A edição de dezembro de 2004 da revista Ala Vip entrevistou Milene Falcão, mãe do anencéfalo Luís Eduardo. Ela já havia escrito contra o aborto no Jornal de Jales em 01/08/2004, durante a vigência da liminar do Ministro Marco Aurélio. Agora que a liminar foi derrubada, Milene volta a dar uma lição de vida. Em seguida alguns trechos da longa entrevista.
(Revista Ala Vip, Jales, dezembro 2004)
Entrevistadores: Diogo Menezes e Milton Flávio
Algumas pessoas brilham, outras nascem para oferecer o brilho a outros indivíduos. Essa é a conclusão a qual chegamos depois de entrevistarmos Milene Cristine G. S. E. Falcão (36), que viveu um drama durante sua gravidez. Com 22 semanas de gestação, ela recebeu a notícia de que seu filho sofria de anencefalia, ou seja, nasceria sem cérebro e com isso teria poucos instantes de vida. Mesmo antes de ser derrubada a liminar que permitia às mães de fetos com o mesmo problema realizarem aborto, Milene optou por levar adiante sua gravidez e dar à luz a seu filho. “Manteria a gestação em qualquer instância”, revelou. Professora no curso de Turismo das FAI- Jales e de Inglês na PBF, ela é casada com Luís Manoel Eiras Falcão e é mãe de Maria Alice (5), Mário Henrique (3) e Luís Eduardo (in memoriam). “Agradeço ao senhor Deus por ter nos dado forças para superar toda essa dor e por me possibilitar a oferecer o brilho de meu filho que iluminou nossas vidas”.
Ala Vip – De que forma você recebeu a notícia de que seu filho nasceria com anencefalia?
Milene – Recebi a notícia no dia 3 de novembro de 2.003. Estávamos eu, meu marido e meus filhos no consultório. Começamos a perceber que algo errado acontecia devido à demora do resultado do exame. Logo depois, o médico veio até nós, falou-nos da anomalia que nosso filho sofria e disse que o problema não era compatível com a vida extra-uterina. Ou seja, que nosso filho não sobreviveria muito tempo após o parto. Naquele momento, o mundo caiu sobre nós. O médico nos disse que o tratamento seria a interrupção da gestação. No mesmo momento, eu me neguei a tirar a vida de meu filho. Ele me falou de todos os riscos que eu correria com a gestação. Fui encaminhada para um médico em São José do Rio Preto, especialista no assunto, que também se assustou com minha decisão. Em vez de questionar a Deus sobre o que estava acontecendo comigo ou simplesmente ignorar aquela vida que crescia em meu útero, optei por me adaptar a essa graça que estava recebendo e amar meu filho com todo amor que uma mãe pode oferecer.
Ala Vip – Como foi sua gravidez?Você notou diferenças em relação às duas anteriores?
Milene – A gravidez não havia sido planejada, mas a vinda de Luís Eduardo foi muito comemorada. Não foi uma gestação muito normal. Percebia alguns sintomas diferentes, porém, como já era minha terceira gravidez e as anteriores haviam sido normais, não me preocupei. Minha barriga cresceu rapidamente e sentia que ficava cansada com facilidade. Porém, foi um início de gravidez tranqüilo. Meses depois do diagnóstico, que constatou que meu filho nasceria com problemas, o desconforto foi um pouco maior, pois minha barriga havia crescido bastante. Isso acontece devido ao acúmulo de líquido amniótico não ingerido pelo feto. Esse é um líquido que contém nutrientes e é fundamental para o crescimento de todos os bebês, mas que, em uma gravidez normal, é deglutido por eles. Quando houve esse acúmulo, comecei a sentir uma série de sintomas como falta de ar, cansaço, palpitação, inchaço e desconforto. Nenhuma posição em que ficava era confortável. De modo geral, foi uma gravidez normal, como outra qualquer, sujeita a estes mesmos tipos de sintomas. O bebe chuta, mexe-se, e reage aos estímulos externos normalmente. Parece que até mais forte, pois a impressão que dá é a de que ele quer mostrar que está lá, vivo. Continuei trabalhando por um bom tempo durante minha gravidez. Falava abertamente sobre o problema com as pessoas. Às vezes elas se emocionavam com a história e era eu é quem as acalmava.
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Ala Vip – Você sempre teve essa mesma concepção avessa ao aborto?
Milene – Sim. Sempre fui contra. Acredito que nada acontece por acaso. Se uma mãe é presenteada com a dádiva de carregar outra vida dentro de si, precisa se dedicar àquela criança, seja ela deficiente ou não. Durante toda a vida, tive bastante consciência das coisas. Por esse motivo, não pensei duas vezes para dizer que optaria por deixar meu filho viver o máximo de tempo possível e que nada me convenceria do contrário. Acredito que o aborto seja escolha de cada um e não cabe a mim ou a ninguém julgar essas escolhas, porém impressionam-me as mulheres que buscam o caminho mais fácil e propagam o falso benefício da eliminação de um “problema”. Se Deus deu a vida a um ser, é Ele quem sabe a hora correia de levá-lo. Ninguém tem o direito de interromper o ciclo natural de um ser humano. O mesmo acontece com um paciente vegetando na sala de uma UTI. Ele não se comunica com ninguém, alimenta-se por sonda e respira por aparelhos. Mesmo assim, seria uma crueldade desligar toda a aparelhagem que o mantém vivo. Da mesma forma está o bebê dentro do útero da mãe. Ele depende dela para tudo e sua única proteção é o carinho materno.
