João Paulo II morreu aos 84 anos em 2 de abril de 2005. Em 2002, o jornalista Mario Prata escrevia criticando a obstinação do pontífice em governar a Igreja com aquela idade e com seu precário estado de saúde:
Há uma semana vi o nosso papa na televisão. Sem ironia nenhuma, ele estava babando. Lendo um texto, todo curvado, denotando dores, articulando com extrema dificuldade, o papa babava. Será que nenhuma pessoa importante da Igreja Católica Apostólica Romana vai tomar uma providência? Deixar que o homem descanse em paz? João Paulo II está com 82 anos e é o nosso papa há 24 anos.
[…]
Comprem uma casinha numa montanha da Polônia e coloquem o homem lá, com todas as mordomias que ele merece. Que ele passe seus últimos dias cuidando de outras ovelhas. Aposentem quem não tem mais condições.[1].
Bento XVI anunciou sua renúncia aos 85 anos em 11 de fevereiro de 2013. Em seu anúncio, disse:
Depois de ter examinado repetidamente a minha consciência diante de Deus, cheguei à certeza de que as minhas forças, devido à idade avançada, já não são idôneas para exercer adequadamente o ministério petrino. Estou bem consciente de que este ministério, pela sua essência espiritual, deve ser cumprido não só com as obras e com as palavras, mas também e igualmente sofrendo e rezando. Todavia, no mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado[2].
A notícia da renúncia de Bento XVI não foi, porém, capaz de agradar à jornalista Barbara Gancia, que escreveu em 15 de fevereiro uma severa crítica ao que ela considera covardia e “frouxidão”:
Sinto muito, mas derrotismo por parte de quem deveria zelar por um rebanho de mais de 1 bilhão de fiéis tem limite.
E o poder simbólico da resiliência? Que mensagem de perseverança Bento 16 nos deixa? Muito conveniente exigir todo tipo de sacrifício do fiel e depois exibir publicamente tamanha frouxidão[3].
Porém, renunciar ou prosseguir no pontificado até a morte não constituem o cerne da questão. O que há em comum entre Mario Prata e Barbara Gancia (esta última, lésbica declarada) é que ambos não concordam com a doutrina de Cristo pregada pelos dois pontífices: a castidade, o respeito à vida intrauterina, tudo isso seriam valores ultrapassados, que a Igreja insiste em anunciar. É isso que eles deploram.
“A quem compararei esta geração?”
João Batista e Jesus tiveram comportamentos diferentes. O primeiro submeteu-se a uma rigorosa ascese, alimentando-se de gafanhotos e mel silvestre (Mt 3,4) em preparação para o Messias. O segundo não exigiu de seus discípulos nenhum jejum extraordinário, uma vez que estavam com ele, o Noivo, festejando as núpcias com a Igreja (Mt 9,15). Mas nem João nem Jesus foram bem aceitos.
“A quem compararei esta geração? Ela é como crianças sentadas nas praças, a desafiarem-se mutuamente: ‘Nós tocamos flauta e não dançastes! Entoamos lamentações e não batestes no peito!’ Com efeito, veio João, que não come nem bebe, e dizem: ‘Um demônio está nele’. Veio o Filho do Homem, que come e bebe, e dizem: ‘Eis aí um glutão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores. Mas a Sabedoria foi justificada pelas suas obras” (Mt 11,16-19).
Na comparação acima, crianças mal-humoradas recusavam-se a participar de qualquer brincadeira, fosse de um casamento, fosse de um enterro. De modo análogo, os judeus rejeitavam todas as ofertas divinas: tanto a penitência de João quanto a condescendência de Jesus. Mas as boas obras davam testemunho da sabedoria de Jesus e da de seu precursor, João Batista.
João Paulo II e Bento XVI, com comportamentos diferentes diante da doença e da idade, mas idênticos quanto ao Evangelho anunciado, não foram capazes de agradar a “esta geração”. No entanto, pelas suas obras identificamos a sabedoria de ambos.
As obras de Bento XVI
Dando prosseguimento ao que fizera seu antecessor, Bento XVI foi um defensor intransigente da cultura da vida. Combateu o relativismo ético e afirmou a existência de princípios não negociáveis, fundados na lei natural universal e imutável. “A adesão a esta lei escrita nos corações – disse o Papa – é o pressuposto de qualquer colaboração social construtiva”[4]. Em nome dessa lei, Bento XVI não fez concessões ao aborto, à eutanásia, à anticoncepção, à manipulação de embriões humanos nem ao reconhecimento das uniões homossexuais. Foi sob o seu pontificado que a Congregação para a Doutrina da Fé escreveu a instrução Dignitas personae (2008), que trata das questões mais recentes de bioética reafirmando a dignidade da pessoa humana e do matrimônio.
Na luta contra o abuso sexual de crianças e adolescentes, o Papa não apenas investigou e puniu com vigor os responsáveis, mas teve o mérito de combater a raiz de tais males: o homossexualismo nos seminários. Em 4 de novembro de 2005, a Congregação para a Educação Católica publicou, com a aprovação do Papa Bento XVI, uma instrução afirmando que a Igreja “não pode admitir ao Seminário e às Ordens sacras aqueles que praticam a homossexualidade, apresentam tendências homossexuais profundamente radicadas ou apoiam a chamada cultura gay”[5].
Nós, brasileiros, temos, em particular, duas dívidas para com esse pontífice. A primeira foi sua viagem missionária ao Brasil em 2007, na qual fortaleceu a identidade católica do nosso povo e canonizou o primeiro santo brasileiro: Santo Antônio de Sant’Ana Galvão. A segunda foi sua mensagem aos Bispos do Regional Nordeste V em visita “ad limina apostolorum” em 28 de outubro de 2010, ou seja, pouco antes do segundo turno das eleições presidenciais que teriam por desfecho trágico para a causa da vida a eleição da candidata do PT, Dilma Rousseff. Prevendo a vitória de um partido favorável à “cultura da morte”, Bento XVI advertiu solenemente os Bispos:
Quando, porém, os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas (cf. GS, 76).
Ao formular esses juízos, os pastores devem levar em conta o valor absoluto daqueles preceitos morais negativos que declaram moralmente inaceitável a escolha de uma determinada ação intrinsecamente má e incompatível com a dignidade da pessoa; tal escolha não pode ser resgatada pela bondade de qualquer fim, intenção, consequência ou circunstância. Portanto, seria totalmente falsa e ilusória qualquer defesa dos direitos humanos políticos, econômicos e sociais que não compreendesse a enérgica defesa do direito à vida desde a concepção até à morte natural (cf. Christifideles laici, 38). Além disso, no quadro do empenho pelos mais fracos e os mais indefesos, quem é mais inerme que um nascituro ou um doente em estado vegetativo ou terminal? Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminalização do aborto ou da eutanásia, o ideal democrático – que só é verdadeiramente tal quando reconhece e tutela a dignidade de toda a pessoa humana – é atraiçoado nas suas bases (cf. Evangelium vitæ, 74). Portanto, caros Irmãos no episcopado, ao defender a vida «não devemos temer a oposição e a impopularidade, recusando qualquer compromisso e ambiguidade que nos conformem com a mentalidade deste mundo» (ibidem, 82)[6].
Essas palavras de Bento XVI devem estar sempre em nossa mente. Nenhum cristão, lembrando-se delas, poderá votar em partidos como o PT, que defende a descriminalização do aborto e exige dos seus filiados a adesão à causa abortista.
Por tudo o que nos ensinou, por tudo o que fez e sofreu por nós, Deus lhe pague, Santo Padre!
Anápolis, 28 de fevereiro de 2013.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis
[1] Mário PRATA, E o papa, gente? O Estado de S. Paulo, 26 jun. 2002. Disponível em: http://www.marioprataonline.com.br/obra/cronicas/e_o_papa_gente.htm
[2] http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2013/february/documents/hf_ben-xvi_spe_20130211_declaratio_po.html
[3] Barbara GANCIA. Bento, o arregão. Folha de S. Paulo, 15 fev. 2013. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/colunas/barbaragancia/1231017-bento-o-arregao.shtml
[4] BENTO XVI. Caritas in veritate, n. 59.
[5] INSTRUÇÃO sobre os critérios de discernimento vocacional acerca das pessoas com tendências homossexuais e da sua admissão ao seminário e às ordens sacras, n. 2. Disponível emhttp://www.vatican.va/roman_curia/congregations/ccatheduc/documents/rc_con_ccatheduc_doc_20051104_istruzione_po.html
[6] http://press.catholica.va/news_services/bulletin/news/26281.php?index=26281&lang=po. Os negritos são nossos.