Parecer do Ministério Público Federal, de 03/03/2004, contra o HC 84025

HABEAS CORPUS Nº 84.025-6/130 – RJ
RELATOR: EXMO. SR. MINISTRO JOAQUIM BARBOSA
PACIENTE: GABRIELA OLIVEIRA CORDEIRO
IMPETRANTES: FABIANA PARANHOS E OUTROS
COATOR: SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ementa:

1. Interrupção da vida em feto com anomalia cerebral.

2. Direito à vida: sua compreensão na perspectiva ineliminável da acolhida, do carinho e de amor,não importa o tempo de sua manifestação, dos pais aos filhos em gestação.

3. Não conhecimento do pedido e, no mérito, seu indeferimento.

l. Fabiana Pararmos ajuíza pedido de habeas-corpus em favor de Gabriela Oliveira Cordeiro.

2. A seu pensar, o ato de ilícito constrangimento está em que, verbis:

“A paciente encontra-se obrigada a levar a cabo gestação de feto totalmente inviável (uma vez que há a impossibilidade deste de viver a vida fora do útero materno), por ato jurisdicional da Ministra Lauríta Vaz. (fls. 03)

3. A partir de então, tece considerações sobre o aborto; a antecipação terapêutica do parto por inviabilidade fetal e a anencefalia.

4 Diz, verbis:

“No caso da Gabriela Cordeiro a obrigatoriedade em levar a cabo uma gestação de fetotecnicamente morto, eis a incapacidade de “viver a vida”, fere, direta e objetivamente qualquer expectativa de respeito a dignidade.” (vide; fls. 09, grifamos)

5. E ainda, verbis:

“Observa-se, assim, que o incremento e o acesso à tecnologia não podem gerar violação de direito presente, não em normas de regras, mas em normas de princípios, como aquelas que integram o rol dos objetivos e direitos fundamentais do sistema jurídico brasileiro. Nessa perspectiva o impeditivo ao acesso à tecnologia, no que implica em gozar dos benefícios que ela proporciona (benefícios estes que não vão de encontro às normas constitucionais) implica em direta discriminação, principalmente de mulheres cujo poder aquisitivo é limitado.” (fls. 10)

6. Data venia, o pleito não merece prosperar.

7. De plano, como relevamos no parecer dado no H.C. nº 32.159 ante o Superior Tribunal de Justiça, Gabriela Oliveira Cordeiro, que a impetrante diz sofrer o ato de ilícito constrangimento, quer a vida. Disse no parecer, verbis:

“8. De plano, não é fato que o jovem casal está em quadro de profunda angústia.

9 A matéria jornalística, lida a fls. 61, deixa por bem claro que, verbis:

“Depois da decisão, no entanto, a mãe desistiu de realizar o aborto, e vai prosseguir com a gravidez.”

10. A própria Promotora de Justiça, tão enfática no pugnar pela autorização do aborto – fls. 35/38 -,mudou de postura e, verbis:

“Ela vai chamar-se Vida ou Soraya, disse a promotora criminal de Teresópolis, Soraya Taveira Gaya, que recorreu da decisão do juiz da Vara Criminal, Paulo Rodolfo Maxiliano de Gomes Tostes, que indeferiu o pedido inicial do aborto. Os pais da criança evitam falar no assunto. “Pareciam aliviados com a decisão da Justiça, mas alegaram motivos pessoais para fazer outra opção”, explicou a promotora Soraya.” (vide: fls. 61).
(parecer em anexo)

8. Portanto, a impetrante, na verdade, não está a representar o interesse real de Gabriela Oliveira Carneiro. Desenvolve tese pessoal, por via processual cabalmente inadequada.

9. Aliás, a impetrante nem apresenta os estatutos das entidades que nominou a fls. 02. Há, tão somente, a petição de fls. 2/11.

10. Quanto ao mérito, transcrevemos o que sustentamos nos itens 11/19 do parecer em anexo, verbis:

“11. Não é correto, como faz a il. Des. Gizelda Leitão Teixeira, dizer da invocação constitucional “como garantidora do direito à vida, nada mais”.

12. Ora, o direito à vida é tudo, por isso que nada mais se considera, quando ele é questionado,caindo, então, no vazio tal questionamento.

13. Não são, assim, “velhos e surrados os argumentos de defesa pura e simples da vida” como estabeleceu a il. Desembargadora.

14. Qualquer argumento em favor da vida jamais será velho e surrado.

15. O que é preciso compreender-se – e agora sim surge a incidência do princípio da razoabilidade – é que vida intra-uterina existe.

16. É que, mesmo nesse estágio, sentimentos de acolhida, carinho, amor passam, por certo, do pai e da mãe, mormente desta, para o feto.

17. Se ele está fisicamente deformado – por mais feio que possa parecer – isto jamais impedirá que a acolhida, o carinho, o amor flua à vida, que existe, e enquanto existir possa.

18. Isso, graças a Deus, está além da ciência.

19. Foi isso que gerou a mudança nos planos do casal, para acolher, pelo tempo que possível for, a menina que geraram.”

11 Pelo não conhecimento do pleito posto que a impetrante não demonstra que, verdadeiramente, defende interesse de quem apontou como paciente. No mérito, se alcançado, pelo indeferimento do pedido.

Brasília, 03 de março de 2004.

CLÁUDIO FONTELES
PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

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