(chegou a nossa hora de fazer algo)
Quando eu era jovem, uma freira, dirigindo-se a um grupo de jovens perguntou-nos: “Se você fosse Deus por cinco minutos, o que faria?”.
Houve quem respondesse que faria maravilhas se, durante cinco minutos, gozasse da onipotência de Deus: acabaria com as guerras, alimentaria os famintos, curaria todos os doentes, evitaria a morte, transformaria a Terra em um paraíso…
Eu, porém, fiquei muito perturbado com a pergunta, pois pensei: que mais Deus poderia fazer e não fez por nós? Se Ele enviou seu próprio Filho como vítima de expiação por nossos pecados (1Jo 4,10), se enviou o Espírito Santo para nossa santificação (At 2,4), se nos adotou como filhos pelo sacramento do Batismo (Rm 8,15), se nos preparou um Reino desde a criação do mundo (Mt 25,34) para que nele entrássemos, se nos deu o Pão do Céu que nos dá a vida eterna e nos garante a ressurreição no último dia (Jo 6,54), que mais poderia ele ter feito pela nossa salvação? Se eu fosse Deus por cinco minutos – pensei – ficaria desesperado.
Paradoxalmente, na minha condição de criatura viajante sobre a terra, eu me senti mais “poderoso” que o próprio Deus. Pois aqui e agora eu posso, com meu sofrimento livremente aceito e oferecido, completar “na minha carne, o que falta das tribulações de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24). Agora eu posso acumular merecimentos sobrenaturais que, além de servirem para minha santificação (mérito de condigno), poderão ser transferidos para outros (mérito de côngruo), pela expiação de seus pecados (valor satisfatório) e pela obtenção de favores divinos (valor impetratório). Agora eu posso, na qualidade de escravo, depositar esse tesouro, como em um banco (Mt 25,27), nas mãos de Maria Santíssima, para que ela o proteja dos inimigos, faça-o crescer e os distribua como quiser para a maior glória de Deus.
O próprio Cura de Ars, São João Maria Vianney, reconhecia isso:
Se compreendêssemos bem nossa felicidade, quase poderíamos dizer que somos mais felizes que os santos do céu. Eles vivem dos seus rendimentos, não mais podem ganhar, ao passo que nós podemos aumentar a cada instante o nosso tesouro.
O Céu é bom, mas lá já não há mais ocasião para merecer. De fato, foi nesta vida terrestre que Cristo obteve para si (como homem) e para nós, homens, todos os méritos. Hoje, ressuscitado e sentado à direita do Pai, com um corpo glorioso, ele desfruta do que mereceu em sua vida terrestre. Hoje, na Eucaristia e nos demais sacramentos, recebemos a “abundância da graça” (Rm 5,17) obtida por Aquele que se fez “obediente até a morte” (Fl 2,8).
Também foi nesta vida terrestre que Maria Santíssima cooperou de modo singular com nossa Redenção tornando-se nossa Mãe na ordem da graça (Jo 19,25-27). Hoje, embora esteja na glória celeste, “vestida de sol” (Ap 12,1), ela parece mostrar-se impotente para evitar a ruína eterna das almas. Na quarta aparição de Fátima, em agosto[1] de 1917, a Virgem Maria disse com aspecto tristonho:
Rezai, rezai muito e fazei sacrifícios pelos pecadores, que vão muitas almas para o inferno por não haver quem se sacrifique e peça por elas.
As crianças de Fátima, que no dia 13 de julho haviam ficado horrorizadas com a visão do inferno, levaram a sério o pedido de Nossa Senhora. Ouçamos como Lúcia, a mais velha, narra a alegria de poder sofrer pelos pecadores:
Passados alguns dias, íamos com nossas ovelhinhas por um caminho, no qual encontrei um bocado duma corda dum carro. Peguei nela e, brincando, atei-a a um braço. Não tardei a notar que a corda me magoava. Disse, então, para meus primos:
– Olhem: isto faz doer. Podíamos atá-la à cinta e oferecer a Deus este sacrifício[2].
Dividiram a corda em três pedaços, fizeram nela alguns nós (para aumentar a dor) e cada um a amarrou à cintura. Usaram-na sempre, sem que ninguém o descobrisse.
São Francisco Xavier (1506-1552) que, partindo da Europa em 1541, evangelizou incansavelmente por dez anos a Índia e o Japão, escrevia a Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus:
Nestas paragens, são muitíssimos aqueles que não se tornam cristãos, simplesmente por faltar quem os faça tais. Veio-me muitas vezes ao pensamento ir pelas academias da Europa, particularmente a de Paris, e por toda a parte gritar como louco e sacudir aqueles que têm mais ciência do que caridade, clamando: ‘Oh! Como é enorme o número dos que, excluídos do céu, por vossa culpa se precipitam nos infernos!’
