(adaptação de “Navio Negreiro” de Castro Alves)
Era um sonho dantesco.
O sangue da mesa de cirurgia avermelha o brilho das lâmpadas.
Tinir de tesouras, fórceps e curetas.
Um homem vestido de branco, mas com a alma preta
Duela com o mais fraco que ainda não nasceu.
Rompe a bolsa que o protegia
Persegue o inocente em agonia
Que em vão foge da lâmina afiada.
A mulher protegida pela antissepsia
Não tem o que temer com a cirurgia
Que dilacera o filho que Deus lhe deu.
Pela lei do Estado está amparada,
A clínica em que jaz é credenciada.
Famintas estão as feras do Coliseu.
Um jorro de sangue escapa-lhe do útero
E de seu ventre é destruído o fruto.
E raspa-se mais e mais…
Qual num sonho dantesco o sangue escorre
O forte triunfa, o inocente morre
E ri-se Satanás!
Anápolis, 28 de maio de 1996
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz