(o esplendor da verdade é nossa arma contra os fautores da morte)

AscensaoAntes de subir aos céus, Jesus disse aos discípulos: “Eis que eu vos enviarei o que meu Pai prometeu. Por isso, permanecei na cidade até serdes revestidos da força do Alto” (Lc 24,49). E ainda: “Recebereis uma força, a do Espírito Santo que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e a Samaria, e até os confins da terra” (At 1,8).

Imaginemos que os apóstolos, em vez de perseverarem unânimes, em oração, com “Maria, a mãe de Jesus” (At 1,14), tentassem discutir entre si um plano para evangelizar o mundo. Pareceria talvez imprudente anunciar de uma vez que Cristo ressuscitara. Melhor seria primeiro convencer o povo que Jesus fora inocentemente condenado. Superada esta fase, aí sim poder-se-ia afirmar que ele havia ressuscitado. Somente num terceiro momento, já consolidada a ideia da ressurreição, é que se poderia exortar o povo à conversão e ao Batismo.

At114Felizmente, porém, os apóstolos não fizeram nenhum sínodo nem consumiram seu tempo em discussões intermináveis sobre estratégias pastorais. Que fizeram? “Todos eles, unânimes, perseveravam na oração com algumas mulheres, entre as quais Maria, a mãe de Jesus” (At 1,14). O resultado desses nove dias passados em oração unânime, perseverante e com Maria é descrito a seguir:

“Tendo-se completado o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente, veio do céu um ruído como o agitar-se de um vendaval impetuoso, que encheu toda a casa onde se encontravam. Apareceram-lhes, então, línguas como de fogo, que se repartiam e pousavam sobre cada um deles. E todos ficaram repletos do Espírito Santo e começaram a falar em línguas, conforme o Espírito lhes concedia se exprimissem” (At 2,1-4).

Impelido pelo Espírito Santo, num único discurso Pedro falou sobre a inocência de Jesus, anunciou a sua ressurreição, exortou o povo à conversão e convidou-o ao Batismo para a remissão dos pecados. E naquele dia cerca de três mil pessoas acolheram a palavra de Pedro e fizeram-se batizar (At 1,41).

Não estava na previsão dos apóstolos que o diácono Estêvão fosse martirizado nem que houvesse uma grande perseguição em Jerusalém. Mas tal perseguição, prevista e permitida por Deus, serviu para que os cristãos se dispersassem pelas regiões da Judeia e Samaria (At 8,1) e fundassem a comunidade de Antioquia (At 11,19). Ninguém podia imaginar que Saulo, cruel perseguidor, que havia concordado com a execução de Estêvão, seria convertido na estrada de Damasco (At 9,3) e fosse trazido de Tarso para Antioquia por Barnabé (At 11,25-26), tornando-se o grande apóstolo Paulo. Mas os apóstolos, em vez de confiarem em suas próprias forças, deixaram-se conduzir pelo Espírito de Deus (Rm 8,14), que “sopra onde quer” (Jo 3,8).

CruzEm sua segunda viagem missionária, Paulo fez um erudito discurso no areópago de Atenas, citando escritores gregos e convidando os atenienses a adorarem o Deus único e a se arrependerem em vista do julgamento que se fará por meio de Jesus, a quem Deus ressuscitou dos mortos. Mas, “ao ouvirem falar da ressurreição dos mortos, alguns começaram a zombar, enquanto outros diziam: ‘A respeito disto vamos ouvir-te outra vez’” (At 17,32). O fracasso da pregação foi quase completo. Somente alguns se converteram, entre os quais Dionísio, o areopagita e Dâmaris (At 17,33). Seria de se esperar que Paulo, tendo partido de Atenas para Corinto (At 18,1), tomasse maior cuidado em falar da ressurreição, tão contrária à mentalidade grega. No entanto, longe de ser mais comedido, Paulo radicalizou o discurso. Aos coríntios ele evitou a “persuasiva linguagem da sabedoria” (1Cor 2,4) que havia usado em Atenas e não quis saber outra coisa “a não ser Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado” (1Cor 2,2). A cruz, mais escandalosa que a ressurreição, estava ausente no discurso de Atenas (At 17,22-31). Em Corinto, ela estará no centro da pregação. Aos coríntios ele anunciará o Evangelho “sem recorrer à sabedoria da linguagem, a fim de não tornar vazia a cruz de Cristo” (1Cor 1,17).

