Para se ter uma idéia da enorme importância das palavras de Dom Aloysio Penna, que desqualificou a carta subscrita pelos 71 Bispos, basta ler os trechos a seguir, retirados das falas da Senadora Emília Fernandes (PT/RS) e do Senador Roberto Freire (PPS/PE), durante a sessão deliberativa de 05 de junho de 2002, no plenário do Senado Federal.
(Fonte: Notas Taquigráficas do Senado Federal)
1) Logo após o requerimento de inversão de pauta, para dar prioridade à votação do Protocolo Facultativo (PDS 1/2002):
SENADORA EMÍLIA FERNANDES (PT/RS): (…) Por fim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero destacar a manifestação qualificada da CNBB, por meio da fala e do documento escrito que foi entregue por ocasião da reunião, por intermédio de D. Aloysio Penna, que declarou:
Eu queria reconhecer, mais uma vez, que essa carta foi uma falha nossa [ele se referia à carta enviada ao Senado e que inclusive resultou no adiamento da votação do Protocolo]. Ela não representa a posição da Presidência da CNBB. A posição está neste documento [que ele entregou e peço que seja incluído nos Anais da Casa] que foi feito com consulta ao Presidente, ao Vice-Presidente, ao Secretário e também a assessores, juristas e estudiosos de bioética. Quero também me desculpar perante V. Exª [referindo-se a mim, que presidia os trabalhos naquele dia] por não termos introduzido esse debate já no tempo da Câmara dos Deputados, tendo ficado só para esta ocasião. Não foi nada premeditado, mas temos que reconhecer que foi nesta ocasião que nos advertimos da seriedade do problema, que deveríamos dar também nossa participação.
No documento apresentado por D. Aloysio, a CNBB afirma:
Acreditamos que a Cedaw, aprovada por quase todos os países, luta em favor da causa da mulher, infelizmente ainda tão marginalizada no Brasil e no mundo.
E declara ainda:
Esperamos que esta cultura esteja desaparecendo. Devemos lutar por uma nova cultura, que não exclua nem as mulheres, nem os negros, nem os idosos, nem os nascituros.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, por tudo o que aqui foi exposto e pela forma clara como a CNBB se manifestou, publicamente, peço que as notas taquigráficas de toda a reunião, com a participação dos palestrantes e dos Parlamentares que ali se manifestaram, sejam também transcritas nos Anais desta Casa, como complementação do meu pronunciamento. Acredito que a reunião realizada no Senado Federal encerrou a etapa de dúvidas existentes em torno da matéria, dando oportunidade a um consenso fundamental à sua aprovação, e que a posição da CNBB deixou claro que a entidade desautorizou qualquer outro documento que porventura esteja sendo divulgado. Que todo documento, a não ser este que foi entregue pela CNBB, corresponde a posições particulares e não da totalidade da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil.
2) Logo após o pronunciamento do Senador Álvaro Dias (PDT/PR), que leu uma carta de Dom Manoel Pestana, solicitando aos Senadores a rejeição da matéria:
SENADORA EMÍLIA FERNANDES (PT/RS): Senador Álvaro Dias, as pessoas que V. Exª cita, inclusive o Bispo de Anápolis e o padre que está presente – peço desculpas por não recordar seu nome -, fizeram parte daquela reunião e são testemunhas de que respeitamos sua posição. Não pensamos que a Igreja ou a sociedade pensem cem por cento igual. O que estou deixando claro – há aqui as notas taquigráficas – é que se trata de uma posição particular de um setor da Igreja. Agora, a posição oficial da CNBB está no documento entregue. Segundo as palavras textuais do Bispo Aluysio Penna, que estava aqui representando, por meio de ofício que me foi enviado, o Bispo Dom Raimundo Damasceno Assis, Secretário-Geral da CNBB, estava desautorizado qualquer outro documento. Ou seja, nenhum outro documento corresponde às posições oficiais da CNBB, mas a posições particulares. Respeitamos os pensamentos contrários, mas Dom Aluysio Penna declara que consultou o Presidente, o Vice-Presidente, o Secretário, assessorias jurídicas, assessorias religiosas e que a posição era favorável. Ele afirmou:
Eu gostaria de deixar claras aqui as palavras daquela que foi mais incisiva – trata-se de uma das palestrantes – e que encarou mais diretamente a carta da CNBB, a Srª Sílvia, ao resumir: ‘Os católicos e outros religiosos têm o direito de construir suas identidades em torno de seus princípios e valores, pois são parte da sociedade’. Estou inteiramente de acordo, mas não tenho o direito de pretender hegemonizar a cultura de um Estado laico. Professei, aqui, claramente, que estamos num Estado pluralista laico, onde a Igreja está separada do Estado desde a República e que devemos e temos a obrigação de defender aquilo que achamos que corresponde ao Evangelho.