Ala Vip – Como foi o dia do parto? Você chegou a ver seu filho?
Milene – Desde o início, conversei com meu médico e chegamos à conclusão de que a partir do momento em que eu corresse sério risco de morte, interromperia a gestação e daria início ao parto de meu filho. Afinal, tenho mais dois filhos queridos, uma família e toda uma vida a prezar. Aos sete meses e meio de gravidez, minha situação já estava complicada, minha pressão oscilava muito, as palpitações aumentavam, havia um grande acúmulo de polihidrame e minha saúde já estava sendo ameaçada. Existe, hoje, o tratamento que retira o líquido do útero da mãe, porém, é muito arriscado. Devido ao estado de saúde, e por conselho médico, tivemos que antecipar o parto; caso contrário, teria levado a gestação até o fim. No dia em que fui dar a luz a Luís Eduardo, parecia estar totalmente anestesiada, em um estado torpor. Não dá para decifrar o que estava sentindo. Queria muito ter visto com meu filho e já havia me preparado para isso vendo fotos de outros bebes anencéfalos. Na mesa de cirurgia, passei muito mal e fiquei desacordada por quatro horas, por isso não pude vê-lo. Meu filho nasceu em 22 de dezembro de 2.003, de cesariana. Ele permaneceu vivo por uma hora e meia. Durante esse tempo, meu marido ficou junto dele. Luís Eduardo foi balizado e após faleceu; então. Foi um dia muito difícil e triste em nossas vidas.
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Ala Vip – Qual sua opinião sobre a derrubada da liminar expedida pelo Ministro Marco Aurélio Mello, que declarava legal o aborto de crianças anencéfalas?
Milene – Acredito que isso favorecerá as pessoas a pensarem mais sobre a questão da vida.Com essa liminar sendo derrubada, evitaremos que novas liminares sejam expedidas favorecendo o aborto para casos de outros tipos de deficiências. O fato de que o bebê irá morrer logo após o seu nascimento, não é motivo para o aborto.Se você tivesse um filho de 10 meses que tivesse uma doença grave que lhe oferecesse apenas mais 9 meses de vida, você o envenenaria ou o jogaria de um prédio para antecipar esse triste acontecimento? Desde que nascemos, a única certeza que temos é de que vamos morrer. Sou feliz por não ter negado ao meu filho a breve vida à qual ele foi destinado.
Ala Vip – Você se arrependeu em algum momento por ter tomado esta decisão?
Milene – Não me arrependo em nenhum momento. É claro que tudo o que passei não foi um mar de rosas. Tivemos muitos momentos de tristeza, de dor e de lágrimas. Quando vejo algum bebê no colo de uma mãe, lembro-me imediatamente de meu filho e penso como seria bom se o tivesse em meus braços nesse momento. Porém, essa dor seria muito maior se eu tivesse interrompido minha gravidez, pois, o contato que eu tive com ele seria ainda menor. Falo isso também pelo relato de outras mães que abortaram e se arrependeram por não terem compartilhado dos poucos instantes de vida de seus filhos. Vivi a beleza da gestação e tive um grande contato com Luís Eduardo. Nosso filho foi e ainda é um presente enviado dos céus, que nos deixou uma imensa lição. Hoje trago uma linda e real lembrança de uma gravidez, que teve algumas dificuldades peculiares à situação, mas que me deixou o ensinamento do amor, da doação, da aceitação, da Fé e da absoluta confiança em Deus.
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Ala Vip – Qual a mensagem que você deixa para as mães que passam pelo mesmo problema que você passou?
Milene – Aconselho a essas mães pensarem no dom que elas receberam. O dom de dar a vida a alguém mesmo que seja breve e dolorosa. Tantas outras mulheres lutam para engravidar, porém, por problemas vários, esse sonho não é possível de se concretizar. Uma dica muito importante é que toda mulher, em idade fértil, ou pré-gestacional, deve fazer o uso de ácido fólico o quanto antes possível. Segundo pesquisas, o ácido fólico previne anomalias no tubo neural, que se formam até 28 dias após a concepção. Procure acompanhamento médico e confirme a dosagem certa para seu organismo. Mesmo esse problema sendo um caso raro, é bom se prevenir. Existem várias formas de se diagnosticar a anomalia, como: exames de sangue, ultra-sons e ainda através do líquido amniótico.
Uma mãe não se deve deixar levar pelos caminhos desumanos e impiedosos que lhe tiram a oportunidade de dar a vida, de renunciar-se pelo outro e de ver o amor vencer. Ela deve manter a calma, procurar uma 2ª opinião e pensar bem antes de tomar qualquer atitude, pois, talvez, futuramente, possa ser tarde demais.