Não deu outra. O Anteprojeto do Código Penal resolveu mudar a redação do artigo 128 de “não se pune” para “não constitui crime” (Diário Oficial da União, 25/03/1998, portaria 232 de 24 de março de 1988 do Ministério da Justiça). A alteração passou despercebida pela imprensa, que há muito tempo vem repetindo a mentira de que no Brasil o aborto já é legal em dois casos. Para os jornais, o Anteprojeto teria apenas “acrescentado” mais um caso de aborto “legal”: o aborto eugênico, em homenagem póstuma ao nazismo.
Pela enésima vez repito com grandes juristas brasileiros que não existe caso algum de aborto legal no Direito brasileiro. O que atualmente o artigo 128 faz é isentar de pena aquele que pratica o crime do aborto em dois casos: I – se não há outro meio, que não o aborto, para salvar a vida da gestante; II- se a gravidez resulta de estupro. Coisa semelhante ocorre com o atual artigo 181 do Código Penal, que isenta de pena o furto, a fraude ou o estelionato se praticado contra o ascendente, descendente ou cônjuge. Ninguém de bom senso chamaria de “furto legal” ou “furto previsto em lei” aquele que é praticado pelo filho contra os pais. Muito menos chegaria ao cúmulo de dizer que tal furto é um “direito” dos filhos, simplesmente porque, no caso, não há aplicação de pena.
Porém, com a mudança da redação, os casos de aborto proibidos mas não punidos pelo Código Penal, deixarão de ser crimes para converter-se em “direitos”. Haverá, assim, o direito de matar um inocente (!) em alguns casos, e que não mais serão apenas dois. O inciso I passou a ter no Anteprojeto a seguinte redação, logo após a palavra “se”:
“não há outro meio de salvar a vida ou preservar a saúde da gestante” (grifei).
Ou seja, a vida da criança valerá menos que a vida da mãe (onde estão a igualdade de todos perante a lei, assegurada no “caput” do artigo 5º da Constituição Federal?). E não é só: a vida da criança valerá menos que a saúde da mãe. Será motivo suficiente para matar o nascituro o fato de ele molestar a saúde materna. Que significa isso? Parece que cólicas, enjôos e outros desconfortos comuns na gravidez bastarão para justificar o aborto.
O inciso II passou a ter no Anteprojeto esta redação:
“a gravidez resulta de violação da liberdade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida“.
Como se vê, o termo “estupro” foi mudado para “violação da liberdade sexual”. Por quê? De acordo com o Anteprojeto, estupro é apenas um dos crimes contra a liberdade sexual, previsto no artigo 160. A relação sexual com menor de quatorze anos já não recebe, no Anteprojeto, o nome de estupro, mas continua sendo crime (artigo 163), mesmo se praticada de livre vontade pela adolescente. E este crime está classificado entre os crimes “contra a liberdade sexual”. Assim, no Anteprojeto, a adolescente que livremente praticar o ato sexual e engravidar, será considerada vítima de um crime “contra a liberdade sexual” e terá automaticamente o direito ao aborto.
Há ainda um outro caso: o “emprego não consentido de técnica de reprodução assistida”. Trata-se, por exemplo, de uma inseminação artificial feita em uma mulher sem o seu consentimento. A Comissão de “Alto Nível” julgou perfeitamente justo matar a criança neste caso, por ser análogo ao de estupro.
O inciso III é algo totalmente novo para nós, embora fosse muito comum na Alemanha nazista: a autorização de matar uma criança doente:
“há fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos [além do aborteiro], de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais“.
O assassinato de um ser “inútil” para a sociedade e “indesejado” pelos pais seria feito por alguém cuja profissão só existe em função de defender a vida: um médico. Para a execução da pena capital, seria preciso também o atestado de mais dois profissionais esquecidos de seu juramento.
Por insistência do jurista Miguel Reale Júnior, a Comissão concordou em exigir o consentimento do pai da criança antes de matá-la (cf. Jornal do Brasil, 13/02/98, p.5). Assim, não bastará a vontade da mãe. O que nenhum jurista pensou, entretanto, é em perguntar à criança se ela concorda com o aborto. Muito menos em perguntar ao Criador da criança se Ele autorizaria este crime.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
30 de março de 1998.