Os exemplos acima demonstram a “intrepidez” (At 4,29.31) com que os apóstolos anunciaram a palavra de Deus, sem se intimidarem pelos obstáculos encontrados ou pela aparente impossibilidade de transpô-los.

Infelizmente pude constatar como, no Brasil e no exterior, há defensores da vida tímidos, incapazes de qualquer atitude radical, por medo de alguma reação. Enquanto estive em Roma, percebi que o “Movimento per la vita” não ousava falar em revogar a terrível lei 194 de 1978, que havia introduzido o aborto na Itália. Falava-se apenas em fazer “modificações” na lei para reduzir o número de abortos.

No Brasil, no início deste ano, falou-se em aprovar a PEC 29/2015 (chamada “PEC da vida”) incluindo na Constituição Federal duas exceções para a não punição do aborto. Na reunião da qual participei no gabinete do Senador Eduardo Girão em 28/02/2019, percebi que não se cogitava em extirpar o aborto de nossa legislação. Pretendia-se apenas evitar que o abortismo avançasse.

ChrisE quando em 15/05/2019 a deputada Chris Tonietto (PSL/RJ) protocolou, juntamente com o deputado Filipe Barros (PSL/PR), o Projeto de Lei 2893/2019, que revoga o artigo 128 do Código Penal com suas duas hipóteses de não punição do aborto, pude constatar o quanto a jovem parlamentar foi pressionada pelos próprios amigos pró-vida a retirar de pauta sua proposição. Segundo eles, aquele projeto era suicida, o povo não estava preparado para aceitar a punição do aborto sem exceções, seria preciso avançar passo a passo sem queimar etapas etc., etc., etc. Mas Chris Tonietto manteve-se firme. Além disso, em 18/07/2019 apresentou um outro projeto, o PL 4150/2019, que corrige o artigo 2º do Código Civil para estabelecer que “a personalidade civil do ser humano começa desde a sua concepção”.

VSEntre nós nem todos perceberam que a verdade é nossa arma. O “esplendor da verdade”, na feliz expressão de São João Paulo II, afugenta os fantasmas noturnos do aborto. “Vistamos a armadura da luz” (Rm 13,12). Não precisamos de dissimulações, subterfúgios e enganos. “Não somos da noite nem das trevas” (1Ts 5,5). Enquanto nossos adversários precisam chamar o aborto de “interrupção da gravidez”, a criança por nascer de “feto” ou “concepto”, para nós basta falarmos a verdade. Enquanto os abortistas precisam fugir das imagens de crianças abortadas e dos testemunhos de mães traumatizadas pelo aborto, nós não temos do que fugir. O pretexto de salvar a vida da gestante cai por si mesmo quando demonstramos a imoralidade e a inutilidade do aborto em tal caso. A ilusão de que o aborto reduziria os traumas do estupro que resultou em gravidez dissolve-se pelo simples testemunho de mulheres que passaram por tal situação. Ocultar a verdade – aquela que deve ser a nossa arma! – por “motivos estratégicos” é indigno da causa pró-vida.

Jesus disse de si mesmo: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). E a nós, que refletimos sua luz, ele disse: “Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte” (Mt 5,14). E ainda: “Quem faz o mal odeia a luz e não vem para a luz, para que suas obras não sejam demonstradas como culpáveis. Mas quem pratica a verdade vem para a luz, para que se manifeste que suas obras são feitas em Deus” (Jo 3,20-21).

Maria estrelasConosco está aquela “Mulher vestida com o sol, tendo a lua sob os pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas” (Ap 12,1). Grávida, essa Mulher toda luminosa venceu o Dragão que queria devorar seu Filho (Ap 12,4). “Enfurecido por causa da Mulher, o Dragão foi guerrear contra o resto dos seus descendentes” (Ap 12,17), que somos nós. Em nossa luta contra o “homicida desde o princípio” e o “pai da mentira” (Jo 8,44), nossa arma não pode ser outra senão a luz da verdade.

Anápolis, 08 de outubro de 2019.

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

Presidente do Pró-Vida de Anápolis.

 

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