(carta enviada ao jornal O Globo em março de 2004 pela Dra. Lúcia Pedroso Barbosa, médica, ultra-sonografista e mãe de sete filhos)

Sou médica e mãe de sete filhos, sendo cinco biológicos e dois adotivos. No dia 06/03/2004, ao ler o jornal O GLOBO, havia me deparado com um artigo, de autoria de uma antropóloga, entitulado “O direito ao aborto”, que tratava especificamente do caso de malformações fetais incompatíveis com a vida, como a anencefalia, e defendia a prática do aborto “terapêutico” em tais casos.

Coincidentemente, na quinta-feira, dia 11/03, veio uma paciente ao meu consultório de ultrasonografia, com o intuito único de relatar sua experiência a esse respeito. Há poucos meses, ela se encontrava grávida de um filho anencéfalo, veio então ao meu consultório para um exame e disse estar se sentindo oprimida, pois seu médico havia recomendado a interrupção da gravidez, o que ela não desejava fazer. Eu lhe expliquei, na época, que não havia nenhuma indicação clínica para tal procedimento, ou seja, que ela não corria nenhum risco e se, mesmo sabendo que seu filho não sobreviveria, de qualquer modo preferisse esperar para que as coisas acontecessem naturalmente, poderia fazê-lo sem problemas.

  • Meu filho viveu apenas duas horas, disse-me ela nesta última visita, mas eu estou em paz.

Depois de alguma reflexão, baseada em meus conhecimentos de médica e de mãe, gostaria de expor alguns pontos que penso não estarem bem esclarecidos:

1. O termo “aborto terapêutico” não se aplica no caso da má-formação incompatível com a vida pois terapêutico refere-se a tratamento e, com uma clareza cristalina, é possível perceber que o aborto desses fetos não trata doença alguma. Na minha experiência profissional (acompanho o antes e o após) vejo com igual clareza que a “antecipação” do parto não trata, como sugere a antropóloga, sequer os danos psicológicos à família.

2. A gestação de anencéfalos (assim como de outras malformações inviáveis) não coloca a vida da gestante em risco. A informação em sentido contrário é completamente infundada e, diria que, até irresponsável, só aumentando, equivocadamente, o sofrimento da gestante que se encontra nesse momento tão crítico.

3. Como última ponderação gostaria de citar um valor que ensino repetidamente aos meus filhos: “A vida não é como nós queremos, entretanto é maravilhoso vivê-la”. Para que possamos ser felizes é urgente aceitar e amar a vida como ela se nos oferece. Os filhos não são o reflexo dos nossos sonhos, são seres independentes de nós e eles têm sim o direito à vida, não nos cabe julgar se ela é ou não como nós sonhamos. Acho que é preciso parar de sonhar e começar a viver.

Gostaria, antes de encerrar, dizer que o amor que temos pelos filhos não está na dependência de quanto tempo temos para viver com eles (9 meses ou 90 anos) ou de quão perfeitos eles são. Digo isto tranqüilamente, pois tenho um filho deficiente visual, que não nasceu da minha barriga, mas renasceu pelo meu coração.

Lucia Pedroso Barbosa

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