“Imaginemos um pai de família que numa noite perde todos os seus bens numa jogatina de cassino; os filhos desse homem não têm culpa, mas hão de carregar as conseqüências (miséria, fome…) decorrentes do desatino de seu pai”
O texto acima, escrito por D. Estêvão Bittencourt em seu “Curso de Iniciação Teológica por Correspondência” (módulo 13, lição 3ª) apresenta uma analogia clássica usada para explicar a transmissão do pecado original. A Adão e Eva corresponde a figura do jogador. À graça corresponde a riqueza do pai de família. Ao gênero humano corresponde os filhos do jogador. Ao pecado ou privação da graça corresponde a miséria e a fome.
Para nós, brasileiros, porém, sempre foi difícil imaginar uma situação dessas, uma vez que desde 1941 é ilegal o estabelecimento ou exploração de cassinos (Decreto-lei 3688 de 3-10-1941, art. 50). Se temos notícias de falências e bancarrotas, o motivo é sempre outro que não os jogos de azar.
Esta situação tende a mudar se for aprovado o Projeto de Lei da Câmara n.º 91/96 que “dispõe sobre a legalização da prática de jogos de azar e dá outras providências“. O autor foi o deputado José Fortunati. Na Câmara ele trazia o número 4652/94. Está agora em tramitação no Senado e acabou de ser aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania em 4 de março de 1998. A vitória foi de nove votos contra dois.
Excluindo o presidente Bernardo Cabral (PFL-AM) (que só votaria em caso de empate), votaram a favor da legalização do jogo:
Edison Lobão (PFL-MA)
José Fogaça (PMDB-RS)
Romeu Tuma (PSL-SP)
Gilberto Miranda (PFL-AM)
Antônio C. Valadares (PSB-SE)
Ramez Tebet (PMDB-MS)
Leonel Paiva (PFL-DF)
Jefferson Peres (PSDB-AM)
Francelino Pereira (PFL-MG)
Votaram contra a legalização do jogo:
Lúcio Alcântara (PSDB-CE)
José Eduardo Dutra (PT-SE)
Que diz a Igreja acerca dos jogos de azar?
“Os jogos de azar (jogos de cartas, etc) ou as apostas, em si não são contrárias à justiça. Tornam-se moralmente inaceitáveis quando privam a pessoa daquilo que lhe é necessário para suprir suas necessidades e as dos outros. A paixão pelo jogo corre o risco de se transformar em uma dependência grave” (Catecismo da Igreja Católica, 2413).
De fato não é imoral (embora não seja o que mais agrada a Deus) a prática moderada de jogos, com objetivo de lazer, sem a aposta de quantias exorbitantes e sem o cultivo da avareza. A própria lei penal acima citada não pune os jogos de azar realizados dentro de casa pelas pessoas da família que a ocupa, restringindo-se a punir o jogo em lugar público.
Porém, a legalização de lugares que fazem do jogo sua razão de ser (cassinos), sem dúvida alguma estimulará sua prática avarenta e obcecada. È notório que nos jogos de azar mais se perde do que se ganha. Perder é o habitual. Ganhar (e ganhar muito…) é a esperança alimentada pelo jogador que arrisca seu dinheiro. Esperança que em geral não se realiza.
Os cassinos, uma vez legalizados, serão chamarizes freqüentes para a obtenção de dinheiro fácil. As apostas não serão semanais (como nas loterias) nem diárias. Poder-se-á apostar várias vezes no mesmo dia! Em uma única noite alguém poderá perder todo o seu salário ou todo o seu patrimônio!
E daí? – perguntaria Edison Lobão, o relator do projeto. – Cada um é livre para usar seu dinheiro como quiser. O Estado não pode interferir, sob pena de estar violando a liberdade do cidadão.
Convém lembrar que, embora tenhamos o dom do livre arbítrio, não temos a liberdade (entendida como direito) de fazer o mal. Esbanjar dinheiro irresponsavelmente não é um exercício da liberdade, mas um abuso dela. O Estado não pode vigiar e controlar o destino que cada um dá ao seu dinheiro. Mas pode pelo menos evitar as ocasiões próximas do vício, proibindo que haja lugares públicos destinados à prática de jogos de azar.
O senador José Serra vislumbra outros malefícios para a proliferação de cassinos: abrigar rede de tráfico de drogas, prostituição, lavagem de dinheiro e recrutamento de pessoal para “trabalhar” nestes crimes (cf. “Sombra e Água Fresca“ in Folha de São Paulo, 15/9/97 – opinião).
Felizmente José Serra é o presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, onde o projeto será apreciado agora. E ainda mais felizmente, o relator será o senador Lúcio Alcântara, um dos que votou contra o projeto no dia 4 de março.
Está em jogo o destino de muitas vidas e de muitas famílias. Impedir a legalização dos cassinos é um dever de todos nós.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
8 de março de 1998.