Coração Imaculado de Maria,
livrai-nos da maldição do aborto!

A íntegra da audiência pública sobre o Protocolo Facultativo à CEDAW

AUDIÊNCIA PÚBLICA SOBRE O “PROTOCOLO FACULTATIVO À CEDAW – CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER”, CONVOCADA PELA SENADORA EMÍLIA FERNANDES (PT/RS)

DATA: 21 DE MAIO DE 2002, ÀS 18 HORAS

LOCAL: SALA 13 (COMISSÃO DE SERVIÇOS DE INFRA-ESTRUTURA DO SENADO)

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) – Neste momento, damos início a esta reunião que tem o objetivo de travar um debate entre a sociedade brasileira e o Parlamento, a fim de aprofundarmos o conhecimento em relação ao Protocolo Facultativo da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, CEDAW, que está tramitando nesta Casa.

Já nos honram com sua presença o Ministro Hidelbrando Tadeu Nascimento Valadares, Diretor-Geral do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores; a Drª Solange Bentes Jurema, Secretária Nacional dos Direitos da Mulher e Presidente Nacional do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. Uma das grandes conquistas obtidas pelas mulheres foi a possibilidade de termos uma secretaria com status de um ministério para tratar das questões das mulheres.

Dom Aloysio José Leal Penna, Arcebispo de Botucatu, São Paulo, e responsável pela Pastoral da Família, também nos honra com sua presença, como representante da CNBB. Enviamos convite a Dom Raimundo Damasceno, Secretário da CNBB, que respondeu comunicando oficialmente que neste evento a CNBB seria representada por Dom Aloysio José Leal Penna.

Contamos também com a Drª Sílvia Pimentel, Coordenadora Nacional do Comitê Latino-Americano e do Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher, Cladem, no Brasil, e Professora Doutora em Filosofia do Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Temos o prazer de contar ainda com a presença da Drª Flávia Piovesan, Procuradora do Estado de São Paulo e Professora de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Ao longo das nossas atividades, iremos registrando a presença de pessoas que aqui estiverem representando demais entidades e órgãos.

Desde já agradecemos ao Senador Gilvam Borges pela presença, igualmente à Senadora Marina Silva e às Deputadas Iara Bernardi, Alcione Barbalho e Luiza Erundina, que representam a Bancada feminina da Câmara dos Deputados.

Farei alguns registros e depois passarei a palavra aos nossos convidados.

No último dia 25 de abril, estava em votação no plenário do Senado Federal, o Projeto de Decreto Legislativo nº1/2002, referente ao Protocolo Facultativo Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. A votação foi adiada nesse dia sob a argumentação de que deveria ser desenvolvida maior discussão sobre o conteúdo desse documento. O adiamento da votação do Protocolo foi motivado por documento apresentado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, endereçado ao Presidente do Senado Federal, Ramez Tebet, intitulado Rejeição do Protocolo Facultativo CEDAW. Esse documento foi entregue aos Senadores e Senadoras na manhã do dia 25, antes da sessão da manhã.

Assim, com o intuito de promover amplo esclarecimento a todos os Senadores e Senadoras desta Casa e também a toda a sociedade civil acerca do real conteúdo e significado do Protocolo, entendemos importante a realização desta reunião.

Antes de passar a palavra aos ilustres convidados, faço algumas considerações sobre o processo de ratificação, pelo Estado brasileiro, do Protocolo. Os palestrantes podem nos corrigir e tirar dúvidas no momento oportuno. Esses palestrantes terão dez minutos para suas exposições iniciais. Depois, se surgir algum questionamento ou persistir alguma dúvida, poderemos ampliar esse tempo.

Esse Protocolo está em processo de ratificação, porque, de acordo com a nossa Constituição Federal, qualquer acordo internacional que o Brasil firme necessita de ratificação pelo Congresso Nacional. Depois dessa ratificação, o acordo precisa do depósito do Governo brasileiro junto à ONU.

Em 22 de dezembro de 2000, entrou em vigor, no âmbito internacional, o Protocolo Facultativo CEDAW, instrumento jurídico adotado pela Organização das Nações Unidas em 1999. O Protocolo é um tratado internacional de proteção aos direitos humanos das mulheres, que garante a elas o acesso à justiça internacional, de forma mais direta e eficaz, quando o sistema nacional se mostra falho ou omisso na proteção dos seus direitos humanos. O Protocolo está aberto a assinaturas e ratificação pelos Estados que já sejam parte da CEDAW. O Brasil faz parte da CEDAW desde 1984 e assinou o Protocolo em 13 de março de 2001, iniciando assim oficialmente o processo de ratificação do Protocolo pelo Estado brasileiro.

Desde o início desse processo, cumpre ressaltar, a Bancada feminina do Congresso Nacional incluiu a aprovação do protocolo na sua lista de projetos prioritários. Atendeu, dessa forma, a apelos nacionais e internacionais não apenas de conferências tal como a de Pequim, onde o Brasil assinou protocolos, mas também de debates de movimentos organizados.

Em sessão solene do Dia Internacional da Mulher, no dia 14 de março de 2001, os Presidentes em exercício da Câmara e do Senado assumiram publicamente o compromisso de dar prioridade política à tramitação e aprovação, em regime de urgência, do Protocolo pelo Congresso Nacional.

Em 26 de abril de 2001 o Executivo brasileiro enviou mensagem presidencial, MSC 0374/01, ao Congresso Nacional para a aprovação do Protocolo Facultativo CEDAW. Aqui faço parênteses para tornar bem claro que esse não é um projeto de minha autoria, como algumas pessoas e até entidades pensavam; trata-se, isso sim, de um acordo internacional assinado pelo Presidente da República – certamente, um dia poderemos chegar à Presidência e assinar alguns acordos.

Em 12 de dezembro de 2001, o Projeto de Decreto Legislativo referente ao Protocolo, PDL nº 1357, de 2001, foi aprovado por unanimidade pelo Plenário da Câmara dos Deputados, onde havia passado pela Comissão de Relações Exteriores, que aprovou o parecer da Deputada Elcione Barbalho, aqui presente, do PMDB do Pará. Passou, depois, pela Comissão de Seguridade Social e Família, onde mereceu parecer – e foi aprovado – da Deputada Laura Carneiro, do PFL do Rio de Janeiro. Quando chegou ao plenário em regime de urgência, foi votado e defendido pela Deputada Zulaiê Cobra, do PSDB de São Paulo. Encaminhado ao Senado Federal, segundo a tramitação, foi aprovado, também por unanimidade, por todos os Partidos, no dia 16 de abril de 2002, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, com base no parecer favorável que eu, Senadora Emilia Fernandes, do Partido dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul, apresentei e defendi. Repito: a Comissão, por unanimidade, aprovou.

Na seqüência, foi para votação ao plenário, no dia 25 de abril, quando foi então, como já registrei, apresentado um pedido de retirada de pauta, sendo adiada sua votação. Então, entendemos que não adiantava apenas adiar, sem que tivéssemos um momento de discussão mais ampla, com maior visibilidade, como será essa reunião.

Agradecemos aos funcionários pela presença e aos meios de comunicação do Senado, que estão gravando esta reunião para que sejam transmitidos ao Brasil os debates, as manifestações dos ilustres convidados e convidadas que aqui estão.

Este é o trabalho do Parlamento: dar visibilidade e transparência àquilo que aqui se faz, que aqui se discute e que aqui se aprova. Dentro desse resgate histórico, com datas e trâmite, não discuti o mérito. Vamos fazê-lo a partir de agora, nesta reunião. Vale lembrar ainda que, até o presente momento, setenta e quatro países já assinaram o protocolo e trinta e oito já o ratificaram. Entre eles, estão: Bolívia, Costa Rica, Guatemala, Equador, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai.

Finalizando, esclareço que o Protocolo Facultativo é um instrumento procedimental, que não cria nenhum direito novo substantivo às mulheres, mas fortalece aqueles previstos na CEDAW, os quais já são parte da nossa legislação desde 1984, quando o Brasil ratificou a Convenção.

A CEDAW é um tratado internacional de direitos humanos que busca assegurar a igualdade entre homens e mulheres e eliminar a discriminação contra a mulher, no exercício de seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, tanto na esfera pública quanto na privada.

O Protocolo não cria direitos adicionais; amplia, isso sim, o exercício da cidadania das mulheres brasileiras, permitindo que recorram ao comitê quando o Estado for omisso ou falho na proteção de seus direitos humanos consagrados na Convenção.

A ratificação do Protocolo Facultativo, CEDAW, portanto, apenas amplia a sistemática do monitoramento internacional do comitê em relação à implementação dos direitos já consagrados pela CEDAW, permitindo o encaminhamento de denúncias individuais de violação dos direitos da convenção e a instauração de investigação em casos de graves ou sistemáticas violações da CEDAW.

A CEDAW, como os outros comitês que monitoram os demais tratados internacionais de direitos humanos da ONU, é composta por especialistas eleitos por indicação dos Estados para um mandado, em geral, de quatro anos. Eles têm atribuição de examinar relatórios enviados pelos países. Emitem opiniões e recomendações, orientando os Estados na questão da igualdade dos direitos humanos.

Assim sendo, o Protocolo Facultativo da CEDAW tem o mesmo status que outros instrumentos internacionais de direitos humanos, os quais também contemplam procedimentos de denúncias, quais sejam: Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos: Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, em seu art. 14, e a Convenção contra a Tortura, por exemplo, em seu art. 22.

Então, pela lógica, vale dizer que impedir a ratificação desse Protocolo Facultativo significaria impedir o reconhecimento dos demais tratados e procedimentos, denúncias e violações garantidas por outros tratados, sob o ponto de vista civil e político – discriminação racial, tortura, temas que hoje extrapolam as questões nacionais.

Contudo, é interessante lembrar que, no último dia 26 de abril de 2002, o Congresso Nacional apresentou, e o Presidente do Senado Federal, Ramez Tebet, promulgou, o Decreto Legislativo nº 57, de 2002, que aprova solicitação de o Brasil fazer a declaração facultativa prevista no art. 14 da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, reconhecendo a competência do Comitê Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial, para receber e analisar denúncias de violação dos direitos humanos cobertos na Convenção.

Pergunto aos ilustres membros da Mesa: que sentido tem a atitude desta Casa de ter impedido, no dia 25 de abril, a aprovação do Protocolo? Não reconhece a competência do Comitê da CEDAW e, no dia seguinte, dia 26 de abril, aprova e reconhece a mesma competência em relação ao comitê que monitora a convenção da discriminação racial.

É com esse espírito de respeito, de valorização, de reconhecimento pelos pensamentos diferenciados na sociedade – que é legítimo e respeitamos – que vamos iniciar os nosso trabalhos, ouvindo a todos com o maior respeito e oportunidade democrática.

Passo, então, a palavra ao Ministro Hidelbrando Tadeu Nascimento Valadares, Diretor-geral do Departamento de Direitos Humanos e temas sociais do Ministério das Relações Exteriores, para expor as suas idéias.

O SR. HILDEBRANDO TADEU NASCIMENTO VALADARES – Muito grato, Srª Senadora, minhas primeiras palavras são de agradecimento à Srª Senadora Emilia Fernandes, pelo convite que me transmitiu, em 30 de abril passado, para estar hoje aqui trazendo a posição do Executivo, por meio do Itamaraty, em relação ao Protocolo Facultativo da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.

Na sua pessoa, Srª Senadora, também saúdo todos os demais componentes desta Mesa e manifesto a minha pessoal satisfação de participar de uma Mesa em que, além da Presidente, uma Senadora brasileira, temos um bispo representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Secretária de Estado para os Assuntos da Mulher e duas grandes juristas brasileiras. Sinto-me até um pouco deslocado nesta Mesa, da minha posição simplesmente de Diretor-Geral do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Itamaraty.

Dito isso – a minha exposição, vou tentar fazê-la tão rápido quanto possível -, creio que os temas e as dúvidas maiores sobre o assunto serão suficientemente esclarecidas pela minha intervenção de caráter geral inicial, mas, sobretudo, pelas intervenções dos demais integrantes desta Mesa.

Do ponto de vista histórico, creio que é muito importante assinalar que, desde a sua criação em 1945, a Organização das Nações Unidas tem tido, como um dos seus focos de atuação, a promoção da igualdade para as mulheres no âmbito global. Em 1946, foi criado um órgão especial para tratar de assuntos das mulheres, a Comissão sobre a Situação da Mulher. Composta por 45 membros, é subordinada ao Conselho Social da ONU. Examina o progresso em favor da igualdade das mulheres no mundo e faz recomendações, e sublinho recomendações, para a promoção dos direitos das mulheres nos campos político, econômico e social.

A Comissão tem uma significativa importância, inclusive porque organizou quatro conferências globais sobre o tema das mulheres: no México, em 1975; Copenhague, em 1980, Nairobi, em 1985 e Pequim, em 1995.

A esta Comissão compete, ainda, monitorar a implementação dos resultados da plataforma de ação de Pequim. Para tanto, recebe o apoio da Divisão para o Avanço das Mulheres, que acompanha a adesão dos países à Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, ou seja, acompanha a adesão dos países a um instrumento que é considerado a Carta de Direitos Humanos das Mulheres.

As quatro conferências a que me referi sobre o tema das mulheres, elaborado pela ONU, são parte de uma série de conferências mundiais convocadas pelo sistema das Nações Unidas durante a segunda década do desenvolvimento, nos anos 70, que se estendeu até os anos 90.

O objetivo desses encontros era mapear a situação global em áreas específicas problemáticas e desenhar planos de ação, em longo prazo, nos seus respectivos campos.

O protagonismo da mulher nesse ciclo de conferências sobre temas sociais deu-se de uma maneira muito significativa e em função, entre outros, de dois fatores muito importantes. O primeiro foi a emergência de uma nova fase no Movimento Internacional da Mulher. E o segundo foi o agravamento de dois grandes problemas internacionais daquela época: a questão da população e a questão da alimentação, ou seja, problemas de caráter demográfico e de segurança alimentar.

A Organização das Nações Unidas deu-se conta de que a mulher é elemento chave para a solução desses dois problemas, em especial nos países em desenvolvimento, uma vez que a sua atuação é crucial para o bom encaminhamento de cada um deles.

A estratégia de promoção do desenvolvimento em suas dimensões demográficas, em suas dimensões de segurança alimentar, com vista à satisfação das necessidades básicas, devemos sublinhar, se ressente não apenas de recursos limitados, mas também, diria até sobretudo, do potencial ainda não realizado das mulheres como força social. Tal potencial será plenamente utilizado quando a igualdade de gênero for alcançada. Para isso, há esta Convenção. E, para fortalecer esses mecanismos, está o Protocolo Facultativo que nos congrega hoje, aqui.

Em 1972, foi acordado que o ano de 1975 seria celebrado como o Ano Internacional da Mulher. Naquele mesmo ano de 1972, uma finlandesa foi apontada como a 1ª Assistente do Secretário-Geral da ONU.

Refiro-me a esses dois eventos, embora sejam de níveis diferentes, porque ambos são marcos, começo de uma espécie de “nova era das mulheres nas Nações Unidas”. Ambos, e com efeito, reforçaram a emergência de um renovado movimento das mulheres no mundo inteiro.

Assim, o Ano Internacional da Mulher foi tido como o mais bem-sucedido entre tantos outros anos temáticos da ONU até os dias de hoje.

Deixo isso registrado porque creio que o fato de ter sido tão bem-sucedido mostra a capacidade do Movimento Internacional de Mulheres de se organizar e de levar adiante suas plataformas de reivindicações, tanto em termos globais, quanto em termos de sistema regional interamericano em cada um de nossos países, em especial no Brasil.

Ao finalizar 1975, ficou decidido que deveria ser elaborada uma Convenção Internacional sobre a Mulher, que seria um instrumento de grande transcendência. Essa foi a origem da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, adotada, afinal, como manifestou a Senadora, em 1979.

Nos anos 90, a onda democratizante desencadeada a partir do fim da Guerra Fria deu início a uma nova fase de conferências da ONU sobre temas sociais. Essa nova fase conferiu um novo vigor ao multilateralismo, por oposição ao que se chamou crise do multilateralismo, que caracterizou a década de 80. Essa mesma crise do multilateralismo é uma parte das circunstâncias muito difíceis que vivemos atualmente, em decorrência dos acontecimentos de setembro passado em Nova Iorque e de todas as suas derivações em termos de luta contra o terrorismo e de vulneração de direitos humanos.

Tais conferências, dos anos 90, tiveram sua origem naquelas que mencionei. Trabalharam em cima do acúmulo de realizações daquelas quatro conferências dos anos 70. Mas, pelas circunstâncias políticas do final da Guerra Fria e de democratização em amplas áreas do mundo, as reuniões da década de 90 tiveram um mérito acrescido: conseguiram conferir um avanço ainda maior à chamada Agenda Social das Nações Unidas.

As conferências sobre matérias sociais da ONU foram a Cúpula Mundial sobre a Criança, Nova Iorque, 1990; a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, Viena, 1993; a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, Cairo, 1994; a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social, Copenhagen, 1995; a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, Pequim, setembro de 1995 e a Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Habitat II, Istambul, junho de 1996. Nessa lista de conferências, o elo mais recente é a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Correlata, que se realizou em setembro passado em Dorban, na África do Sul. Tanto a Declaração quanto o Programa de Ação de Dorban incorporaram a transversalidade das questões de gênero.

Digo que, ao longo de todas essas conferências, o Movimento das Mulheres no plano nacional, no plano global, no plano regional se solidificou e se expandiu, levando a conquistas absolutamente essenciais para nós, brasileiros, na medida em que estamos todos comprometidos com a criação e o aperfeiçoamento de uma sociedade democrática e de um Estado Democrático de Direito no Brasil.

Ao longo dessas conferências, desenvolveu-se uma agenda quase consensual sobre políticas, programas e princípios, inicialmente associados com temas mais amplos de desenvolvimento, igualdade e paz. Foram esses conceitos levados à Conferência sobre Meio Ambiente, do Rio, à de Viena, sobre Direitos Humanos, à de População, no Cairo, à de Desenvolvimento Social, de Copenhagen e à de Istambul. Em Dorban, no ano passado, recolhemos essa herança e conseguimos realmente avanços, tanto em termos declaratórios como em termos de projetos incluídos no programa de ação, que foram o coroamento desse processo.

Repetirei o que disse a Senadora: o Brasil assinou, em 31 de março de 1983, a Convenção Internacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, adotada, em 1979, pela Assembléia Geral das Nações Unidas.

A Convenção entrou em vigor, no Brasil, no dia 2 de março de 1984, com reservas que foram retiradas em 1994, em virtude dos dispositivos da Constituição de 1988. As reservas eram aos artigos 15 e 16. O art. 15 tratava de igualdade entre homens e mulheres perante a lei e o art. 16, de discriminação contra mulheres em todos os assuntos referentes à relações de casamento de família. Naturalmente, com os grandes ganhos provenientes da nossa Constituição de 1988, essas reservas que o Governo brasileiro tinha deixaram de ter fundamento e foram retiradas.

O art. 17 da Constituição prevê o estabelecimento de um comitê para a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. Esse comitê é composto de 23 peritos. Citarei agora as características desses peritos: “De elevado nível moral e competência no campo de atuação coberto pela convenção”. Os peritos devem ser eleitos pelos Estados-membros. É levada em consideração distribuição geográfica eqüitativa, tendo em conta as diferentes formas de cultura e civilização, bem como os principais sistemas legais existentes.

A tarefa crucial do comitê de peritos consiste em acompanhar a implementação pelos Estados membros da CEDAW, examinar os relatórios nacionais que as partes são obrigadas a submeter-lhe a cada quatro anos, segundo o art. 18 da convenção.

Abro parênteses para dizer que uma das dívidas institucionais do Brasil, em termos de política externa, é que nós, até hoje, não apresentamos esse relatório nacional. É uma dívida enorme. O Itamaraty fez um esforço muito grande. E digo que o esforço muito grande do Itamaraty é pequeno, comparado ao esforço da sociedade civil, do movimento de mulheres. Tenho grande orgulho do fato de ter sido assim, inclusive porque isso aconteceu antes de eu assumir essa diretoria geral, cargo que hoje estou exercendo. A elaboração básica, digamos, o copião desse relatório nacional, que será apresentado dentro de mais uns poucos meses à ONU, foi feito pela sociedade civil, foi feito pelo movimento organizado de mulheres. Duas coordenadoras desse movimento estão nesta Mesa. E, quando esse copião foi elaborado pela sociedade civil e remetido ao Itamaraty, fizemos uma releitura do documento e o negociamos com representantes do movimento de mulheres. O texto final está praticamente pronto. Temos agora apenas formulações pequenas, problemas de forma. Espero que, dentro de dois meses, no máximo, possamos encaminha-lo às Nações Unidas.

Com o intuito de dotar essa convenção de mecanismo de reforço à implementação dos direitos humanos das mulheres e de incentivar a eliminação de práticas discriminatórias, foi negociado o Protocolo Facultativo, objeto da nossa reunião de hoje. Este protocolo é de estrito caráter procedimental, como assinalou a Senadora. Ele apenas prevê outros procedimentos além dos relatórios nacionais. O Protocolo Facultativo da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher foi adotado por consenso pela Assembléia Nacional das Nações Unidas em 6 de outubro de 1999. A ONU reconhece a competência do comitê para eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, para receber e analisar denúncias de violação dos direitos contemplados na convenção. Como a Senadora assinalou também, essa atitude não é inaugural. Há outros mecanismos como esse do qual o Brasil faz parte.

Trata-se do primeiro mecanismo internacional, entretanto, de caráter global, de denúncias sobre os direitos da mulher especificamente. Em 10 de dezembro de 1999, data em que foram abertas assinaturas, o Protocolo Facultativo foi assinado por 23 países. O Brasil assinou o protocolo em 13 de março de 2001. A cerimônia de assinatura teve lugar na sede das Nações Unidas, em Nova York, e ocorreu na presença da Presidente do Conselho da Comunidade Solidária, Drª Ruth Cardoso.

A competência atribuída ao comitê da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, pelo art. 2 do Protocolo Facultativo, inclui o seguinte: primeiro, análise de petições dos Estados que sejam vítimas de violações dos direitos humanos contemplados pela convenção. Após essa análise, o comitê pode emitir recomendações ao Estado envolvido. Segundo, o recurso ao comitê tem como pré-requisito o esgotamento prévio dos recursos domésticos disponíveis, com exceção, naturalmente, dos casos em que as satisfações que possam ser obtidas por esse meio se demonstrem excessivamente demoradas ou de efeito duvidoso. Os critérios para que os prazos sejam considerados demasiado longos ou os efeitos inócuos, não estão especificados no texto do Protocolo Facultativo, dependem, em cada caso, do critério de razoabilidade.

Por fim, terceiro, o Estado-parte da convenção que receber recomendações do comitê deverá examiná-las e, passados seis meses da data do seu recebimento, dirigir ao comitê resposta escrita, relatando as medidas que tenham sido tomadas para remediar a situação que deu origem às recomendações. Isso nada tem de novidade.

Apenas um pequeno parênteses: há algum tempo, o Relator especial da ONU sobre tortura veio ao Brasil, esteve em todos os lugares que quis, fez o seu relatório e as suas recomendações; nós, o Estado brasileiro acreditamos que seja uma interação muito positiva para o objetivo maior de defesa dos direitos humanos, no caso o de não ser torturado no Brasil. Estamos cumprindo as recomendações progressivamente. Já existe a preocupação quanto a essa possibilidade, e o Estado brasileiro acha muito positivo.

O sistema criado pelo Protocolo Facultativo constitui, na visão do Executivo, um estímulo adicional à implementação dos objetivos da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, provendo-a de um mecanismo de petição.

Assinale-se que a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Violência contra a Mulher, de Belém do Pará, adotada pela Assembléia Geral da OEA em 9 de julho de 1984 e ratificada, sem reservas, pelo Brasil em 27 de novembro de 1995, conta com mecanismo similar.

O Protocolo Facultativo à Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher entrou em vigor internacionalmente em 22 de dezembro de 2001, após ter obtido 10 ratificações. Até o momento, refiro-me ao que disse a Senadora, o Protocolo Facultativo já foi assinado por 74 países, dentre os quais 39 – a Senadora citou 38, mas houve um a mais – depositaram seus instrumentos de ratificação.

São signatários do protocolo facultativo os seguintes países latino-americanos: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Dentre esses, Bolívia, Costa Rica, República Dominicana, Equador, México, Panamá, Paraguai, Peru e Uruguai já ratificaram o Protocolo.

Concluindo, a critério do Executivo, o reconhecimento da competência do comitê por meio da ratificação do Protocolo Facultativo da Convenção responde às expectativas de diversos segmentos da sociedade brasileira e constitui importante gesto governamental no sentido de reforçar internacionalmente o compromisso que o Brasil vem assumindo com a defesa e a promoção dos direitos da mulher e com a defesa e a promoção dos direitos humanos em geral, desde a redemocratização e da adoção da nossa Constituição.

A propósito, saliento que foi dirigido um ofício ao Ministro de Estado e Relações Exteriores, em 7 de março de 2001, pela Bancada feminina do Congresso Nacional, assinada por 15 Parlamentares de diferentes filiações político-partidárias. Esse ofício solicitava que o Brasil, em sintonia com a sua posição como “um dos Estados mais avançados e protagônicos no que se refere à proteção nacional e internacional dos direitos humanos, em especial dos direitos das mulheres”, assinasse e ratificasse o protocolo facultativo.

No essencial, queria apenas sublinhar que essa é a minha colaboração em termos não pessoais, mas em termos profissionais, e a posição do Itamaraty, do Executivo a respeito. Espero que, a partir do debate e das explicações a serem dadas nesta reunião, o protocolo facultativo possa ser ratificado e que, em breve, possamos encaminhar, em procedimento final, a documentação a Nova Iorque.

Muito obrigado. (Palmas.)

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) – Muito obrigada, Ministro Hildebrando Tadeu Valadares.

Registro e agradeço a presença do Pe. Ernane Pinheiro, assessor da CNBB; de Valéria Pandjiarjiam, do Comitê Latino-americano de Defesa dos Direitos Humanos; de Regina Bitencourt e de Adriana Rodrigues Martins, ambas da Divisão de Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores; de Magalho da Silva, da Divisão de Atos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores; de Marlene Libardone, Diretora Executiva da Agende; de Ella Castilho, Subprocuradora-Geral da República; de Sueli Aparecida Bilato, do gabinete do Senador Tião Viana, do PT do Acre; e da combativa professora Deputada Esther Grossi, Presidente da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados.

De imediato, concedo a palavra à Drª Solange Bentes Jurema, Secretária Nacional dos Direitos da Mulher.

A DRª SOLANGE BENTES JUREMA – Cumprimento a Mesa e as Senadoras na pessoa da Senadora Emilia Fernandes, as Srªs. Deputadas, as companheiras aqui presentes e os representantes da Igreja.

Começo com uma frase da Igreja: “Deus escreve certo por linhas tortas”. O adiamento da votação do Senado, no dia 25 de abril, do Protocolo Facultativo nos permitiu discuti-lo hoje e, talvez, dar mais visibilidade ao que, de fato, ele representa para as mulheres. O que parece ter sido um retrocesso nessa longa luta das mulheres passa a ser um momento importante de reflexão.

A aprovação da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a CEDAW, ocorrida há mais de 20 anos, constituiu-se num marco importante na luta pela garantia dos direitos das mulheres.

A CEDAW estrutura-se sobre três princípios interrelacionados, a saber: o princípio da igualdade, o princípio da não-discriminação e o princípio da obrigação de Estado. É na articulação desses três princípios que se encontra a base política necessária para a formulação de estratégias que visem a igualdade de gênero, em consonância com os artigos previstos na CEDAW.

O Protocolo Facultativo da Convenção para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher é um procedimento de comunicação através do qual o Comitê para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação possa rever denúncias e averiguar se os direitos garantidos pela convenção têm sido violados e identificar soluções para as vítimas. É um procedimento de comunicação através do qual se permite à CEDAW proceder a investigações acerca de violações graves ou sistemáticas.

Esse protocolo promove o acesso à Justiça para as mulheres em nível internacional. Ele permite às mulheres às quais tenha sido negado o acesso à Justiça em nível nacional vir a ter seus requerimentos revistos por um comitê independente de especialistas – conforme aqui disse o representante do Ministério das Relações Exteriores, Hildebrando Tadeu -, o qual irá monitorar o cumprimento da convenção. Contudo, o esgotamento das soluções nacionais para os casos em questão é o requerimento básico antes do uso do protocolo facultativo.

O Protocolo Facultativo é um acordo separado que está aberto à ratificação pelos Estados que já tomam parte na Convenção. Todavia, ele não cria novos direitos adicionais, apenas permite a indivíduos ou a grupo de indivíduos o encaminhamento de suas denúncias a um fórum internacional, o qual poderá providenciar reparações para violações de seus direitos humanos, no caso de as soluções em nível nacional não terem sido satisfatórias.

E como é que esse Protocolo Facultativo pode beneficiar as mulheres? Catalisando mudanças nas leis e práticas nacionais, motivando os governos a assegurar que a convenção seja implementada em nível nacional e que as soluções nacionais possam ser submetidas à avaliação em nível internacional, providenciando reparações para as vítimas individuais das violações dos direitos humanos da mulheres.

O Protocolo Facultativo incorpora procedimento decisório, o qual pode permitir a mediação pelo comitê de disputas estabelecidas em determinadas circunstâncias: conduzindo investigações que permitam ao comitê receber informações sobre violações graves ou sistemáticas por parte do Estado dos direitos assegurados na convenção; aprimorando o entendimento dos direitos e das obrigações previstas na convenção, através de sua interpretação mais detalhada; por meio de um procedimento de comunicação, o comitê está capacitado a focalizar casos individuais à luz dos preceitos da CEDAW permitindo apontar a posição requerida dos Estados em circunstâncias individuais.

Isso auxiliará os Estados a compreenderem melhor as obrigações assumidas por eles a partir da ratificação da CEDAW, podendo o Protocolo vir a ser usado como um guia na interpretação de leis, desenvolvendo progressivas interpretações dos padrões discriminatórios, as quais possam informar cortes e legisladores nacionais, além de outras entidades internacionais de direitos humanos, com a característica particular de que o Protocolo Facultativo da CEDAW é o primeiro procedimento de denúncia internacional específico em gênero. Fornecendo um guia detalhado para os governos que buscam tomar conhecimento de suas obrigações com relação à Convenção, o Protocolo Facultativo permite ao Comitê o requerimento aos Estados partícipes da Convenção de soluções para as violações da CEDAW. Isso inclui o aperfeiçoamento da legislação, o fim de práticas discriminatórias e a implementação de ações afirmativas. Criando a consciência pública sobre padrões de direitos humanos que proíbe a discriminação contra as mulheres, o Protocolo Facultativo requer que os Estados tornem esse procedimento conhecido o mais amplamente possível.

As comunicações e pesquisas a respeito do Protocolo Facultativo deverão ter ampla publicidade, o que aumentará a consciência pública sobre a CEDAW e o Protocolo Facultativo, construindo a consciência, entre as mulheres, de seus direitos enquanto reivindicadoras.

É por isso que digo que este momento foi importante, porque quanto mais dermos divulgação ao Protocolo da CEDAW, mais estaremos contribuindo para a causa das mulheres.

O Governo brasileiro vem realizando esforços nos planos interno e externo no sentido de promover e de proteger os direitos humanos em todas as suas vertentes, quais sejam, a civil, a política, a econômica, a social e a cultural.

No plano interno, foram numerosos os avanços ocorridos a partir da adoção pelo País, em 1988, da nova Constituição Federal, cujo texto, marcado por acentuada preocupação com os direitos humanos, refletiu, em sua essência, um longo e intenso debate do qual participou a sociedade civil.

Na ação externa do Estado brasileiro, projeta-se o fortalecimento da cidadania. O Brasil é parte dos principais instrumentos internacionais e regionais de promoção e de proteção dos direitos humanos, sendo a atuação governamental baseada no reconhecimento de que é legítima a preocupação internacional com a situação desses direitos em qualquer parte do mundo.

O Estado brasileiro ratificou relevantes tratados internacionais de proteção dos direitos humanos que endossam o dever de assegurar a igualdade e proibir a discriminação a fim de que se alcance o pleno exercício dos direitos humanos. Há que se observar que os avanços obtidos no plano internacional têm sido capazes de propiciar transformações internas. Nesse sentido, cabe destaque a influência de documentos como a Convenção Sobre a Eliminação da Discriminação Contra a Mulher, de 1979; a Declaração de Direitos Humanos, de Viena; e os documentos referidos, inclusive, pelo Sr. Ministro Tadeu Valadares: a Declaração de Direitos Humanos, em 1993; a Conferência Sobre a População e o Desenvolvimento, do Cairo, em 1994; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 1994; e a Declaração e a Plataforma de Ação de Pequim, em 1995.

Esses instrumentos internacionais impulsionaram o Movimento de Mulheres a exigir, no plano local, a implementação de avanços obtidos na esfera internacional. No Brasil, citando apenas o âmbito ministerial, têm surgido iniciativas no sentido de reduzir as desigualdades entre mulheres e homens e entre raças e etnias, a exemplo dos programas de ações afirmativas que vêm sendo desenvolvidos em alguns Ministérios, a saber: o Ministério de Desenvolvimento Agrário – que estabeleceu um programa de cotas que destina, inicialmente, 30% de todos os recursos para as mulheres assentadas e para quem tem unidades de agricultura familiar. Essa distribuição de recursos engloba linhas de financiamentos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, Banco da Terra, capacitação e assistência técnica. As mulheres terão direito a 30% dos R$4 bilhões que o Governo oferece em financiamentos para a reforma agrária todo ano. O Ministério da Justiça instituiu um programa de ações afirmativas, cujo objetivo central é a incorporação, no cotidiano do Ministério, de um conjunto de medidas preconizadas pelo Programa Nacional de Direitos Humanos, especificamente as referências à promoção e proteção dos direitos dos afro-descendentes, das mulheres e das pessoas portadores de deficiência física.

