Conjuntos celulares embrionários humanos

(uma nova expressão criada para substituir “embriões humanos”)

O Projeto da Lei de Biossegurança (PLC 9/2004), ao passar pela Comissão de Educação do Senado, recebeu do relator Senador Osmar Dias (PDT/PR) um substitutivo que permite a destruição de embriões humanos com o fim de suas células serem transplantadas para o tratamento de adultos doentes. O substitutivo foi aprovado em 10 de agosto de 2004.

O senador teve o cuidado de propor “apenas” a utilização dos embriões humanos:

  • que estejam congelados até três anos da publicação da lei;
  • que, já congelados na data da publicação da lei, alcancem o prazo de congelamento de 3 (três) anos;
  • que sejam inviáveis para a implantação no processo de fertilização;
  • que sejam produzidos artificialmente por clonagem (chamada clonagem “terapêutica”).

 

Ocorre que a expressão “embriões humanos” incomodou o senador, por dar a entender o que tais embriões realmente são: seres humanos, com direitos a serem preservados. Preferiu chamá-los de “conjuntos celulares embrionários humanos”. São palavras do próprio senador em seu parecer:

O propósito é evitar confusão de conceitos, deixando claro, inclusive ao leigo, que se trata de um conjunto de células com capacidade transformacional, ou seja, células que podem transformar-se em qualquer tecido humano, e não de um ser humano formado, como pode sugerir a expressão substituída.

Na verdade, com a devida vênia, o propósito do senador não foi evitar a confusão de conceitos, mas confundir os conceitos. A nova expressão dá a entender que a lei não pretende destruir ou manipular seres humanos – cuja individualidade genética existe desde a concepção – mas tão somente utilizar um “conjunto de células”.

A mudança de linguagem não muda a malícia do ato. Um homicida que assassinasse a própria mãe poderia dizer que apenas interrompeu o ciclo vital de um conjunto orgânico de células. No entanto, essa linguagem rebuscada não impediria que seu ato fosse enquadrado no art. 121 do Código Penal: “matar alguém”.

A intenção do senador é boa. Ele argumenta que aquelas células, chamadas células-tronco ou células estaminais, por serem indiferenciadas, têm a capacidade de se transformar em qualquer tecido. Haveria assim esperança para a cura de doenças neurológicas, como o mal de Alzheimer e outras.

Mas a boa intenção não é suficiente para justificar um ato. Não se pode matar um inocente, por melhores que sejam as intenções. Ainda que todos os problemas mundiais fossem resolvidos pela morte de uma única criança em estágio embrionário, não nos seria lícito matá-la. Em suma: os fins não justificam os meios.

Além disso, a utilização de tais células embrionárias está muito longe de ser a panacéia que se vem apregoando. Alice Teixeira Ferreira, professora de Biofísica da Unifesp, em seu artigo “A pajelança com as células-tronco” indaga:

Se utilizarem células de embriões congelados, como vão evitar a rejeição? Tomando imunossupressores o resto da vida? Por outro lado, existe alteração do DNA dos núcleos destas células cuja detecção não é possível, havendo por isto a possibilidade de gerar tumores. Aqui deve ser lembrado que a má-formação de crianças geradas por reprodução assistida é três vezes maior que a natural. Se os embriões forem ‘descartáveis’ por serem de viabilidade duvidosa, corre-se maior risco ainda“.

Continua a autora, falando agora sobre a clonagem dita “terapêutica”:

A clonagem terapêutica, em que se produzem embriões com o genoma do paciente, para ser destruído e se obter células-tronco cujo transplante não seja rejeitado. Mas se é doença genética, as células portarão o mesmo defeito.

A clonagem varia conforme a espécie animal. Até hoje não se conseguiu clonar primatas. Existem dúvidas quanto às células-tronco embrionárias humanas obtidas na Coréia do Sul: não seria um teratoma (linhagem de células tumorais)?“.

Até mesmo o pesquisador Alysson Renato Muotri, ardente defensor do uso de células-tronco embrionárias, admite: “Vejo a terapia como uma coisa ainda distante. Não podemos achar que vamos transplantar células-tronco embrionárias para um adulto e curar o mal de Parkinson. Um adulto pode morrer, pode ter rejeição, pode desenvolver um tumor“.

Ao contrário, o autotransplante de células-tronco adultas tem-se mostrado muito eficiente. Não se trata de um sonho, mas de uma realidade. “Desde 2001 – diz Alice Teixeira Ferreira no artigo acima citado – pesquisadores do Instituto do Milênio de Bioengenharia Tecidual vêm tirando pacientes da fila do transplante cardíaco com o sucesso do autotransplante de células-tronco adultas“.

Por que trocar um tratamento ético e bem sucedido por um outro antiético e de sucesso duvidoso? O objetivo é certamente arranjar um pretexto para livrar as geladeiras dos laboratórios, ocupadas com serem humanos “indesejáveis”, criopreservados com alto custo. Há ainda um outro objetivo, que não deve ser esquecido: abrir um precedente para a legalização do aborto, tão avidamente desejado por certos grupos que se dizem, ironicamente, defensores dos “direitos humanos”.

O Conselho Permanente da CNBB, reunido de 22 a 25 de junho de 2004, subscreveu uma carta aos senadores, na qual louvava a pesquisa com células-tronco adultas, mas reprovava severamente a utilização de embriões humanos. Apesar disso, em 10 de agosto de 2004, o substitutivo do senador Osmar Dias (PDT/PR) permitindo o uso de embriões foi aprovado na Comissão de Educação. E mais: em 12 de agosto de 2004, foi lido em plenário o Requerimento 1156/2004, assinado por vários senadores, solicitando regime de urgência para tal projeto de lei. Se for aprovado tal requerimento, a matéria deixará de ser analisada pelas demais Comissões, indo direto à votação do plenário. Mais uma vez, o Conselho Permanente da CNBB, reunido de 24 a 26 de agosto de 2004, enviou uma carta aos senadores criticando o açodamento com que se pretende tratar o assunto.

Se o Projeto de Lei de Biossegurança for aprovado tal como está, que argumento lógico teremos para proibir a morte de bebês por nascer, desde que o aborto seja feito com “boa intenção” e com fins “humanitários”?

 

Anápolis, 12 de setembro de 2004

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis

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