Para tristeza dos abortistas (e para alegria das crianças) o artigo 128 do Código Penal (datado de 1940) não diz que “não constitui crime” o aborto praticado como “meio”(?) de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez resulta de estupro. Diz apenas que em tais casos o aborto “não se pune“. “Suprime a pena. Fica o crime” no dizer do ilustre jurista Walter Moraes, a maior autoridade brasileira em direitos da personalidade, falecido no ano passado (cf. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, março/abril 1986, p. 21).
O aborto, portanto, é sempre crime, embora em alguns casos a lei não puna o criminoso. Já tive oportunidade de publicar o quanto os juristas pró-aborto se sentem mal com a redação “não se pune”. Com um sofisticado malabarismo intelectual, alguns deles tentaram em vão “provar” que no caso a expressão “não se pune” significava “não constitui crime”. Desejo relatar agora, as diversas tentativas, ao longo da história, de se alterar a redação do artigo 128 para “não constitui crime”.
A primeira delas ocorreu no Anteprojeto do Código Penal de 1969, que felizmente nunca chegou a vigorar. Concedo a palavra ao Juiz de Direito do Distrito Federal Dr. Marco Antônio Silva Lemos: “Não existem palavras inúteis na lei. Se a expressão “não se pune” constante do art. 128, CP, equivalesse à expressão “não há crime“, seria desnecessário alterá-la. Tanto ela não corresponde que, no Anteprojeto Nelson Hungria para a reforma do CP, previa-se essa alteração (a expressão “não se pune” seria substituída pela “não há crime“), e o próprio e famoso Código Penal de 1969, promulgado e revogado sem que chegasse a entrar em vigor, também não teria feito essa mudança – como de fato fez” (carta, 12/05/97; os grifos são do original)
A segunda tentativa ocorreu em 1971. No dia 27 de outubro o senador Vasconcelos Torres apresentava o Projeto de Lei do Senado 76/91. O cabeçalho dizia: “Dá nova redação ao art. 128 do Código Penal, incluindo entre os casos de aborto não criminosos (sic) os praticados por médico quando a gravidez resultar de incesto, constituir grave ameaça à saúde da gestante ou envolver risco do filho nascer, física e mentalmente lesado”. Embora o autor, na sua justificação, defendesse a necessidade de serem “ampliados” os caso de “aborto legal”, na verdade o que o projeto iria fazer era criar a figura do aborto legal. Sim, pois o artigo 128 começaria com as palavras: “Não constitui crime“(cf. Diário do Congresso Nacional, 28/10/71). Felizmente o projeto foi rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça (relator José Sarney) e pela Comissão de Saúde (relator Adalberto Sena).
A terceira tentativa ocorreu em 1984, quando o Ministério da Justiça publicou um Anteprojeto de Código Penal. O artigo 128 passaria a vigorar com a redação “não constitui crime” e o direito de matar o nascituro incluiria também o aborto eugênico (em homenagem póstuma ao nazismo), chamado com o eufemismo de “aborto piedoso” (cf. Diário Oficial da União, 19/7/84). Graças a Deus, mais uma vez o desejo dos abortistas não se realizou. A Parte Geral do Código foi reformada pela lei 7209 de 11/7/84, mas a Parte Especial permaneceu como estava.
A quarta tentativa está ocorrendo agora, em nossos dias. O Ministério da Justiça publicou em 25 de março de 1998 o Anteprojeto do Código Penal, com o objetivo específico de reformar a Parte Especial. Desta vez a proposta é pior do que a de 1984. Além de alterar o início do artigo para “não constitui crime” e além de propor a legalidade do aborto eugênico, o Anteprojeto pretende declarar lícito o aborto como meio de “preservar a saúde da gestante”(sic). Cólicas, enjôos e vômitos poderão ser alegados como causas “justas” para o extermínio da criança. E mais ainda. No entendimento jurídico norte-americano, “saúde” significa o “bem-estar” geral, físico ou psíquico da mulher. Nos Estados Unidos se a mulher se sente mal, por exemplo, por estar grávida e não ser casada, pode requerer aborto por motivo de “saúde”. Se o Anteprojeto brasileiro se transformar em lei, em breve estaremos imitando esta hipocrisia do Tio Sam.
Críticas e sugestões ainda podem ser enviadas ao Ministério da Justiça – Secretaria Executiva, 3º andar do Edifício Sede, sala 300, Brasília – DF, CEP 70064-900. A partir do dia 31 de agosto será tarde demais.
Anápolis, 16 de maio de 1998.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz