Em certo país um parlamentar “descobriu” que no Código Penal não havia punição prevista para uma criança que matasse um adulto com tiros de revólver. Regozijando-se com a descoberta, argumentou com seus colegas que este tipo de homicídio, por não ser punido, era “permitido” e resolveu chamá-lo “homicídio legal”. Alegou o deputado que este era um “direito” da criança previsto por lei, mas que efetivamente não era cumprido. A proposta agradou a opinião de alguns “educadores”, que resolveram incluir no currículo de certas escolas “especializadas” uma matéria chamada “homicídio legal”, na qual se ensinava as crianças a usar armas de fogo contra os adultos. As poucas escolas que prestavam este serviço gabavam-se de ensinar as crianças a matar com higiene e segurança, ao contrário da maneira anti-higiênica e pouco segura ensinada pelos chefes de quadrilha.
Outro deputado, lendo também o Código Penal, fez outra “descoberta”: não havia punição prevista para os débeis mentais que se apropriassem do alheio. Ora, se tal furto não era punido, argumentou ele, era então “permitido”. Chamou-o de “furto legal”. A disciplina “furto legal” passou também a ser ensinada nas mesmas escolas que já davam aulas de “homicídio legal”.
Foi então que ambos os deputados constataram que nem todas as crianças, sobretudo as mais pobres, tinham acesso às poucas escolas que davam o curso de “homicídio legal”. O mesmo ocorria com os loucos menos abastados, incapazes de ter acesso às aulas de “furto legal”. Uma idéia brilhante então passou pela cabeça de ambos: elaborar um projeto de lei que obrigasse a rede pública de educação a ensinar a praticar homicídio e furto nos casos “permitidos” (?) por lei. Os jornais deram ampla cobertura à idéia. Os que se opunham a ela eram chamados de retrógrados. Afinal, diziam os parlamentares, tal projeto não desejava legalizar o furto nem o homicídio, mas apenas assegurar que o “furto legal” e o “homicídio legal” fossem feitos com um mínimo de higiene e segurança.
Se o leitor riu da estória narrada até agora, está convidado a rir da comédia que está sendo exibida neste momento no Congresso Nacional Brasileiro. Dois deputados, Eduardo Jorge (PT/SP) e Sandra Starling (PT/MG), lendo o Código Penal, “descobriram” que o aborto, embora seja crime, não é punido em dois casos: o de gravidez resultante de estupro e o de gravidez que ponha em risco a vida da mãe. Se tais casos não são punidos, argumentam eles, são então “permitidos” e devem ser chamados casos de “aborto legal”. Trata-se de um “direito” da mulher, assegurado no Código Penal desde 1940, mas efetivamente ainda não cumprido, com exceção de algumas clínicas especializadas das capitais estaduais, que já oferecem este “serviço”. Afinal, na opinião dos parlamentares é uma questão de “justiça” punir com a morte a criança concebida em um estupro. E é também justo, no caso de risco de vida da mulher, que a lei resolva eliminar o mais fraco (a criança) para defender a vida do mais forte (a mãe). É claro que os autores deste projeto de lei, o PL 20/91, admitem que todos são iguais perante a lei, conforme o artigo 5º da Constituição Federal. Sim, todos são iguais, mas alguns são “mais iguais” do que os outros. A mulher, por já ter nascido, inclui-se na categoria dos “mais iguais”. E a criança não nascida é colocada entre os “menos iguais”.
A farsa ainda não terminou. Os autores do PL 20/91 afirmam repetidas vezes que não querem legalizar o aborto. Este projeto cômico, que confunde o “não punido” com o “permitido”, pretenderia “regulamentar” os casos do inexistente “aborto legal”. É óbvio que ele é totalmente inconstitucional. O simples fato de ter sido posto em pauta é vergonhoso para o Congresso. Os deputados são agora chamados a deliberar sobre ele no plenário da Câmara. O resultado da votação permitirá ao público ver quais são os parlamentares que têm a cabeça no lugar.
Anápolis, 1º de outubro de 1997
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis.