“Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes”
Na luta em favor do aborto vale tudo. Incapazes de aprovar o aborto no Congresso Nacional, os abortistas pressionaram o então Ministro da Saúde José Serra para que editasse uma Norma Técnica dispondo sobre a prática de abortos no SUS em crianças de até 20 semanas (cinco meses) concebidas em um suposto estupro. Publicada em novembro de 1998, a Norma recebeu o nome ” Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes ” (1). Apesar de a palavra “aborto” estar ausente do título, a morte provocada do nascituro constitui o núcleo dos seis capítulos que compunham o documento.
O erro central era dizer que aborto é “legal” ou “permitido” quando a gravidez resulta de estupro. Em nenhum lugar tal absurdo está escrito em nosso Código Penal (2). O artigo 128 diz apenas que o aborto, em tal caso “ não se pune ”. A não aplicação da pena a um crime está muito longe de se confundir com a legalidade da conduta. O filho que furta do pai comete crime, mas fica isento de pena, conforme o art. 181, inciso II do Código Penal. A mãe que, por negligência, causa a morte do próprio filho comete homicídio culposo. Mas provavelmente ficará isenta de pena graças ao perdão judicial, uma vez que a conseqüência de seu ato a atinge de forma tão grave que a sanção penal se torna desnecessária (art. 121, § 5° do Código Penal). Embora em tais casos a pena não se aplique, o crime subsiste. Não se pode falar em “furto legal” ou em “homicídio culposo legal”.
Uma coisa é o Estado não aplicar pena a um aborto já praticado. Outra coisa, muitíssimo diferente, é o Estado dar permissão prévia para abortar. E mais: estimular a prática de abortos com o dinheiro público!
A Norma editada pelo ex-Ministro José Serra também tinha um agravante: para que a mulher “provasse” que foi vítima de um estupro, bastava inventar uma estória e lavrar um boletim de ocorrência em uma delegacia. Abriam-se assim as portas para a falsificação de estupros e para o aborto em série.
“Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento”
As coisas pioraram depois da ascensão do presidente Lula, cujo partido sempre lutou pela legalização do aborto. No dia 15 de dezembro de 2004, o Ministro da Saúde Humberto Costa divulgou uma nova Norma Técnica: “ Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento ” (3). Desta vez, nem sequer houve o cuidado de omitir no título a referência ao aborto. Tal Norma ficou oculta de nossos olhos por muito tempo (e até hoje não foi publicada no portal do Ministério da Saúde). Em abril de 2005, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) publicou-a na Internet (4). Suas 36 páginas falam muitas vezes sobre o problema do “abortamento inseguro” e da falta de um “abortamento rápido, seguro e sem riscos”. A “segurança”, porém, não se refere à criança que será abortada, mas somente à gestante.
Como de costume, o texto cita números sem dizer como chegou a eles: “ Para o Brasil, calcula-se que 31% das gestações terminam em abortamento. Estima-se (AGI, 1994) haver ocorrência anual de 1.443.350 abortamentos ” (p. 7). Observe-se a enorme precisão do resultado apontado, incompatível com qualquer pesquisa séria sobre o assunto.
Acerca do aborto em caso de estupro, a Norma repete o mesmo erro jurídico do ex-Ministro José Serra, e acrescenta outros. Segundo ela, em caso de estupro o aborto é um “direito da mulher”. E mais: para fazer uso desse “direito”, ela nem precisa levar ao hospital um boletim de ocorrência. Basta falar que foi violentada e que engravidou em razão da violência. Só isso.
São palavras textuais da nova Norma:
“ O Código Penal não exige qualquer documento para a prática do abortamento nesses casos e a mulher violentada sexualmente não tem o dever legal de noticiar o fato à polícia. Deve-se orientá-la a tomar as providências policiais e judiciais cabíveis, mas, caso ela não o faça, não lhe pode ser negado o abortamento ” (p. 13. Os grifos são nossos).
Ora, é óbvio que o Código Penal não faz qualquer exigência para o aborto. Se o aborto é crime – haja ou não aplicação de pena – como poderia o Código Penal ensinar a praticá-lo? Justamente porque é crime, o Código não fala de boletim de ocorrência policial, nem de laudo do IML, nem de atestado médico nem de alvará judicial. Nada disso poderá tornar legítima a prática de um crime.
A nova Norma vai além. Exige que o médico pratique o aborto, mesmo contra a própria consciência, quando não houver outro médico disposto a praticá-lo. E afirma: “ É dever do Estado manter, nos hospitais públicos, profissionais que realizem o abortamento ” (p. 15). Note-se a simplicidade com que se fala de abortamento como se fosse um ato médico, quando na verdade é a total negação da Medicina.
Além de estimular a prática do crime, a Norma proíbe severamente que alguém comunique a notícia à autoridade competente:
“ Diante do abortamento espontâneo ou provocado, o(a) médico(a) ou qualquer profissional de saúde não pode comunicar o fato à autoridade policial, nem ao Ministério Público, pois o sigilo na prática profissional da assistência à saúde é dever legal e ético, salvo para proteção da usuária e com o seu consentimento ” (p. 14).
Na mesma página, a Norma chega ao cúmulo de dizer que o médico que comunica o aborto à autoridade responderá pelo crime de violação do segredo profissional (art. 154, Código Penal). Ora, para que haja tal crime, é preciso que o profissional revele o segredo “sem justa causa” (assim diz a lei). Sobre isso, diz Julio Fabbrini Mirabete: “ A denunciação de crime, ainda que por profissionais, constitui, porém, justa causa para a revelação do segredo. Trata-se de faculdade outorgada a qualquer cidadão (art. 5°, § 3°, CPP) e de dever imposto aos funcionários públicos (art. 66, inciso I, da LCP)” (5).
Ao longo do texto da Norma, o leitor se depara com várias palavras suaves: “humanização”, “acolhimento”, “direitos humanos”, “postura ética”, “respeito”. Nunca, porém, tais expressões se referem ao nascituro. Ao tratar dos métodos de abortamento, usa-se o eufemismo “esvaziamento uterino” (p. 25). A criança nunca é chamada de criança, mas de “produto da concepção”, “material ovular”, “feto”, “conteúdo uterino” ou “restos ovulares”. Nas páginas 28 e 29 há um item dedicado ao “alívio da dor” durante o abortamento. Nada se fala, porém, da dor que sentirá o bebê ao ser aspirado em pedaços (aborto por aspiração), ao ser esquartejado (aborto por curetagem) ou ao ser expulso prematuramente e deixado à míngua até a morte (aborto por indução farmacológica).
“Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes” – nova edição
A Norma Técnica editada pelo ex-Ministro José Serra foi reeditada, com alterações, pelo Ministro Humberto Costa (6). Também ela ficou oculta ( e continua ausente do portal do Ministério da Saúde) até ser publicada na página do CREMERJ em abril de 2005 (7). Basicamente, ela repete as inverdades da “ Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento ” e procura justificar a não exigência do boletim de ocorrência policial:
“ O Boletim de Ocorrência Policial registra a violência para o conhecimento da autoridade policial, que determina a instauração do inquérito e da investigação. O laudo do IML é documento elaborado para fazer prova criminal. A exigência de apresentação destes documentos para atendimento nos serviços de saúde é incorreta e ilegal ” (p. 16. O grifo é do original).
Na página 42 há uma afirmação surpreendentemente falsa:
“O Código Penal afirma que a palavra da mulher que busca os serviços de saúde afirmando ter sofrido violência deve ter credibilidade, ética e legalmente, devendo ser recebida comopresunção de veracidade ” (O grifo é do original) .
Faltou dizer em que artigo o Código Penal presume ser verdadeira a palavra de uma gestante já disposta a exterminar sua prole.
Ao referir-se ao microabortivo conhecido como “pílula do dia seguinte”, a Norma substitui o termo aborto por “anticoncepção de emergência” (AE). Ao referir-se ao mecanismo de ação de tal fármaco, chega a ponto de dizer o seguinte:
“Não existem evidências científicas de que a AE exerça efeitos após a fecundação, de que atue impedindo a implantação ou que implique a eliminação precoce do embrião. Não há efeitos abortivos com o uso da AE ” (p. 23. Os grifos são do original).
Essa (des)informação é totalmente nova. Usualmente os defensores da pílula do dia seguinte diziam que ela não era abortiva porque eliminava o embrião humano antes da nidação (e segundo eles, a gravidez só se inicia com a nidação). Diziam ainda que os embriões, antes da nidação, não são indivíduos humanos, mas somente “pré-embriões”. Mas ninguém ousava negar que tal pílula causa uma desestruturação do endométrio (parede interna do útero), impedindo o desenvolvimento do embrião após a fecundação. Pode-se perguntar ao Ministério da Saúde: como é que, após a fecundação, um embrião humano consegue sobreviver diante das convulsões uterinas que sofre a usuária de tal pílula?
“Gestação de Alto Risco: Manual Técnico”
Há uma terceira Norma do Ministério da Saúde, chamada ” Gestação de Alto Risco: Manual Técnico” , que é única cujo texto completo está disponível no portal do Ministério da Saúde (8). Parece que a primeira edição é de 1991. A terceira edição, datada do ano 2000, ensina a abortar crianças de até 28 semanas (sete meses) nos casos (inexistentes) em se diz que o aborto é “necessário” para salvar a vida da gestante.
Conclusão:
O governo, que anunciou ser o aborto uma de suas metas prioritárias, está investindo tudo para legalizá-lo ainda este ano. No Congresso Nacional, uma Comissão Tripartite prepara a elaboração de um projeto de lei abortista. No Ministério da Saúde editam-se Normas Técnicas destinadas a criar uma situação de fato, que abrirá caminho para uma situação de direito. No Supremo Tribunal Federal, pretende-se agora, por via oblíqua (ADPF n.° 54), legalizar o aborto eugênico (de bebês anencéfalos). A Lei de Biossegurança, sancionada pelo presidente Lula em 24 de março de 2005, ao permitir a destruição de embriões humanos congelados, abriu um valioso precedente para a liberação do aborto. Mas é de todo inconveniente para o governo deixar para 2006 a implantação do aborto no direito brasileiro. Por um motivo simples: no ano que vem haverá eleição para Presidente da República. E nenhum governo gosta de defender causas polêmicas em época eleitoral. Aborto ainda em 2005: é a palavra de ordem!
Anápolis, 08 de junho de 2005
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis
(1) PREVENÇÃO E TRATAMENTO DOS AGRAVOS RESULTANTES DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA MULHERES E ADOLESCENTES – Normas Técnicas. Elaboração: Ana Paula Portela e outros. Brasília: Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Departamento de Gestão de Políticas Estratégicas, 1999. 32p. ISBN 85-334-0201-5.
(2) E se estivesse, seria inconstitucional, por violar o direito à vida, protegido pela Constituição Federal (art. 5º, caput).
(3) ATENÇÃO HUMANIZADA AO ABORTAMENTO: Norma Técnica. Elaboração: Adson França e outros. Brasília: Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, 2005. 36p. ISBN 85-334-0873-0
(4) http://www.cremesp.org.br/crmonline/publicacoes/atencao_humanizada.pdf
(5) MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal . 21 ed. São Paulo: Atlas, 2003. v. 2, p. 216.
(6) PREVENÇÃO E TRATAMENTO DOS AGRAVOS RESULTANTES DA VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA MULHERES E ADOLESCENTES – Norma Técnica. 2. ed. atual. e ampl. Elaboração: Antônio Carlos Toledo Junior e outros. Brasília: Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, 2005. 68p. ISBN 85-334-0881-1.
(7) http://www.cremesp.org.br/crmonline/publicacoes/prevencao.pdf
(8) GESTAÇÃO DE ALTO RISCO – Manual Técnico. 3 ed. Brasília: Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde, 2000. 164 p. Disponível em <http://dtr2001.saude.gov.br/bvs/publicacoes/gestacao_alto_risco.htm>