Dentre outras medidas, foi instituído que, a partir da data da publicação da portaria supracitada, deveria ser observado, no Ministério da Justiça, no preenchimento de cargos de Direção e Assessoramento Superior – DAS, requisito que garanta, até o final de 2002, a realização das seguintes metas de participação de afro-descendentes, mulheres e portadores de deficiência física, na seguinte proporção:

  • afro-descendentes: 20%;
  • mulheres: 20%; e
  • portadores de deficiência: 5%.

A despeito das inegáveis conquistas obtidas na CEDAW, ainda persistem, de forma acentuada, práticas discriminatórias e abusivas com relação aos direitos das mulheres, que se encontram disseminadas em várias culturas e sociedades. Agravando essa situação, verifica-se um nível de consciência insatisfatório das mulheres acerca de seus direitos, assim como a existência de grandes dificuldades a serem enfrentadas por elas na busca pela reparação dos direitos violados.

Certamente, o fato de a Convenção não prever mecanismos de denúncia de violações e de reparações configura-se em uma fragilidade a ser revista para que se modifique o cenário atual de desrespeito aos princípios determinados na CEDAW.

No que tange ao enfrentamento da violência contra a mulher, por exemplo, enquanto, no sistema interamericano, em virtude da Convenção de Belém do Pará, as mulheres brasileiras já dispõem de um mecanismo de denúncia individual de violação aos direitos nela consagrados, no sistema global, em relação aos direitos estabelecidos na CEDAW, esse mecanismo somente estará disponível às mulheres brasileiras após a entrada em vigor no País do Protocolo Facultativo à CEDAW, necessariamente mediante ratificação deste pelo Estado brasileiro.

É nesse contexto, portanto, que se mostra premente a ratificação do Protocolo Facultativo, o qual estabelece instrumentos de denúncia de violações à Convenção, bem como procedimentos de investigação, constituindo-se em importante mecanismo de proteção internacional dos direitos humanos.

Nesse sentido, a Secretaria de Estado dos Direitos da Mulher e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher entendem que a ratificação pelo Governo brasileiro do Protocolo Facultativo da CEDAW expressa seu compromisso, em nível internacional, com a promoção dos direitos humanos das mulheres e sinaliza claramente a sua posição no combate a todas as formas de discriminação contra elas.

Muito obrigada.

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) – Muito obrigada, Drª Solange.

Antes de passar a palavra a Dom Aloysio José Leal Penna, Arcebispo de Botucatu, São Paulo, e responsável pela Pastoral da Família, quero registrar e agradecer as presenças de Diane Isabel Dias, representando o Cfemea; do Vereador José Caixeta, Presidente da Câmara Municipal de Anápolis, Goiás; da Srª Marta Avancini, do Estado de São Paulo; da Srª Elisabeth Oliveira Barreiros, do Fórum de Mulheres do DF, do Padre Luís Carlos da Cruz, do Pró-Vida de Anápolis, Goiás; da Srª Maria da Piedade Lopes, também do Pró-Vida de Anápolis; da Srª Neli Pimenta de Souza, do Pró-Vida de Anápolis; das Srªs Marilene Cunha Santos e Cícera Soares dos Santos, também do Pró-Vida de Anápolis, Goiás.

A Mesa continua recebendo nomes de pessoas que estejam aqui e desejem ter registrada sua presença.

Concedo a palavra a Dom Aloysio.

O SR. ALOYSIO JOSÉ LEAL PENNA – Exmª Senadora Emilia Fernandes, membros da Mesa, Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. Deputados, senhoras e senhores aqui presentes, agradeço a ocasião que me é dada de participar deste debate sobre o Protocolo Facultativo da CEDAW.

A CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a qual represento neste momento, recebeu contribuições muito diversificadas. Procuramos estudar o material recebido e assessorar-nos de profissionais competentes nos campos jurídico e bioético.

Quero deixar bem claro que estou representando aqui a Presidência da CNBB e a Comissão Episcopal de Pastoral, que se reúne todos os meses aqui em Brasília para analisar os principais problemas da Igreja do Brasil.

Buscamos nos inteirar do caminho percorrido desde a aprovação na Assembléia Geral das Nações Unidas, aos 18 de dezembro de 1979, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, CEDAW, que entrou em vigor em 1981 e foi ratificada pelo Brasil em 1984, como já foi lembrado mais de uma vez. Aprovada nas Nações Unidas em 1999, somente em 22 de dezembro de 2000 foi aceita por todos. Desde a assinatura do Protocolo pelo Governo brasileiro em 13 de março de 2001, entidades de direitos humanos, em especial dos que lutam contra a desigualdade de gênero, têm lutado pela regulamentação do instrumento jurídico internacional no Brasil. Estamos cientes.

O Protocolo Facultativo, enviado pelo Presidente da República à nossa Câmara Legislativa em 26 de abril de 2001, foi aprovado por unanimidade, como já foi lembrado, pelo Plenário da Câmara em 12 de dezembro de 2001, após a aprovação na Comissão de Família e Seguridade Social, da mesma Casa. Na Câmara dos Deputados, recebeu previamente, em duas audiências públicas, importantes contribuições de especialistas da área.

Seguindo os trâmites normais, o Protocolo Facultativo foi encaminhado ao Senado Federal, onde tramitou na Comissão de Relações Exteriores, tendo a Exmª Srª Senadora Emilia Fernandes como Relatora, que foi acompanhada por unanimidade pelos seus pares.

A CNBB fez um pedido aos nobres Senadores para que fosse dado um pouco mais de tempo para que setores interessados pudessem aprofundar tão importante assunto. Agradecemos que isso tenha acontecido e – como foi lembrado – foi uma bela ocasião para aprofundarmos tão importante assunto.

Lamentamos não termos adotado essas providências quando o Protocolo Facultativo foi discutido na Câmara dos Deputados, a partir de abril de 2001.

Senhores e senhoras, estamos conscientes de que a Igreja, em boa hora, foi separada do Estado, por ocasião da Proclamação da República, em 1889. A Bíblia propõe – e não impõe – sua visão de mundo e da vida. Deus não impõe, propõe. “Eis que hoje estou colocando diante de ti” – diz o Livro do Deuteronômio, Capítulo 30, Versículo 15 – “a vida e a felicidade, a morte e a infelicidade”, um modo de entender o mundo.

O Cristianismo não é a imposição de uma doutrina, mas uma proposta de vida. Disse Jesus: “Quem quiser me seguir, se alguém quer vir após mim…”, como está no Evangelho de São Mateus, Capítulo XVI, Versículo 24.

Vivemos numa sociedade pluralista. A Igreja Católica esteve presente na história dos 500 anos de nossa Pátria. Ainda hoje, como nos indica o último recenseamento do IBGE, os católicos representam 73% de nossa população. É motivo de satisfação e de responsabilidade para nós sabermos que pesquisas organizadas por grandes e fidedignos veículos de comunicação no Brasil concluíram que a Igreja Católica é a instituição que goza de maior credibilidade pública em nosso País.

Todos sabemos que o atual Papa, João Paulo II, foi e é um intrépido defensor da liberdade e dos direitos humanos. Contribuiu decididamente para a redemocratização dos regimes totalitários do Leste Europeu e denuncia energicamente os regimes capitalistas que provocam a sempre maior desigualdade e exclusão sociais.

A CNBB, que neste ano comemora 50 anos de existência e será homenageada pelo Senado brasileiro no próximo dia 23, quinta-feira, e pela Câmara dos Deputados no mês de junho, teve presença marcante no retorno do Brasil à liberdade e à democracia. Foi quase, infelizmente, a única que pôde se manifestar durante o regime militar.

É recente a iniciativa da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, da CNBB, que logrou a aprovação da Lei nº 9.840, popularmente conhecida como Lei Contra a Corrupção Eleitoral, após inédita mobilização que alcançou, em processo célere, um milhão de assinaturas para aprovação das duas Casas e sanção do Presidente da República.

A CNBB acaba de publicar o livro Exigências Éticas e Evangélicas para Superação da Miséria e da Fome e está organizando um grande mutirão nacional de combate à miséria e à fome em nosso País.

A Igreja, como parte integrante e significativa da sociedade civil brasileira, quer reafirmar suas convicções sobre a dignidade da pessoa humana e sobre os valores da vida. Queremos aqui reafirmar valores que julgamos corresponderem ao ideal de visão do mundo e da vida contido nos mandamentos bíblicos da Lei de Deus, nos ensinamentos pregados por Jesus Cristo no seu Evangelho. Acreditamos que esses valores correspondem à chamada lei natural, que julgamos ter a mesma origem divina.

