(liminar que cassava decisão de juiz não chegou a tempo de impedir o aborto de uma criança anencéfala em Goiânia)

No dia 16 de novembro de 2004, o juiz de Direito Dr. Jesseir Coelho de Alcântara, da 1ª Vara Criminal de Goiânia (GO), expediu uma autorização para o aborto de uma criança anencéfala de cinco meses, no ventre da Sra. Sélia Francisca dos Santos. Em sua decisão, o juiz dizia:

Como magistrado já autorizei em duas ou três ocasiões, aborto de feto anencefálico, acatando parecer ministerial e laudo médico específico” [grifo nosso].

E mais adiante: “Quem se sentir lesado, que recorra“.

Evidentemente o maior de todos os lesados, o nascituro, não tinha possibilidade de recorrer. A mãe Sélia e seu marido estavam sofrendo forte pressão dos médicos, como infelizmente costuma acontecer em tais circunstâncias.

Felizmente houve em Goiânia quem se preocupasse com o bebê deficiente: a advogada Magda Regina Alves Ferreira (OAB/GO 18.466), que no dia 18 de novembro de 2004 impetrou um habeas corpus com pedido de liminar em favor do nascituro, junto ao Tribunal de Justiça de Goiás.

O processo, que recebeu o número 200402082081, foi distribuído para a Primeira Câmara Criminal, tendo por relator o Desembargador Byron Seabra Guimarães. No dia 22 de novembro de 2004, o desembargador deferia o pedido de liminar, ordenando a sustação da decisão proferida pelo juiz Dr. Jesseir.

A notícia era boa. No entanto, só no dia 25 o ofício comunicando o despacho do desembargador chegou à 1ª vara criminal, onde trabalha o Dr. Jesseir. E o aborto já havia sido feito no dia 23. Tarde demais.

Mais uma criança teve sua morte antecipada pelo simples fato de ser gravemente doente. O aborto, longe de aliviar um suposto traumatismo psicológico para a mãe, tende a ser causa de um verdadeiro e duradouro traumatismo. O sofrimento de Sélia e seu marido devem começar agora.

No entanto, a decisão do Desembargador Byron merece aplausos quanto à sua fundamentação. Serve para fortalecer a jurisprudência já existente contrária ao aborto eugênico. Note-se a precisão dos termos usados na liminar: lá se fala da existência de dois casos de aborto impuníveis pela lei penal brasileira. Não fala de casos de abortos “permitidos” (que não existem). E acrescenta que o aborto eugênico nem sequer se encontra entre os isentos de pena. Vale a pena ler a decisão na íntegra.


Habeas Corpus 200402183724

Liminar concedida pelo Des. Byron Seabra Guimarães (fls.46 a 49 dos autos)

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL

Vistos etc.

A advogada MAGDA REGINA ALVES FERREIRA, inscrita na OAB-GO sob o n° 18.466, formulou requerimento de habeas corpus em favor do nascituro que se encontra em adiantado período de gestação, 05 (cinco) meses, no útero de sua mãe, SELIA FRANCISCA DOS SANTOS, brasileira, casada, do lar, portadora da CI-RG n° […] SSP-GO, residente […] em Goiânia, Goiás, o qual se encontra na iminência de sofrer constrangimento ilegal na sua liberdade de ir e vir e ameaça de morte por abortamento, ameaça à inviolabilidade do direito à vida previsto no artigo 5°, caput, da Constituição da República, consistente no decreto proferido pelo digno Juiz de Direito da 1a Vara Criminal desta Capital, nomeado autoridade coatora, o qual autorizou a realização de intervenção cirúrgica para retirada do nascituro; que, o referido ato está eivado de ilegalidade, abuso de poder e sem justa causa.
Argumenta que a decisão vergastada foi proferida em processo onde a gestante requereu autorização judicial para abortamento sob a alegação de que o nascituro estaria sem cérebro e por isso, pretendia a sua retirada do útero mediante intervenção cirúrgica;
que, postulada a autorização judicial, a autoridade acoimada de coatora determinou a realização de exame médico na gestante, tendo o resultado do exame havido a confirmação de que o nascituro seria portador de anencefalia;
que, diante dos fatos, a autoridade acoimada de coatora, deferiu a pretensão requerida e autorizou à gestante se submeter à intervenção cirúrgica visando à retirada prematura da criança do útero da mãe;
que, o artigo 3°, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assegura o direito à vida;
que, o caput do artigo 5° da Constituição Federal de 1.988, igualmente, determina que todos são iguais perante a lei e garante a inviolabilidade do direito à vida, estabelecendo como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida;
que, o artigo 2°, do Código Civil, preceitua que a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro;
que, não há previsão legal para autorização de aborto no texto de nossa legislação;
que, não prospera o argumento de que a gravidez acarretaria grande perigo para a gestante, colocando-a em risco de vida;
que, não há na literatura médica qualquer entendimento ou constatação científica de que, tratando-se quando há anencefalia da criança, há risco de vida para a mãe;
que, ao abrir-se tal precedente, estar-se-ia abrindo caminho para a legitimação, a legalização não só do aborto, mas da eutanásia e outras formas mais, correndo-se o risco da vida humana poder ser dizimada com o aval da justiça;
que, é entendimento de médicos especialistas na matéria que, se há risco para a mulher gestante de criança portadora de anencefalia ou outra má formação fetal, tal risco ocorre em qualquer outra espécie de gravidez;
que não há nenhuma previsão legal de autorização judicial para a prática de aborto, em que pese a decisão vergastada mencione tal previsão exista no artigo 128, incisos I e II, do Código Penal Brasileiro;
que, a anencefalia é grave e incurável, mas não retira a dignidade humana do nascituro, nem o seu direito à vida;
que, a interrupção da gestação provocará a morte do nascituro, não em virtude da má formação, mas em virtude da interrupção da gravidez;
que, não se pode argumentar que a intervenção apenas estará antecipando o inevitável, até porque a morte é inevitável para todos nós e a qualidade ou duração da vida não constituem títulos para o ser;
que, a vida humana deve ser tutelada em si mesma, sem qualquer atributo extrínseco.
Daí, o requerimento de liminar.

* * *

O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 128 e incisos, trata dos abortos não puníveis quando praticados por médico. São eles o aborto necessário – inciso I – e o aborto no caso de gravidez resultante de estupro – inciso II. Este, com consentimento da gestante ou de seu representante legal, quando incapaz. O primeiro, é o aborto praticado quando não há outro meio para salvar a vida da gestante. No segundo, deverá ser a gravidez precedida de outra figura tipificada na Lei Penal, o estupro, artigo 213, podendo, por analogia, alcançar a gravidez resultante de atentado violento ao pudor, havendo o consentimento da gestante ou de seu representante legal.

* * *

A Lei Penal não tem previsão para o aborto eugenésico, mesmo naqueles casos em que a criança nasça com deformidade ou enfermidade consideradas incuráveis. E, em não havendo previsão legal a sustentar a decisão proferida pela autoridade acoimada de coatora, defiro a liminar determinando a sustação da realização do aborto na pessoa de SÉLIA FRANCISCA DOS SANTOS, objetivando a retirada do nascituro, se já não ocorrido.

Oficie-se, imediatamente, aqueles sujeitos que, de uma forma ou de outra, integralizam o ato concedido pela autoridade do primeiro grau de jurisdição.

Colha-se informações da autoridade acoimada de coatora e, após, ouça-se a ilustrada Procuradoria de Justiça.

Goiânia, 22 de novembro de 2.004.
Byron Seabra Guimarães

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