Quem dera que se dedicassem a esta obra com o mesmo interesse com que se dedicam às letras, para que pudessem prestar contas a Deus da ciência e dos talentos recebidos![3]
É verdade que a todos Deus dá as graças necessárias à salvação. Portanto, quem se condena, condena-se por culpa própria. Mas também é verdade que os pecadores receberiam graças maiores se contassem com o nosso sacrifício e a nossa intercessão. E tais graças, que dependem de nós, seriam suficientes para evitar que muitos fossem para o inferno.
As cidades de Tiro e Sidônia foram destruídas por causa de seus pecados. Mas segundo palavras do Senhor, seus habitantes se teriam arrependido, “vestindo-se de cilício e cobrindo-se de cinzas” (Mt 11,21), se tivessem presenciados os milagres por ele feitos em Corazim e Betsaida.
Ouçamos o que diz São João Paulo II:
Precisamente neste sentido, se pode interpretar a resposta de Caim à pergunta do Senhor ‘onde está Abel, teu irmão?’: ‘Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?’ (Gn 4,9). Sim, todo homem é ‘guarda do seu irmão’, porque Deus confia o homem ao homem[4].
Cabe a nós, portanto, não apenas livrar as criancinhas do crime abominável do aborto, mas também batizá-las, salvar as almas das mães gestantes em desespero e livrar o país de ter o aborto aprovado em suas leis. Esta promoção e defesa da vida e da família é, nas palavras de São João Paulo II, “o trabalho mais importante da terra”[5].
Comunidade de Irmãs pró-vida
Com a bênção da obediência a nosso bispo diocesano Dom João Wilk, desejamos, se for da vontade de Deus, formar uma comunidade feminina para morar na sede do Pró-Vida de Anápolis e dedicar-se ao trabalho mais importante da terra. Tais moças deverão assemelhar-se aos anjos pela pureza e pelo cuidado com as criancinhas[6]. Deverão ser apressadas em cumprir sua tarefa, assim como Maria Santíssima dirigiu-se “às pressas” (Lc 1,39) até a casa de Isabel, grávida de seis meses, a fim de prestar-lhe serviço. Deverão ser silenciosas, como Maria Santíssima, que observava todas as coisas, “meditando-as em seu coração” (Lc 2,19.51) e como São José, que, sem dizer uma palavra, sempre obedeceu com prontidão às ordens do anjo (Mt 1,24; 2,14.21). Deverão ser perseverantes na oração, à semelhança dos apóstolos que, com Maria, oraram continuamente (At 1,14) pedindo a vinda do Espírito Santo. A vida de oração terá seu centro e sua fonte na Eucaristia, com a Santa Missa diária, a Comunhão Eucarística diária e a Adoração eucarística diária.
Por ora, não farão votos de pobreza, obediência e castidade, como fazem as religiosas, mas farão o propósito de conservar-se castas e continentes, de viverem daquilo que os doadores oferecem à nossa instituição e de obedecerem a uma superiora, que deverá ser a última de todas e a serva de todas (Mc 9,35).
Por ora, não usarão hábito religioso, mas se vestirão com um uniforme modesto e se absterão de todas as vaidades, para se adornarem com boas obras (1Tm 2,10).
Não peço a Deus que escolha tais irmãs, mas que ele mostre quem escolheu. Assim orou Pedro pedindo ao Senhor que mostrasse quem havia escolhido para tomar o lugar deixado por Judas Iscariotes (At 1,24). Pois se essa comunidade é querida por Deus, ele já escolheu aquelas que devem compô-la.
Se você for uma das escolhidas, venha às pressas até nós.
Anápolis, 1º de fevereiro de 2021.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis
[1] No dia 13 de agosto de 1917 as crianças estavam aprisionadas e não puderam ir à Cova da Iria. A quarta aparição se deu em Valinhos. Discute-se se ela ocorreu no dia 15 ou no domingo seguinte, dia 19.
[2] CARMELO DE SANTA TERESA. Um caminho sob o olhar de Maria, Coimbra: Carmelo, 2013, p. 82.
[3] Ofício das Leituras. Memória de São Francisco Xavier, 3 de dezembro. Segunda Leitura.
[4] Encíclica Evangelium vitae, n. 19.
[5] Em 17/11/1979, disse o Papa ao Pe. Paul Marx, fundador da Human Life International: “Você tem muita experiência. Você deve levar o movimento pró-vida a todo o mundo. Se você fizer isso, estará fazendo o trabalho mais importante da terra” (PAUL MARX. Faithful for life. Front Royal, VA, Human Life International, 1997, p. 161)
[6] “Não desprezeis nenhum desses pequeninos, porque eu vos digo que os seus anjos nos céus veem continuamente a face de meu Pai que está nos céus” (Mt 18,10).