STF: inconstitucional é proibir o aborto

(cada vez mais aumentam os desmandos da Suprema Corte)

Nada nesta mão. Nada nesta. E eis que o Ministro Luís Roberto Barroso retira de sua cartola a conclusão de que é inconstitucional proibir o aborto até três meses de gestação. É isso mesmo o que você ouviu. Para Barroso, inconstitucional não é praticar o aborto, mas proibir a sua prática. O espetáculo circense ocorreu no dia 29 de novembro de 2016, na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, quando se julgava um habeas corpus (HC 124.306-RJ) impetrado contra a prisão preventiva de uma quadrilha que praticava abortos em uma clínica em Duque de Caxias – RJ. Os acusados desejavam apenas responder ao processo em liberdade, alegando razões processuais. O Ministro Barroso, porém, aproveitando a ocasião, fez em seu voto-vista um tratado de “direitos humanos” e concluiu que os réus deveriam ser soltos não apenas por razões processuais, mas por haver “dúvida fundada sobre a própria existência do crime” (sic), uma vez que, segundo ele, os artigos 124 e 126 do Código Penal (que incriminam o aborto), para serem interpretados “conforme a Constituição” (sic), devem excluir o aborto praticado nos três primeiros meses.

Por que a proibição do aborto no primeiro trimestre seria inconstitucional? Porque, segundo Barroso, ela violaria o direito da mulher à sua “autonomia”, à sua “integridade física e psíquica”, aos seus direitos “sexuais e reprodutivos” e à sua igualdade com o homem (igualdade de “gênero”). E quanto aos direitos da criança por nascer? Estes ficam na obscuridade.

Convém notar que Barroso nunca chama o nascituro de “criança”, mas de “embrião” ou “feto”. E o que a lei protege, segundo o ministro, não é a vida atual, mas a “vida potencial do feto”. Barroso adota o pensamento, já ultrapassado, de que o nascituro é apenas “expectativa de pessoa” e que tem apenas “expectativa de direitos”. Desde que o Pacto de São José da Costa Rica se fez direito interno brasileiro[1] e desde que o Supremo Tribunal Federal deu a tal convenção um “status” supralegal, ou seja, abaixo da Constituição, mas acima de todas as leis[2], é forçoso admitir que o nascituro é pessoa e que tem direitos atuais, desde a concepção, a começar pelo direito à vida.

Mas cabe aqui uma pergunta ao ministro. Se a proibição do aborto é inconstitucional, porque só o é até três meses de gestação? Porque, segundo Barroso, no primeiro trimestre o “embrião” depende integralmente do corpo da mãe. Segundo ele, “o grau de proteção constitucional ao feto é […] ampliado na medida em que a gestação avança e que o feto adquire viabilidade extrauterina”. Portanto, no início da gestação, quando a dependência da mãe é total, a criança (“feto”) não merece nenhuma proteção jurídica. A argumentação é tão absurda quanto chocante: a Constituição não protege exatamente os que mais precisam de proteção!

A vida do bebê no início da gestação é tão desprezível, que Barroso considera absurdo obrigar uma mulher a não matá-lo:

Como pode o Estado […] impor a uma mulher, nas semanas iniciais da gestação, que a leve a termo, como se tratasse de um útero a serviço da sociedade, e não de uma pessoa autônoma, no gozo de plena capacidade de ser, pensar e viver a própria vida?

Além disso, Barroso usa o argumento “maria-vai-com-as-outras”:

Praticamente nenhum país democrático e desenvolvido do mundo trata a interrupção da gestação durante o primeiro trimestre como crime, aí incluídos Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália.

O voto de Luís Barroso foi acompanhado por Rosa Weber e Edson Fachin. Marco Aurélio e Luiz Fux também votaram pela soltura dos acusados, mas não se pronunciaram sobre a não existência do crime de aborto. Ou seja, por maioria, a Primeira Turma da Suprema Corte entendeu que não há crime se o aborto é praticado até o terceiro mês de gestação. Essa foi uma declaração incidental de inconstitucionalidade e vale apenas para o caso tratado. Mas serve de um perigosíssimo precedente para uma decisão vinculante, como a que pretende a ADI 5581, proposta pela Associação Nacional dos Defensores Públicos. Tal ação direta de inconstitucionalidade (ADI) deseja que o STF julgue constitucional o aborto praticado por gestante infectada pelo vírus zika. Até o fechamento desta edição a ADI 5581 não havia sido colocada em pauta, embora houvesse previsão de ser julgada desde o dia 7 de dezembro deste ano.

Os promotores do aborto e da ideologia de gênero fizeram da Suprema Corte um atalho fácil para atingir seus propósitos, sem precisarem enfrentar os legítimos representantes do povo, ou seja, os parlamentares. Não foi uma lei elaborada pelo Congresso, mas uma “reinterpretação” do Código Civil pelo Supremo Tribunal Federal que em 2011 instituiu no Brasil a “união estável” de pessoas do mesmo sexo[3]. Não foi uma lei feita pela Câmara e pelo Senado, mas uma “reinterpretação” do Código Penal pela Suprema Corte que em 2012 descriminou no Brasil o aborto de crianças anencéfalas. E o mesmo se pretende fazer para se descriminar o aborto em caso de gestantes infectadas pelo vírus zika, supondo haver alguma relação entre tal infecção e a microcefalia do bebê. Tudo poderá ser feito pelo poder mágico de onze super-homens, todos eles nomeados pelo presidente da República e nenhum deles eleito pelo povo. Todos eles capazes de legislar positivamente sob o pretexto de interpretar a lei “conforme a Constituição”. Todos eles capazes de reformar a Constituição e até de alterar suas cláusulas pétreas, como a inviolabilidade do direito à vida (art. 5º, caput, CF). O que o Congresso não poderia fazer nem pode emenda constitucional (art. 60, §4º, IV), os ministros do STF fazem com um simples golpe de martelo. E nosso sistema político não dispõe de nenhum meio eficaz para frear esses abusos, que só tendem a aumentar.

Que fazer?

Uma ideia do bravo jurista Rodrigo Rodrigues Pedroso[4] seria fazer o Supremo Tribunal Federal dividir com o Congresso Nacional a função de guardar a Constituição. Assim, uma vez que a Suprema Corte declarasse uma lei inconstitucional, o Congresso poderia, com dois terços de votos em cada uma das Câmaras, confirmar a constitucionalidade da lei e invalidar a decisão do Tribunal. Para esse fim, Rodrigo Pedroso redigiu a seguinte minuta de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que desejaria fosse encampada pelos membros do Congresso Nacional:

 

Art. 1º. O art. 49 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

“Art. 49. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Parágrafo único. Incumbe também ao Congresso, mas não privativamente, velar na guarda da Constituição.”

Art. 2º. É revogado o inciso X do art. 52 da Constituição Federal.

Art. 3º. O art. 97 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

“Art. 97. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Parágrafo único. No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle abstrato ou incidental de constitucionalidade, se o Congresso Nacional confirmar a lei por dois terços de votos em cada uma das Câmaras, ficará sem efeito a decisão do Tribunal.”

Art. 4º. O art. 102 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo quarto:

“Art. 102. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 

§4º É vedado ao Supremo Tribunal Federal atuar como legislador positivo, sendo nulas as decisões interpretativas com eficácia aditiva.”

Art. 5º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

 

Permita o bom Deus que o Congresso Nacional aprove logo essa PEC e ponha fim à triste ditadura do STF sob a qual estamos gemendo, como se não bastassem os treze anos de governo petista que já sofremos.

 

Anápolis, 14 de dezembro de 2016.

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

 



[1] Essa Convenção foi aprovada pelo Congresso Nacional em 26 de maio de 1992 (Decreto Legislativo n. 27), tendo o Governo brasileiro determinado sua integral observância em 6 de novembro seguinte (Decreto n. 678).

[2] Cf. RE 349703/RS e RE 466.343/SP, cujos acórdãos foram publicados em 5 de junho de 2009.

[3] ADPF 132 e ADI 4277.

[4] Advogado graduado pela FD/USP. Mestre em filosofia pela FFLCH/USP. Procurador da Universidade de São Paulo. Membro da UJUCASP (União dos Juristas Católicos de São Paulo) e do Centro de Estudos de Direito Natural “José Pedro Galvão de Sousa”

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