Acreditamos que a CEDAW, Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, aprovada por quase todos os países em seu Protocolo Facultativo, luta em favor da causa da mulher, infelizmente ainda tão marginalizada no Brasil e no mundo.

A Igreja é uma das instituições que mais trabalha em favor, por exemplo, dos aidéticos, dos drogados, dos menores de rua, de mulheres prostituídas, etc. As conhecidas “Campanhas da Fraternidade” da Igreja Católica – verdadeiras escolas populares e informais de cidadania – têm sido em favor dos mais marginalizados e discriminados da sociedade. Podemos citar, como exemplo, os povos indígenas, tema da campanha de 2002; os drogados, da campanha de 2001; os excluídos sociais, das campanhas de 2000 e 1995; os desempregados, da campanha de 1999; os que não têm acesso à educação, da campanha de 1998; os encarcerados, tema de 1997; os sem-teto, tema de 1993; os jovens, 1992; os negros, 1988; a mulher marginalizada, em 1990.

No que diz respeito às mulheres, a Igreja sempre pregou a igual dignidade de homens e mulheres, ambos, como ensina a Bíblia, criados à imagem e semelhança de Deus. Sabemos que essa dignidade, na prática, deixa muito a desejar.

Trazemos aqui alguns elementos de reflexão sobre os diversos conceitos referentes à vida humana, direito primeiro e fundamental, sem o qual não existe a possibilidade de nenhum outro direito. Essa é a convicção expressa na Carta Universal dos Direitos Humanos, da ONU, e na Constituição de todos os países do mundo.

Jesus quis resumir a finalidade de sua vida nesta frase tão lapidar e emblemática: “Vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância”. (Evangelho de João, Capítulo X, Versículo 10.) Notamos que a vida anunciada por Cristo deve atingir todos os seres humanos e não só uma pequena parte de privilegiados. Quando Cristo fala de vida em abundância, refere-se a uma vida que abrange o ser humano na sua integridade física, material, espiritual, cultural, etc.

O atual Papa, João Paulo II, escreveu um verdadeiro tratado sobre a vida em sua encíclica Evangelho da Vida, de 25 de março de 1995, com o subtítulo “Sobre o Valor e a Inviolabilidade da Vida Humana”. Nesse documento, como em muitos outros, o Papa defende a vida desde a concepção até a morte natural. Lembra o Papa que vivemos numa verdadeira cultura de morte, desde os infanticídios, as guerras, a violência urbana, as lutas entre narcotraficantes até as mais pérfidas e escamoteadas mortes pela fome, pelas enfermidades tratáveis, pela marginalização e exclusão sociais.

Hoje, não se fala mais de excluídos, mas de indesejáveis. Podemos dizer, por exemplo, que o continente africano, em cuja população a expectativa de vida hoje é de 40 anos de idade, é excluído e indesejável. A mortalidade pela fome e pela AIDS, na África, é algo alarmante e indescritível.

Sabemos que, em famílias patriarcais e em determinadas culturas, as mulheres ainda são marginalizadas e descartadas. Esperamos que essa cultura esteja desaparecendo.

Devemos lutar por uma nova cultura que tenha a vida como uma dádiva divina, que não exclua nem as mulheres, nem os negros, nem os idosos, nem os menores, nem os nascituros. Devemos propagar os valores que achamos ideais para a sociedade, conforme os princípios cristãos; procurar levar um ideal de vida digno, que atinja a todos os homens e mulheres e a todos os seres em sua integridade. Um desses valores, na nossa cultura cristã, é, por exemplo, o valor da família.

Historicamente, países como a Suécia, que, por algum tempo, combateram a instituição familiar, tiveram tais problemas sociais com a juventude, apesar de serem países ricos, que voltaram a propagar a família como célula-base da sociedade, como principal formadora de nossas crianças, adolescentes e jovens, como um dos principais fatores de equilíbrio social.

O mundo em que vivemos tem soluções técnicas e científicas para combater os males sociais, como a miséria, a fome, as enfermidades, as mortes de mulheres no pré-natal, no natal, no pós-natal. Bastaria combater mais a escandalosa desigualdade social entre nações ricas e pobres, entre os cada vez mais ricos e pobres das nossas sociedades, tanto em países ricos como em países pobres do Terceiro Mundo.

Não deveríamos querer para outros o que não aceitamos para os nossos filhos, como as drogas, a prostituição, a violência etc. A CEDAW recomenda combatermos todas as formas de discriminação contra as mulheres. Os seus comitês – cuja finalidade é, como já foi tão bem lembrada, a de comunicar, divulgar e receber denúncias contra o Protocolo Facultativo da CEDAW – são formados, como também lembrado, por especialistas escolhidos nos diversos países que assinaram o Protocolo Facultativo. A escolha de especialistas, todos eles de muito alto gabarito moral e científico, deve levar em conta o pluralismo das posições acerca de conceitos relacionados com a vida.

Não obstante a importância das recomendações dos tratados, dos acordos, das convenções, dos protocolos, nada mais preservará liminarmente a integridade física e psíquica do que a garantia de políticas públicas sociais e de uma justa distribuição de renda. Esperamos que os representantes do nosso povo na Câmara Legislativa e no Senado Federal defendam sempre, em todos os níveis, o sagrado dom da vida, direito fundamental do ser humano.

Que Deus nos ajude a tratar a todos esses nossos irmãos e irmãs, homens e mulheres, como imagem e semelhança do mesmo Deus.

Obrigado.

(Palmas.)

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) – Muito obrigada, Dom Aloysio.

Passemos, então, a palavra à Dr.ª Sílvia Pimentel, Coordenadora Nacional do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher. Ela é professora, Doutora em Filosofia do Direito, na Pontifícia Universidade Católica, de São Paulo.

Concedo, então, a palavra para a Drª Sílvia.

A SR.ª SÍLVIA PIMENTEL – Boa noite a todos! Agradeço à Senadora Emilia Fernandes a oportunidade de estar aqui neste momento, de uma mulher que já foi apresentada como professora de Direito. Quero aqui enfatizar o seu aspecto de militante na área dos direitos da mulher há mais de 25 anos.

Acho muito importante este debate. Quero deixar bem claro que o meu papel aqui, hoje, será o de analisar, ponto por ponto, a carta que foi encaminhada em nome da CNBB ao Senado Federal. Fico muito feliz se percebo que há possibilidades de superação de alguns impasses, mas a carta é algo de absolutamente concreto. A carta, que está assinada, datada, não foi apenas escrita por uma pessoa. Se foi mesmo por uma pessoa, aqui está em nome de uma assembléia-geral dos bispos brasileiros.

E é então, nessa medidas, meus senhores e senhoras aqui presentes…

O SR. ALOYSIO JOSÉ LEAL PENNA – Peço a palavra apenas para fazer um esclarecimento.

A SR.ª SÍLVIA PIMENTEL – Não há dúvida.

O SR. ALOYSIO JOSÉ LEAL PENNA – Gostaria de esclarecer que há dois documentos. O primeiro é uma carta que foi assinada por 17 representantes das regionais da CNBB. Tenho que dizer, a bem da verdade, que foi entregue, juntamente com essa carta, que tem apenas uma folha, um outro documento que não é absolutamente oficial da CNBB e que não representa o pensamento da CNBB, O pensamento da CNBB foi aquele que expressei aqui. Infelizmente, essa carta foi mandada para a CNBB e Dom Damasceno – ele reconhece isto – recebeu e não devia ter entregue.

Só queria esclarecer e pedir à senhora que se ativesse apenas a uma carta muito lacônica que foi assinada pelos 17 bispos.

A SRª SÍLVIA PIMENTEL – Agradeço as suas observações, mas este é um documento e, a não ser que venha a ser rasgado de público, efetivamente, ele tem que ser considerado. O meu papel aqui é fazer exatamente uma análise, item por item.

Não vou fazer uma análise ideológica – claro que em tudo que se faz ideologia também se encontra -, mas quero dizer a todos os senhores aqui presentes que o que fiz foi estudar cuidadosamente, a partir de um conjunto de textos e informações do próprio Comitê CEDAW, e irei passar ao senhor, Dom Aloysio, porque tenho a impressão de que é para isto que está sendo convocado um debate como este, para esclarecer e buscar a superação de impasses. A análise que irei fazer não é na linha de dizer “isso foi feito e não há como superarmos”. O que importa é que todos aqui de fato conheçam o que é que o Comitê CEDAW, em relação a esses pontos, diz. É apenas isso. Não se preocupe, Sr. Bispo. Vou, inclusive, lhe passar às mãos e, em seguida,…

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) – Recebo, Drª Sílvia, o documento, e já estamos providenciando a sua reprodução para todos os integrantes da Mesa e também da plenária que desejarem recebê-lo. Tanto este como o documento da CNBB, que também nos foi entregue, estão à disposição de todos os meios de comunicação e de todas as pessoas que desejarem recebê-los, se não agora, neste momento, posteriormente.

A SRª SÍLVIA PIMENTEL – Passarei a fazer a análise, ponto por ponto, desses itens da carta, em relação aos quais fico muito feliz de ouvir Dom Aloysio dizendo que, de certa maneira, houve um certo descuido na sua elaboração.

Em primeiro lugar, gostaria de me referir e fazer uma reflexão a respeito de soberania nacional. Em meu entender, representa uma conquista político-jurídica civilizatória e, se entendida de forma absoluta e xenófoba, pode representar um obstáculo e mesmo um retrocesso à proteção dos direitos de homens e mulheres.

O conceito de comunidade internacional, embasado em normas acordadas pelos vários Estados soberanos, embora já sonhada e sinalizada há séculos, só a partir da criação da ONU e da Declaração Universal dos Direitos Humanos teve desenvolvimentos consistentes.

Educada em escola católica e hoje professora da PUC de São Paulo, a idéia de comunhão universal, de todas as que aprendi, Dom Aloysio, foi a que mais apreendi. É bela, pois nos permite transcender a sina da solidão de indivíduos, percebendo-nos partícipes de uma totalidade unidade, de uma humana unidade da humanidade.

A contribuição de Sartre e de tantos outros, antes e depois dele, a partir de diversas perspectivas, apenas tem reforçado a minha convicção da imprescindibilidade da idéia de uma grande solidariedade responsável entre todas as pessoas na sensibilização pelo sofrimento humano e um esforço comum para atenuá-lo.

Dom Aloysio, essa bela carta que o senhor acaba…

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) – Drª Silvia, peço aos palestrantes que se dirijam à Presidência dos trabalhos ou ao Plenário. Posteriormente, daremos oportunidade a todos de se manifestarem. V. Sª deve dirigir-se à Presidência dos trabalhos, seguindo as nossas orientações regimentais. Faço esse apelo aos nossos palestrantes.

A SRª SILVIA PIMENTEL – Perfeitamente. Senadora Emilia Fernandes, nessa linha da sensibilização pelo sofrimento humano, chamo a atenção para a situação revelada, em grande parte, no que foi falado antes da minha fala. De fato, reconheço o esforço muito belo e democrático da Igreja Católica e da própria CNBB nessa linha.

É a ONU (Organização das Nações Unidas), seus organismos, instrumentos jurídicos e mecanismos que, apesar de suas imensas fragilidades, representam algo de concreto para a construção de um mundo mais justo e solidário, buscando paz, igualdade de gênero, desenvolvimento com respeito às liberdades e às diferentes capacidades e necessidades de pessoas, grupos, nações e povos.

As recomendações e críticas do Comitê aos Estados-partes, que foram destorcidas na carta que estou agora analisando, são exemplares no sentido de contribuir para a eliminação de estereótipos de gênero na área da sexualidade e da reprodução, fortemente desrespeitadores da autonomia e da liberdade de escolhas existenciais por parte das mulheres.

Deixo brevemente a leitura do texto para dizer que, realmente, lamento muito. Pretendo deixar esse fato muito marcado. Há inúmeros pontos comuns entre o que nós buscamos, mulheres do Movimento de Mulheres, e tantas igrejas – não apenas a Igreja Católica. Entretanto, existem alguns pontos que realmente representam impasses, e esses impasses se colocam na área da sexualidade e da reprodução.

Quanto ao item A-1 da Carta, “Recomendação ao Burundi sobre legalização do aborto”, o Comitê expressou sua preocupação pela alta taxa de mortalidade, derivada da mortalidade materna, em particular nas zonas rurais, incluídas as mortes resultantes de abortos ilegais. O Comitê recomendou que o Estado-parte não poupasse esforços para aumentar o acesso a instalações sanitárias e de assistência médica a cargo de funcionários capacitados em todas as zonas, incluídas as zonas rurais, a fim de aumentar concretamente o número de nascimentos assistidos por profissionais especializados. Nós, mulheres, queremos isso.

O Comitê também recomenda a adoção de medidas efetivas, como campanhas de educação e informação sexual e o fornecimento de anticonceptivos eficazes para reduzir o número de abortos clandestinos. Além disso, enfatiza que o aborto não deve ser utilizado como método de planificação familiar – todas nós, do Movimento de Mulheres, igualmente enfatizamos essa questão. Como pode observar-se, o Comitê não recomendou a legalização do aborto.

Ressalte-se que a Convenção da Mulher não se refere expressamente ao aborto, mas estabelece obrigação por parte dos Estados de adotar todas as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera dos cuidados médicos, garantindo o acesso a serviços médicos, inclusive referentes ao planejamento familiar.

Está provado que o aborto clandestino é responsável por um alto índice de mortalidade materna no Brasil e no mundo. Visando defender o direito à vida das mulheres, o Comitê tem recomendado a certos países que diminuam as restrições legais ao aborto.

A Carta também se refere à questão do Chile em seu item A-2: “Recomendação ao Chile sobre a legalização do aborto terapêutico em seu Item A-2.”

Após os meus estudos, verifiquei que o Comitê expressou a sua preocupação ante o inadequado reconhecimento e a proteção dos direitos à saúde reprodutiva das mulheres no Chile, além de sua inquietação em relação às leis que proíbem e punem toda forma de aborto, porque tais dispositivos legais afetam e colocam em risco a saúde e a vida das mulheres, causam aumento de mortalidade derivado da maternidade e ocasionam novos sofrimentos quando as mulheres são encarceradas por violar essas disposições.

Assim, recomendou o Comitê que o Governo chileno contemplasse a possibilidade de implementar uma revisão da legislação relacionada ao aborto, com o objetivo de modificá-la e, em particular, de proporcionar aborto em condições de segurança, permitindo a interrupção da gravidez por motivos terapêuticos ou referentes à saúde da mulher, incluída a saúde mental. O Comitê pediu ao Governo chileno que reforçasse as medidas encaminhadas, tendo em vista a prevenção de gravidezes não desejadas, inclusive ampliando a disponibilidade, sem restrição, de meios anticonceptivos de toda espécie.

O Item A-3 da Carta refere-se à crítica feita à Irlanda pela influência da Igreja Católica nas políticas públicas. O Comitê, na verdade, não criticou, mas simplesmente ponderou que “embora a Irlanda seja um Estado laico, a influência da Igreja se deixa sentir com força não apenas nas atitudes estereotipadas, mas na política oficial do Estado”. Em particular, o direito da mulher à saúde, incluída a saúde reprodutiva, vê-se prejudicado por essa influência. O Comitê assinalou, por isso, que a Irlanda não apresentou reserva ao art. 12 ao ratificar a Convenção e recomendou que tal artigo se aplicasse integralmente.

Lembro aos senhores presentes que o art. 12 da CEDAW refere-se à Saúde.

O Item A-4 diz respeito à crítica à Itália, por permitir, na realização de abortos, a objeção de consciência dos médicos por motivos religiosos. Verifiquei que o Comitê não criticou, mas simplesmente expressou preocupação – percebam V. Exªs que é diferente – com relação ao acesso limitado ao aborto, permitido na Itália, que possuíam as mulheres no sul da Itália como resultado das objeções de consciência dos médicos e dos profissionais dos hospitais.

O Comitê encareceu ao Governo a adoção de medidas para garantir à mulher – em particular àquela do sul do País, região mais pobre da Itália – o exercício de seus direitos de procriação, entre outros, garantindo o acesso ao aborto em condições seguras em hospitais públicos.

O Item A-5 – os itens com a letra “A” são relativos a este assunto mais espinhoso: o aborto – refere-se à recomendação feita à Líbia, para que interprete o Alcorão de maneira a permitir o aborto. Nesse ponto, houve um equívoco mais do que lamentável. Segundo os registros oficiais das Nações Unidas, o informe inicial da Líbia foi examinado em 1994, e, nas observações finais do Comitê, em nenhum momento aparece mencionada a palavra “aborto”. O segundo informe periódico encontra-se no Comitê, mas ainda não foi por ele examinado.

Reitero que essas questões foram verificadas com base em meus estudos, tendo, inclusive, havido consulta à Srª Aida Gonçales, ex-membro do Comitê e expert da CEDAW.

