(queira Deus que outros Bispos façam o mesmo que Dom João Wilk)
Em 1993, em sua monumental encíclica “Veritatis Splendor”, São João Paulo II dizia:
[Esta] é a primeira vez que o Magistério da Igreja expõe os elementos fundamentais dessa doutrina [a doutrina moral] com uma certa amplitude, e apresenta as razões do discernimento pastoral necessário em situações práticas e culturais complexas e, por vezes críticas (VS 115).
Guardadas as devidas proporções, o mesmo poderia dizer Dom João Wilk, Bispo Diocesano de Anápolis, acerca de sua “Mensagem por ocasião do 50º aniversário da publicação da Encíclica Humanae Vitae e do 25º aniversário da publicação da Encíclica Veritatis Splendor”[1]. A mensagem, que ocupa 16 páginas do Catálogo 2019 da Diocese, é de uma importância extraordinária. Havia sido prometida pelo Senhor Bispo no dia 4 de maio de 2018, durante o 22º Congresso Teológico da Diocese de Anápolis, logo após duas palestras relativas ao jubileu de prata da encíclica “Veritatis Splendor”.
De fato, embora nosso saudoso Bispo Dom Manoel Pestana Filho nos tenha instruído sobre o ensinamento moral da Igreja, dando ênfase à moral familiar e conjugal, que eu saiba nunca escreveu uma carta pastoral sobre o assunto. A iniciativa de Dom João Wilk de pôr por escrito os fundamentos de tal ensinamento e de dar normas pastorais concretas foi uma dádiva de Deus ao povo desta Diocese. Um exemplo digno de ser imitado por seus irmãos no episcopado. Em seguida, alguns trechos. Vale a pena conferir.
– – – – –
I. Significado da Humanae Vitae (Vida humana)
6. […] “O matrimônio e o amor conjugal por sua própria índole se ordenam à procriação e educação dos filhos” (GS 50). Os filhos constituem o coroamento glorioso desse amor, o maior dom do matrimônio, e não um fardo, como pretende a mentalidade hedonista que domina tantos ambientes na atualidade. Sem a abertura à vida, o afeto entre os cônjuges não passaria de uma forma mascarada de egoísmo, que o tempo se encarregaria de desmascarar.
7. Pois bem, a encíclica Humanae Vitae nada mais é do que uma explicação da necessidade de que o matrimônio seja aberto à fecundidade para que o amor conjugal seja autêntico.
Paternidade responsável
9. […] Paternidade responsável não significa paternidade limitada, escassa e muito menos paternidade ao puro arbítrio dos cônjuges. Como acabamos de dizer, na geração da prole, eles são instrumentos de Deus: “são os cooperadores do amor de Deus Criador e como que os seus intérpretes” (GS 50). Por isso, dizer que eles devem ser responsáveis no exercício da paternidade significa, antes de mais nada, afirmar que, nesse âmbito, eles respondem diante de Deus pelas suas decisões. Em cada ocasião, ao decidirem se terão ou não um novo filho, hão de procurar auscultar a vontade de Deus para eles nas circunstâncias em que se encontram e ater-se a ela. A Humanae Vitae estabelece a presunção de que, de ordinário, Deus quer que os casais tenham mais filhos e essa presunção cai somente quando há razões de peso para se pensar o contrário. Tal presunção é da abertura à vida, como diz HV [Humanae Vitae], o adiamento é que deve ser discernido.
Continência periódica e não contracepção
11. Aqui chegamos a outro ponto importante dos ensinamentos trazidos pela Humanae vitae. Quando o casal, auscultando a vontade de Deus honestamente, conclui que, de momento, não deve ter mais um filho, como hão de proceder?
13. A esse respeito a HV [Humanae Vitae] ensina que a contracepção é ilícita, porque a prática de expedientes que impeçam a concepção em relações que de per si poderiam ser fecundas, acabam por eliminar o significado procriativo dos atos conjugais.
15. É importante lembrar que essa condenação da contracepção por parte de São Paulo VI na Humanae Vitae representa apenas uma reiteração da mesma condenação de Pio XI na encíclica Casti Connubii em 1930, feita em termos mais precisos e apresentada de um modo mais adequado à mentalidade dos nossos dias.
II. Significado da Veritatis Splendor
27. A existência de uma ordem moral objetiva é o ensinamento central da encíclica [Veritatis Splendor]. Decorre de uma reta interpretação do conceito de lei moral natural, cujo autor é Deus Criador. É uma norma racionalmente apreendida da ordem do mundo como tal.
28. Dito isso, o ensinamento da Encíclica pode resumir-se em três pontos:
Primeiro. A qualificação moral de uma ação (boa ou má) não depende da avaliação subjetiva de quem a pratica e sim, da adequação do seu objeto à lei moral (à verdade sobre o homem), da intenção com que se age e das circunstâncias em que se age. […]
Segundo. A qualificação moral de uma ação não depende apenas da intenção com que é praticada. Se o objeto que especifica a ação for mau, a ação será moralmente má, por melhor que seja a intenção.
Terceiro. Existem coisas que não se podem fazer jamais. Ações intrinsecamente más, como, por exemplo, matar um inocente, torturar um prisioneiro, mentir etc. Ações que serão sempre más, ainda que praticadas nas circunstâncias atenuantes.
29. Fica, portanto, excluído o subjetivismo, tão presente nos nossos dias. Além disso, fica claro que as normas da lei natural são as mesmas em qualquer época, em qualquer ambiente cultural e sempre valem para todas as pessoas.
