(ADI 5581 é rejeitada no STF)
Enquanto a população estava reclusa, em “prisão domiciliar” como medida preventiva para o contágio do coronavírus, eis que no dia 13 de abril, o Supremo Tribunal Federal resolveu incluir na pauta do dia 24 de abril, em plenário virtual, o julgamento da ADI 5581, a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Associação Nacional de Defensores Públicos (ANADEP) com o pedido de liberar o aborto de crianças com microcefalia. A ação havia sido protocolada em 24/08/2016, na época da epidemia do Zika vírus, e pedia, entre outras coisas, que a gestantes infectadas pudessem abortar seus filhos (que, supostamente, estariam afetados por microcefalia) sem que tal “interrupção da gravidez” pudesse ser incluída nos artigos do Código Penal que incriminam o aborto. Na época, a ação havia sido proposta no intuito de avançar mais um pouco em relação à ADPF 54 (aborto de anencéfalos), que fora aprovada quanto ao mérito em abril de 2012, quando a Suprema Corte decidiu que não poderia ser considerada crime a “antecipação terapêutica de parto” (ATP) de crianças com anencefalia.
Depois do aborto de anencéfalos (ADPF 54) viria o aborto de microcéfalos (ADI 5581) até a liberação total do aborto.
Ninguém mais, porém, pensava na ADI 5581 depois que o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizou 08/03/2017 a ADPF 442, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental solicitando que os artigos 124 e 126 do Código Penal, que incriminam o aborto, fossem interpretados de modo que se excluísse “do seu âmbito de incidência a interrupção da gestação induzida e voluntária realizada nas primeiras 12 semanas”. Quem pensaria no aborto de crianças microcéfalas (ADI 5581) quando já estava em debate no STF o aborto de crianças por simples solicitação da gestante até três meses de vida (ADPF 442)?
No dia 19 de abril, Domingo da Misericórdia, a presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) emitiu uma nota “Em defesa da vida: é tempo de cuidar”[1] manifestando preocupação e perplexidade pelo julgamento em sessão virtual da ADI 5581 “neste tempo de pandemia do COVID-19”. Dizia um trecho da nota:
Não compete a nenhuma autoridade pública reconhecer seletivamente o direito à vida, assegurando-o a alguns e negando-o a outros. Essa discriminação é iníqua e excludente; “causa horror só o pensar que haja crianças que não poderão jamais ver a luz, vítimas do aborto”. São imorais leis que imponham aos profissionais da saúde a obrigação de agir contra a sua consciência, cooperando, direta ou indiretamente, na prática do aborto.
Em 22 de abril, Dom João Wilk publicou uma “Nota da Diocese de Anápolis em defesa e promoção da vida desde a concepção até o seu declínio natural”[2], manifestando surpresa pela notícia, “em meio à pandemia do Covid-19”, da fixação do julgamento, em forma virtual, “da ADI 5581, que pede a liberação do aborto em caso de infecção por zika vírus”. Eis um trecho da nota:
A Diocese de Anápolis se une mais uma vez a todas as vozes que se levantam para dizermos também que “Somos contra o aborto em qualquer circunstância” e que apelamos para os sentimentos filiais que existem em cada membro do STF, cujos pais desejaram e permitiram que eles nascessem e que hoje reconheçam que este é um direito inalienável de todo ser humano, pois “se uma vida não tem valor, nenhuma vida tem valor”. Que eles, ao votarem, tenham no pensamento e no coração a imagem dos seus próprios pais.
O Bispo conclamou a todos que se mobilizassem “para fazer ressoar em todos os meios de comunicação possíveis a voz a favor da vida e contra a liberação do aborto”.
De fato, nos dias que antecederam o julgamento, houve um grande número de pessoas, incluindo fiéis leigos, padres e até bispos que gravaram mensagens em forma de vídeo contra a pretensão da ADI 5581. Houve também muita gente rezando para que “a maldição do aborto” – nas palavras do saudoso Dom Manoel Pestana – não caísse sobre o Brasil.
Na sexta-feira, dia 24/04/2020, teve início o julgamento virtual. A relatora, Ministra Carmen Lúcia emitiu um voto em que dizia: “Julgo prejudicada a Ação Direta de Inconstitucionalidade e não conheço da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental”. Não foi um voto “contra o aborto”, como foi divulgado por alguns, mas contra o seguimento da ação, sem entrar no mérito do pedido. Tal voto foi seguido pelos demais ministros do STF. O último a votar, Luís Roberto Barroso, em 30/04/2020, não quis manifestar divergência “diante da maioria que já se formou no Plenário Virtual pela existência de óbice processual ao seguimento de ambas as ações”[3]. No entanto, não deixou de fazer “uma ressalva e uma reflexão”. A ressalva é que, na opinião dele, a ANADEP teria legitimidade para ajuizar a ação, sob a forma de ADPF (se ele tivesse sido o relator, a ação teria sido conhecida). A reflexão é que a extinção do processo adiou a discussão do “tratamento constitucional e legal a ser dado à interrupção da gestação, aos direitos fundamentais da mulher e à proteção jurídica do feto”. Note-se que, para Barroso, enquanto a mulher tem “direitos fundamentais”, o nascituro (por ele chamado “feto”) tem apenas uma “proteção jurídica”, semelhante àquela que têm a fauna, a flora e os bens patrimoniais. E mais ainda: “Mulheres são seres autônomos, que devem ter o poder de fazer suas escolhas existenciais, e não úteros a serviço da sociedade”.
Como se vê, o Ministro Barroso, que, quando era advogado, pleiteou incansavelmente pela liberação do aborto de anencéfalos desde 2004 na ADPF 54, ao se tornar juiz não deixou de advogar em favor do aborto. Em seus votos, não perde ocasião de manifestar seu descontentamento pela incriminação do aborto e sua ansiedade para que a Suprema Corte, reinterpretando a Constituição e o Código Penal, decida, a seu bel-prazer, que a criança por nascer, com ou sem microcefalia, não goza do direito à vida.
O placar de 11 votos contra zero é motivo para louvarmos a Deus, mas não significa, de modo algum, que os onze ministros sejam pró-vida. Dentre eles, creio que todos são favoráveis ao ativismo judicial, ou seja, ao direito da Suprema Corte de atuar como legislador positivo ao interpretar a lei “conforme a Constituição”, usurpando competência do Congresso Nacional. Quanto ao mérito, talvez somente Ricardo Lewandowski – que votou contra o aborto de anencéfalos (ADPF 54) e contra a destruição de embriões humanos (ADI 3510) – seja contrário ao aborto. O perigo, portanto, foi adiado, mas permanece, pois a ADPF 442 (aborto livre nos três primeiros meses) pode ser posta em pauta a qualquer momento.
Anápolis, 4 de maio de 2020.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis