integrantes do famoso Comitê desembarcarem em território brasileiro, a fim de verem se os abortos estão sendo bem feitos, se os “casais” de lésbicas gozam de direitos civis e se as prostitutas adquiriram direitos trabalhistas.

Em vários países, o triste Protocolo foi ratificado. No caso, do Brasil, porém, há uma peculiaridade. Até prova em contrário, trata-se do primeiro país do mundo em que a ratificação se deu com a conivência explícita de uma Conferência Episcopal.

Nunca será demais ressaltar o valor decisivo das palavras de Dom Aloysio Penna, que ressoaram nos lábios da Senadora Emília Fernandes, dizendo que a carta de protesto da CNBB tinha sido “uma falha” e que não correspondia absolutamente ao pensamento da CNBB. Sem a intervenção de Dom Aloysio, a ratificação do Protocolo, embora possível, seria muitíssimo mais difícil.

PUBLICAÇÃO NO DIÁRIO OFICIAL

DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO

Ano CXXXIX Nº 108

Brasília – DF, sexta-feira, 7 de junho de 2002.

(página 1)

Atos do Congresso Nacional

Faço saber que o Congresso Nacional aprovou e eu, Ramez Tebet, Presidente do Senado Federal, nos termos do art. 48, inciso XXVIII, do Regimento Interno, promulgo o seguinte:

DECRETO LEGISLATIVO

N.º 107, DE 2002(*)

Aprova o texto do Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, assinado pelo governo brasileiro no dia 13 de março de 2001, na sede das Nações Unidas, em Nova Yorque.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Fica aprovado o texto do Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, assinado pelo governo brasileiro no dia 13 de março de 2001, na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque.

Parágrafo único: Ficam sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido Protocolo, bem como quaisquer ajustes que, nos termos no inciso I do art. 49 da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional.

Art. 2º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação.

Senado Federal, em 6 de junho de 2002

Senador RAMEZ TEBET

Presidente do Senado Federal

 

(*) O texto do Protocolo acima citado está publicado no DSF de 19.02.2002.

 


AUTODEFESA DE DOM ALOYSIO PENNA

Eu gostaria de deixar claro que a posição assumida por mim, como representante do Setor Família e Vida da CNBB, foi assumida depois de a gente ter consultado a cerca de dez assessores dos mais categorizados, que estavam reunidos em Brasília. Depois, eu fiz o pronunciamento, escrevi, apresentei ao presidente da CNBB, ao vice-presidente, ao secretário geral e fiz o pronunciamento no Senado. O que eu disse no Senado foi a defesa da vida. Só que tem que eu falei de uma maneira positiva, porque nós estamos numa sociedade pluralista. Então eu citei o Evangelho, citei documentos do Papa etc. … que Jesus Cristo propõe o Evangelho, e não impõe. A grande diferença é essa. Então a obrigação de nós, católicos, é falarmos, inclusive eu citei a “Evangelium Vitae”, do Santo Padre João Paulo II, e outros documentos da Igreja, e propus a nossa tese, de defesa da vida desde a concepção até a morte natural. E falei contra o aborto… Agora, eu falei de uma maneira que… eu expunha uma posição da Igreja Católica, mas sem agressividade. Essa foi a única diferença. Por isso estão-me atacando. Agora, eu não posso interferir, nem adiantaria, se eu não tivesse falado nada, esse Protocolo seria votado. Porque o Protocolo… ele não entra no mérito da questão sobre o aborto ou sobre a vida. Ele é simplesmente um Protocolo, que tem um Comitê, que é encarregado de receber qualquer acusação contra os direitos das mulheres. Então, ele é neutro. Agora, existem, como este, outros Protocolos. E eles disseram que ia contra a soberania nacional. Agora, a gente sabe que, por exemplo, a Anistia Internacional, o Comitê contra a Tortura, eles chegam no Brasil e denunciam as coisas contra os direitos humanos, quando se tortura etc. … Agora, o Brasil é soberano para assumir a posição que ele achar mais conveniente. O Protocolo já tinha sido assinado aí na ONU, por mais de 74 países, e já tinha sido aprovado pelo Parlamento, pelos Deputados, e estava para ser votado no Senado. Agora, a minha posição no Senado, eu acho que até contribuiu para os Senadores refletirem mais sobre a grande tese da Igreja. Porque o que eles estavam sendo… é… assim, bastante pressionados, é numa posição totalmente agressiva, que fazia com que inclusive eles não aceitassem de uma maneira simpática as teses da Igreja em defesa da vida.

(Fonte: Rádio Vaticano, 7/6/2002, ENTREVISTA COM DOM ALOYSIO LEAL PENNA, ARCEBISPO DE BOTUCATU. Disponível em: http://www.radiovaticano.org/portuguese/brasarchi/2002/RV23_2002/02_23_73.htm)



QUAL A POSIÇÃO DA CNBB?

O ano de 2002 marca o 50º aniversário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, homenageada, em sessão especial do Senado, na manhã de 23 de maio. No dia seguinte, o Jornal do Senado dedicou duas páginas (p. 4 e 5) à sessão de homenagem à CNBB.

Paradoxalmente, o mesmo ano marca um enigmático episódio para a Entidade. Enquanto os Episcopados argentino e chileno têm lutado energicamente para que o Protocolo Facultativo não seja ratificado em seus países, a CNBB, movendo-se em sentido diametralmente oposto, apoiou tal ratificação pelo Brasil.

Terá sido a CNBB ou apenas um Bispo que falou “em nome da CNBB”? Espero que a questão se esclareça o quanto antes, a fim de pôr termo à perplexidade dos que assistiram ao discurso de Dom Aloysio, feito no dia 21 de maio e transmitido pela TV Senado no dia 27 de maio.

Caso, porém, permaneça o silêncio diante do ocorrido, deixo aqui um alerta aos membros do Senado Federal:

Senhores Senadores.

Se alguma vez os senhores receberem um documento com o timbre da CNBB, com a assinatura de dezenas de Bispos, acompanhado de um ofício de encaminhamento, tomem cuidado! Não tenham a imprudência de considerar oficial tal documento, ainda que ele seja entregue pessoalmente pelo secretário geral da Conferência. Pois é possível que, algumas semanas depois, um outro Bispo, em nome da mesma CNBB, diga que tal documento foi “uma falha”. E a palavra deste último é que prevalecerá.


Anápolis, 30 de junho de 2002.

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

Presidente do Pró-Vida de Anápolis.

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