III. Algumas consequências práticas de repercussão pastoral
32. Os casais hão de cultivar zelosamente o amor conjugal que os une. Só assim viverão plenamente a sua vocação matrimonial e estarão em condições de amar a Deus sobre todas as coisas, como exige a vocação universal à santidade.
33. Hão de receber com alegria e generosidade os filhos que Deus lhes quiser mandar, como o fruto mais precioso desse amor. Devem praticar a paternidade responsável que nada mais é que uma delicada submissão ao Criador, no discernimento da Sua vontade quanto ao exercício da capacidade de procriar que eles têm. Não deve ficar ao puro arbítrio dos pais nem o número de filhos, nem o momento oportuno de gerá-los. Sobre isso eles devem certamente decidir com plena liberdade e responsabilidade, mas sempre tratando de auscultar o querer de Deus por meio da oração, do diálogo entre si e com um sacerdote, do conhecimento dos princípios da moral da Igreja, que se manifesta de muitas maneiras, principalmente por meio das circunstâncias em que a família e a sociedade se encontram. Lembrem-se, no seu discernimento, de que somente as circunstâncias inconvenientes de peso sinalizam um querer divino contrário ao aumento da prole.
34. Tenham em conta os seguintes pontos no seu discernimento a respeito da conveniência de procriar:
● gerar um filho, embora exija sacrifício dos pais, se esse sacrifício é aceito com amor, fortalece grandemente a união entre marido e mulher.
● os filhos são uma riqueza para o bem do casal e da família maior que a estabilidade econômica ou a abundância de bens materiais.
● a educação dos filhos em uma família muito pequena é extremamente mais difícil do que em uma família de porte razoável. A falta de irmãos dificulta a socialização da criança e, de per si, se não lhe é oferecida uma educação muito lúcida, facilmente conduz ao egoísmo individualista e a outros inconvenientes.
● o fator mais importante para a boa educação dos filhos é a virtude e o cuidado dos pais e não o nível elevado de qualidade das escolas que frequentam.
35. Quando um casal concluir, depois de um sério discernimento, que a vontade de Deus é que uma nova gestação seja adiada, podem viver a continência total (cf. São Paulo em 1Cor 7). No entanto, o mais recomendável é que pratiquem a continência periódica. Não devem valer-se da contracepção ou da esterilização (vasectomia ou laqueadura). A contracepção e a esterilização são ilícitas porque atentam seriamente contra o amor conjugal. Não há nenhuma circunstância que justifique a utilização de práticas contraceptivas ou a esterilização, porque essas ações são intrinsecamente desordenadas.
36. Os casais tenham em conta que vários métodos atualmente disponíveis para a prática da continência periódica são de eficiência comprovada se utilizados com rigor, depois de uma formação e um treinamento adequado, mediante cooperação de ambos os cônjuges.
Referentes aos médicos e aos hospitais católicos
45. Nunca se pode praticar ou aconselhar um aborto desejado e provocado. É pecado e crime. Se alguém o pedir, os médicos têm o direito e dever de não praticá-lo por questão de consciência. Aos hospitais é expressamente proibido realizar abortos. Em casos particulares os médicos tenham sempre presente o princípio de salvar as duas vidas.
46. Pedimos aos ginecologistas católicos que estejam muito bem informados a respeito dos diferentes métodos de se praticar a continência periódica (os assim chamados métodos naturais) para o exercício da paternidade responsável e que de bom grado instruam os pacientes a respeito da sua utilização. Recomendamos também que se abstenham de formular observações levianas sobre as limitações desses métodos: há estudos de grande peso científico que mostram que alguns métodos naturais, se bem aplicados, após um oportuno treinamento, são eficazes e até mais seguros que as práticas contraceptivas usuais.
47. Aos hospitais católicos sob a responsabilidade desta diocese, proibimos que realizem procedimento de esterilização direta, ou seja, praticada tanto em mulheres quanto em homens, com o intuito de impedir uma gravidez futura.
50. Evidentemente, se não é moralmente lícito ao médico praticar, a pedido dos cônjuges ou pelo menos com o seu consentimento, a esterilização de uma mulher para evitar uma gravidez futura que seguramente seria de alto risco, muito mais equivocado – e até mesmo passível de responsabilização penal – seria fazê-lo por iniciativa própria, sem a autorização de ambos.
51. Façamos nossas as palavras de São João Paulo II, no final de sua celebrada encíclica Veritatis Splendor: “Só a Cruz de Cristo e a glória de Cristo ressuscitado” pode dar ao homem a paz à sua consciência e salvação à sua vida. Ainda com as suas próprias palavras, nos confiamos a Maria Santíssima, Nossa Senhora, ela que “compreende o homem pecador e ama-o com amor de Mãe”:
Ó Maria,
Mãe de misericórdia,
velai sobre todos
para não se desvirtuar a Cruz de Cristo,
para que o homem não se extravie
do caminho do bem,
nem perca a consciência do pecado,
mas cresça na esperança em Deus
“rico em misericórdia” (Ef 2,4),
cumpra livremente as boas obras
por Ele de antemão preparadas (cf. Ef 2,10)
e toda a sua vida seja assim
“para louvor da sua glória” (Ef 1,12).
São Paulo VI e São João Paulo II, rogai por nós!
– – – – –
Anápolis, 8 de abril de 2019.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis.
[1] Publicada como Anexo (p. 233-249) do Catálogo Geral 2019 da Diocese de Anápolis e dividida em 51 itens.