(hoje é preciso de modo especial insistir no amor ao Papa)
A situação da Igreja hoje é tão grave que, examinando o pouco que sei de História da Igreja, talvez não encontre uma crise que se equipare à atual.
No pontificado do Papa Francisco, o Sínodo dos Bispos sobre Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização (outubro de 2014 e outubro de 2015) resultou na Exortação Apostólica pós-sinodal Amoris laetitia (19.03.2016), que causou perplexidade por dar a entender, entre outras coisas, que mesmo os divorciados em segunda união – a quem Nosso Senhor chama de adúlteros (Mc 10,11-12) – poderiam comungar do Corpo do Senhor sem levar em conta a advertência de São Paulo de que comeriam a sua própria condenação (1Cor 11,29). Em 19 de setembro de 2016, quatro cardeais – Walter Brandmüller, Joachim Meisner, Carlo Cafarra e Raymond Burke – expuseram ao Santo Padre cinco dúvidas (os “dubia”) sobre o capítulo VIII da Exortação[1], mas até hoje não obtiveram resposta.
O Sínodo para a Amazônia (outubro de 2019) não foi mais feliz. Realizado em Roma, produziu um Documento Final[2] que surpreende pela horizontalidade com que os temas são tratados. Nenhuma palavra sobre a pregação da doutrina cristã aos indígenas, sobre o dever de oferecer-lhes o Batismo e torná-los participantes dos sacramentos. Ao contrário, diz-se que a “tarefa evangelizadora da Igreja […] não deve ser confundida com o proselitismo” (n. 56). Nada sobre a Redenção trazida pelo sangue de Cristo, nada sobre a vida eterna por ele conquistada para nós. Nada sobre um apelo à conversão do pecado à graça, no sentido em que a Igreja sempre o entendeu. Em vez disso, uma “conversão ecológica integral” (n. 60), “da Igreja e do planeta” (n. 61). Propõe-se “definir o pecado ecológico como uma ação ou omissão contra Deus, contra o próximo, a comunidade e o meio ambiente” (n. 82). Na formação dos futuros presbíteros das Igrejas na Amazônia propõe-se a inclusão de disciplinas que abordem “a ecologia integral, a ecologia, a teologia da criação, as teologias indígenas, a espiritualidade ecológica, a história da Igreja na Amazônia, antropologia cultural amazônica, e assim por diante” (n. 108).
Pela primeira vez, a linguagem acima, tão cara aos chamados “teólogos da libertação”, agora aparece em um documento produzido na Santa Sé.
“Por que me abandonaste?”
Na Última Ceia, Jesus previu que seria abandonado por todos, menos pelo Pai: “Eis que vem a hora – e ela chegou – em que vos dispersareis, cada um para o seu lado, e me deixareis sozinho. Mas não estou só, porque o Pai está comigo” (Jo 16,32). No entanto, mesmo sendo um só com o Pai, Jesus sentiu o abandono em sua natureza humana. “Pela hora nona, Jesus deu um grande grito: Eli, Eli, lemá sabachtáni, isto é: Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mt 27,46).
Nesta hora, a Igreja parece abandonada por Cristo, seu Esposo. Já em 2014, durante o Sínodo sobre a Família, o Cardeal Raymond Burke dizia: “há uma forte sensação de que a Igreja é como um navio sem leme”[3]. No entanto, convém notar duas coisas:
1. Esse abandono é apenas aparente. Há uma “sensação” de abandono, mas Cristo não pode abandonar a Igreja que adquiriu com seu sangue.
2. Essa tribulação – que parece única na História – talvez prenuncie um tempo de graças inaudito para a Igreja. “Eis que vou fazer uma coisa nova, ela já vem despontando: não a percebeis?” (Is 43,19).
Uma coisa nova
Deus não se compraz em fazer-nos sofrer. Cada tempestade tem sua função e sempre termina em uma bonança. Uma tempestade sem precedentes parece preparar uma alegria sem precedentes.
Pessoalmente, já vislumbro os sinais das bênçãos que o Senhor está para derramar sobre nós.
Em novembro deste ano tive a alegria de participar do V Fórum da Comunidade Famílias Novas em São Paulo (dias 16 e 17) e do III Fórum da Liga Cristo Rei no Rio de Janeiro (dias 23 e 24). Ambos os eventos me impressionaram pela vitalidade da Igreja Católica no Brasil.
A Comunidade Católica Famílias Novas do Imaculado Coração de Maria, fundada em 2006 em São Paulo, tem por missão “renovar todas as famílias em Cristo”[4]. Devotos de Nossa Senhora, adoradores do Santíssimo Sacramento, fidelíssimos ao Magistério da Igreja e submissos aos Bispos, os membros dessa Comunidade irradiam alegria em seus encontros, fóruns e acampamentos. Os casais são abertos à vida, os filhos são numerosos, os adolescentes e jovens valorizam a castidade, e todos juntos crescem no amor a Deus e ao próximo.
O Centro Dom Bosco, fundado em 2016 no Rio de Janeiro, tem por finalidade a oração, o estudo e a defesa da fé. É ele quem organiza os fóruns nacionais da Liga Cristo Rei. Foi de lá que saiu a deputada Chris Tonietto (PSL/RJ), jovem católica, ardente defensora da vida e da família, inimiga intransigente da “cultura da morte”, eleita em sua primeira candidatura. Foi de lá também que surgiu a UBRAJUC – União Brasileira de Juristas Católicos, fundada em setembro de 2018. Seu grito de guerra é “Viva Cristo Rei”.
Em ambos os eventos de que participei, tive o cuidado de alertar aquele público entusiasta a sempre conservar um grande amor por Pedro, o representante de Cristo na terra. Lembro-me do saudoso Bispo Dom Manoel Pestana Filho corrigindo o letreiro apresentado no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, em 1980, quando São João Paulo II visitou pela primeira vez o Brasil. Em vez de “Ontem Pedro, hoje João Paulo II, sempre Cristo”, Dom Manoel dizia que melhor seria dizer “Ontem Simão, hoje João Paulo II, sempre Pedro”. Pedro – explicava Dom Pestana – não é nome exclusivo de Simão de Betsaida. “Pedro” designa todos os Papas. Nós, católicos, portanto, devemos sempre estar unidos a Pedro, aquela pedra sobre a qual Cristo edificou sua Igreja (Mt 16,18).
“Ainda que fosse um demônio encarnado”
Em suas cartas, Santa Catarina de Sena (1347-1380) chama o Papa de “o doce Cristo na terra”[5]. Escrevendo ao tirano de Milão, Bernabó Visconti, ela afirma que o Papa (no caso, Gregório XI) “detém as chaves do sangue de Cristo crucificado”. E acrescenta: “Ainda que ele fosse um demônio encarnado, jamais devo levantar a cabeça contra ele. Sempre devo humilhar-me e implorar misericórdia. É a única maneira de receber ou participar dos frutos da redenção. Peço que nada façais contra o vosso chefe”[6].
De fato, convém lembrar que o Papa, quem quer que seja, representa Cristo na terra. Devemos antes de tudo amá-lo e rezar por ele. Devemos ainda obedecer-lhe, a menos que, por absurdo, ele nos ordene cometer um pecado. Por fim, não devemos fazer coro com aqueles que falam mal do Papa.
Ainda que nosso pai fosse um ébrio, deveríamos respeitá-lo. E não deveríamos espalhar entre o povo a sua embriaguez. Amando e respeitando o Santo Padre nesta hora crítica é que nós demonstraremos que somos autênticos filhos da Igreja.
Anápolis, 12 de dezembro de 2019.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis
[1] https://www.acidigital.com/noticias/4-cardeais-pedem-ao-papa-francisco-que-esclareca-alguns-pontos-da-amoris-laetitia-13357
[2] http://www.sinodoamazonico.va/content/sinodoamazonico/pt/documentos/documento-final-do-sinodo-para-a-amazonia.html
[5] Por exemplo, na Carta 29, a Beatriz dela Scalla, esposa de Bernabó Visconti. Santa CATARINA DE SENA, Cartas completas, São Paulo: Paulus, 2016, p. 109.
[6] Carta 28, a Bernabó Visconti. Ibidem, p. 104-105.