São palavras do Bispo:
Eu queria reconhecer, mais uma vez, que esta carta foi uma falha nossa. Ela não representa a posição da Presidência da CNBB. A posição está neste documento (…)
Penso, então, que podemos considerá-lo um documento oficial, que pode ser usado por quem foi feito, sob consulta à Presidência, à Vice-Presidência, aos assessores, como já registrei. Para que não fiquem dúvidas, apesar do meu respeito às visões diferentes existentes dentro da Igreja, afirmo que a CNBB não tem nenhuma dúvida em relação ao protocolo que o Brasil está assinando junto à ONU. Para V. Exª ter uma idéia, no momento, 74 países já assinaram o Protocolo Facultativo, e 40 já o ratificaram. Portanto, é uma coisa que está sendo trabalhada e administrada no mundo todo. Muito obrigada.
3) Após o Senador Carlos Patrocínio (PTB/TO) anunciar a proposição de um requerimento para adiar a votação da matéria, fazendo-a retornar à Comissão de Relações Exteriores do Senado:
SENADORA EMÍLIA FERNANDES (PT/RS): Gostaria de esclarecer algo em relação à posição da CNBB. Há dois documentos. Um é este que está aqui na minha mão, documento que Dom Aloísio me entregou oficialmente e está na íntegra para quem o quiser ler; outro é este que está sendo lido agora, em que ele desautorizou o outro documento, dizendo: “Gostaria de esclarecer que há dois documentos. O primeiro é uma carta” – referindo-se à carta que motivou toda essa discussão – “que foi assinada por representantes regionais da CNBB. Tenho a dizer, a bem da verdade, que foi entregue, juntamente com essa carta, que tem apenas uma folha, um outro documento que não é, absolutamente, oficial na CNBB e que não representa o pensamento da CNBB”. Infelizmente essa carta foi enviada a esta Casa pela CNBB – Dom Damasceno reconhece isso. Ele dizia do Bispo Dom Aloísio. “Ele pegou e não deveria ter entregue“, querendo dizer que não deveria ter vindo a carta a esta Casa. E aí termina dizendo: “Só queria agradecer isso e gostaria que a senhora” – referindo-se a mim, que estava presidindo a reunião – “se ativesse apenas a uma carta“. Quero dizer também que os Srs. Senadores foram, todos, convidados, por escrito, por esta Senadora para uma reunião que se realizou no dia 21, nesta Casa, na qual compareceram algumas Srªs e Srs. Senadores, diga-se de passagem. Estão aqui as notas taquigráficas, são 37 folhas, de tudo o que foi dito, refletido e pensado. Penso, portanto, que esta Casa já deveria estar suficientemente esclarecida. É um avanço do ponto de vista internacional e não estabelece nenhum outro direito neste País, não influi nas decisões do Congresso Nacional, não influi no poder da Justiça e nem se movimenta impondo questões para o nosso País. É um atraso pensar que se poderiam incluir novas questões no debate sobre a discriminação contra a mulher. O que se caracteriza, na verdade, é que há, de fato, discriminação contra a mulher.
3) Após a leitura do requerimento de adiamento:
SENADOR ROBERTO FREIRE (PPS/PE – encaminhando a votação): (…) A questão, até para esclarecer o Senado Federal a respeito, é que não podemos ficar à mercê de divergências internas das igrejas brasileiras. Na primeira vez em que se discutiu este assunto, veio um documento da CNBB – dizia ser da CNBB – se posicionando contrariamente, o que fez a matéria ser adiada. Posteriormente, a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil participou de uma audiência, presidida pela Senadora Emilia Fernandes, e declarou que nada tinha a se opor. Quero dizer que respeito a opinião da igreja, mas penso que isso não deveria influenciar o voto do Senado, que é uma instituição de uma república laica. É respeitável e é importante ouvirmos a sociedade civil. Mas não podemos aceitar que qualquer dos prelados, bispos ou representantes da igreja católica, intitulando-se representantes do pensamento da Igreja Católica, apresentem documentos contrários à matéria, porque assim não vamos votar nunca. E digo isso porque esse documento vem de alguém que tem uma mobilização muito grande em tudo que se discute em relação à mulher. E não me parece ser a posição mais conseqüente que o Brasil deve adotar em relação à mulher. O País já avançou muito e não pode ficar paralisado por aqueles que têm uma visão conservadora em relação à mulher.
4) SENADORA EMÍLIA FERNANDES (PT/RS – encaminhando a votação): (…) Quero registrar mais uma parte do documento da CNBB, assinado por Dom Aloysio Penna, que estava representando, oficialmente, aquela entidade aqui:
A CNBB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a qual eu represento neste momento, recebeu contribuições muito diversificadas. Procuramos estudar o material recebido e nos assessorar de profissionais competentes nos campos jurídicos e bioéticos.
DA CONVENÇÃO (CEDAW)
Buscamos nos inteirar do caminho percorrido desde a aprovação na Assembléia-Geral das Nações Unidas, aos 18 de dezembro de 1979, da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, CEDAW, que entrou em vigor em 1981 e que foi ratificada pelo Brasil em 1984
DO PROTOCOLO FACULTATIVO
Aprovado nas Nações Unidas em outubro de 1999, somente entrou em vigor em 22 de dezembro de 2000. Desde a assinatura pelo Governo brasileiro do Protocolo de 13 de março de 2.001, entidades de direitos humanos, em especial dos que lutam contra a desigualdade de gênero, têm lutado pela regulamentação do instrumento jurídico internacional pelo Brasil.
Srªs e Srs. Senadores, escutem com atenção, para que possam constatar que realmente não há impasse neste problema. Mais adiante, é dito: Acreditamos que a CEDAW, Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, aprovada por quase todos os países, luta em favor da causa da mulher, infelizmente ainda tão marginalizada no Brasil e no mundo. E diz ainda: No que diz respeito às mulheres, a Igreja sempre pregou a igual dignidade de homens e mulheres, ambos, como ensina a Bíblia, criados à imagem e semelhança de Deus. Sabemos que essa dignidade, na prática, deixa ainda muito a desejar. E concluiu dizendo que este documento não correspondia ao pensamento da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vejo que o Brasil quer se colocar à frente das grandes questões internacionais, participando de um foro de discussão. Não são direitos a mais, não são imposições. Esse Comitê poderia analisar conjuntamente situações, como, por exemplo, a discutida hoje, neste plenário, sobre a exploração de meninas, um tema envolvente, triste, mas que faz parte do cotidiano brasileiro. O Comitê não determinaria nada, mas indicaria algumas sugestões, estabeleceria suas posições. Quem decide é o País, é o Congresso Nacional, é a sociedade organizada, é o Governo. Portanto, Sr. Presidente, após uma reunião em que foi utilizado material qualificado, que está à disposição de todos os Srs. Parlamentares, entendo que não seria bom para esta Casa desconsiderá-la, principalmente tendo em vista que a posição de uma minoria dentro da Igreja, que respeitamos, não corresponde à posição oficial da CNBB. Temos que nos mover por posições oficiais. A CNBB tem seu documento. Entendemos que o Congresso Nacional tem que votar esse acordo internacional. O Governo brasileiro está pedindo isso, a Câmara dos Deputados já o aprovou, e não será o Senado que irá impedi-lo. Isso seria um retrocesso. Portanto, peço a avaliação dos Srs. Parlamentares.