No que tange à crítica feita à Bielo-Rússia, por instituir o Dia da Mães, já que ser mãe para o Comitê é um estereótipo negativo para as mulheres, sinto grande tristeza. Meu Deus, há tanta dificuldade na comunicação! Espero que esse debate possa elucidar, pelo menos, alguns pontos. Meu espírito é esse. Por isso, estou aqui.

No que diz respeito à maternidade, a Convenção e o Comitê exigem dos Estados o oferecimento de condições mais amplas para protegê-la. Esse fato, contudo, não pode ser entendido como uma restrição da mulher à sua dimensão de mãe. A maternidade deve ser uma escolha e não um destino compulsório de todas as mulheres. É isso que nós, mulheres, do Movimento de Mulheres, entendemos.

O Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher tem afirmado, em repetidas oportunidades, o alto valor social da função da maternidade e, por isso, tem recomendado invariavelmente que os Estados adotem as medidas necessárias para proteger as mães de família, em particular as mães trabalhadoras.

No caso de Belarus, nome oficial do país que antes se chamava Bielo-Rússia, o Comitê expressou sua preocupação pela predominância de conceitos estereotipados sobre as funções características de cada sexo – vejam como isso é delicado – e a reintrodução de símbolos, tais como Dia das Mães e prêmio à Mãe, sem que se preste igual atenção e apoio a outras atividades e funções que realiza a mulher. Assim, perguntou se estavam sendo aplicadas efetivamente as medidas destinadas a introduzir o estudo dos Direitos Humanos, ao mesmo tempo em que expressou sua preocupação pela situação das mulheres trabalhadoras, que costumam ocupar cargos com salários baixos, nos setores inferiores do mercado de trabalho, persistindo a disparidade dos salários de mulheres e homens. Expressou também sua preocupação ante a situação econômica das mulheres, especialmente vulneráveis, como as chefes de família.

Vejam V. Exªs que o espírito do que o Comitê tem produzido é esse. O Item “C” versa sobre um outro tema da área da sexualidade: lesbianismo. Quanta dificuldade, quanto equívoco, quanta hipocrisia há no nosso mundo em relação a homossexualidade!

Vejamos o que diz o Item “C”. Em nome da eliminação da discriminação contra a mulher, o Comitê recomenda a legalização do lesbianismo, algo que não aparece no texto da Convenção. Esse é o Item “C” da Carta. Efetivamente – escrevo eu –, no texto da Convenção, a palavra “lesbianismo” e muitas outras não estão incluídas. Devemos salientar que, apenas nas últimas décadas, “lesbianismo”, “homossexualismo” e “homossexualidade” são palavras utilizadas publicamente e que a Convenção da Mulher data de 1979.

O Comitê expressou preocupação pelo fato de o Código Penal do País tipificar o lesbianismo como delito sexual e recomendou que se classificasse o lesbianismo como orientação sexual, porque assim é que está sendo reconhecido nas várias discussões realizadas na ONU e – atenção, meus senhores –, muito especialmente, pelas delegações do Brasil.

Antropólogos, historiadores e outros estudiosos nos revelam que a homofobia representa uma camisa de força de ordem ideológica e que a heterossexualidade não é e nunca foi a única opção sexual das pessoas – o fato de ser majoritária não pode justificar desrespeito a outras formas de vivência sexual. De mais a mais, não há que se considerar patológico o comportamento homossexual, pois, inclusive, há mais de uma década, a Organização Mundial de Saúde – OMS – retirou a homossexualidade do elenco das patologias.

A proibição por parte de alguns Estados às relações homossexuais ou até mesmo à não-proteção jurídica dessas relações representa, no meu entendimento e no entendimento do Movimento de Mulheres, uma afronta à condição de humanidade que procuramos defender, tendo como pressuposto a diversidade.

Passemos ao último item: a prostituição, como todos eles disseram, a área da sexualidade e da reprodução. Vejam a letra “D” da Carta. Mais ainda, o Comitê ousou recomendar o que a Convenção proibiu. Recomendou à China a legalização da prostituição quando a Convenção lhe é expressamente contrária.

O art. 6º da Convenção estabelece o compromisso de que “os Estados partes tomarão as medidas apropriadas, inclusive de caráter legislativo, para suprimir todas as formas de tráfico de mulheres e de exploração da prostituição da mulher”. Acabou o art. 6º, Srªs e Srs. Senadores, Senadora Emilia Fernandes. Portanto, o art. 6º não estipula a supressão da prostituição, mas tão-somente da exploração da prostituição da mulher.

Isso é importante, e convido todos a refletirem. Por que será que a Convenção não a proíbe? Será que julgamos um valor positivo a prostituição? É óbvio que não é por aí. Ocorre que, se a proibissem, os Estados estariam punindo as prostitutas.

Vejamos o que fez o Comitê. Ao examinar o informe periódico da China, o Comitê CEDAW expressou que lhe preocupava o fato de que a prostituição, que costuma ser resultado da pobreza e da privação econômica, fosse ilegal na China. E, ao recomendar efetivamente a descriminalização da prostituição, sugeriu também que se prestasse a devida atenção aos serviços de saúde para as mulheres que a praticavam.

Vejam o espírito de respeito à vida e à saúde das mulheres: tomando-se em conta a pandemia de HIV, de Aids, instou ao Governo que adotasse medidas para a reabilitação e reinserção social das prostitutas. Assim o Comitê assinalou que, apesar de reconhecer os denodados esforços do Governo chinês para combater o tráfico de mulheres, preocupa-se pelos informes recebidos no sentido de que, em algumas localidades, “há funcionários corruptos que toleram o tráfico de mulheres ou dele participam, inclusive mediante a imposição de propinas cobradas das prostitutas”. Por isso, insta ao Governo que investigue tais informes e que faça comparecer ante a Justiça aqueles que participam dessas práticas.

Ressalte-se a proibição legal da prostituição. É uma reflexão que deixo aqui, a partir de algumas leituras importantes: “A proibição legal da prostituição significaria poder o Estado punir a prostituta”. O usuário nem sequer é cogitado; não há informações a seu respeito. Isso se deve a quê? Deve-se à suposição patriarcal de que a prostituição é um problema apenas referente às mulheres, garantindo-se que o outro participante do contrato de prostituição não seja considerado. Mas a prostituição deve ser encarada como um problema referente aos homens; a prostituição faz parte do exercício da lei, do direito sexual masculino. É uma das maneiras pelas quais os homens têm acesso garantido aos corpos das mulheres.

Recomendo a todos um dos livros sobre o assunto: O Contrato Sexual, de Carole Pateman, que foi editado pela Paz e Terra, em 1993.

É lamentável que tantas pessoas com alto nível de formação intelectual e que realizam manifestações e ações tão significativas contra a inaceitável desigualdade socioeconômica do povo brasileiro não tenham condições críticas de superar estereótipos e preconceitos de gênero arraigados em nossa sociedade e, muito especialmente, na ortodoxia católica.

Os católicos e outros religiosos têm o direito de constituir suas identidades em torno de seus princípios e valores, pois são partes da sociedade, mas não têm o direito a pretender hegemonizar a cultura de um Estado laico. O processo civilizatório e humanista pressupõe o livre diálogo de idéias, em que necessariamente se confrontam interesses e valores múltiplos. É o que estamos vivendo no momento. E é com todo respeito que apresento esta análise.

Lembrando Habemas, ele aponta regras para o debate democrático e diz o seguinte: “Uma lógica democrática exige uso público da razão, com reciprocidade e respeito mútuo entre debatedores e contendores. Um debate democrático exige seriedade”.

É triste e constrangedor, mas faltou seriedade à Carta que estou analisando e que foi dirigida ao Senado Federal. Espero que este debate seja suficientemente esclarecedor e que os equívocos mencionados sejam superados.

Muito obrigada. (Palmas.)

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) – Muito obrigada, Drª Sílvia Pimentel, por sua análise.

Passamos, de imediato, a palavra à Drª Flávia Piovesan, Procuradora do Estado de São Paulo e Professora de Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica daquele Estado.

A SRª FLÁVIA PIOVESAN – Boa noite a todos!

Inicialmente, gostaria de agradecer à Senadora Emilia Fernandes o honroso e especial convite para participar desta mesa de trabalho. É um imenso prazer estar aqui participando do debate.

Também gostaria de cumprimentar os integrantes da mesa, a Senadora; a Secretária de Estado, Solange Bentes Jurema; a Professora Sílvia Pimentel; o Ministro Tadeu Valadares e Dom Aloysio Penna.

Cumprimento todos os presentes.

Minha intervenção focará o Protocolo Facultativo à Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Nesse sentido, destacaria duas reflexões centrais à matéria. A primeira delas me parece preliminar: quando, por que e como foi criada a sistemática de proteção internacional dos direitos humanos das mulheres?

Num segundo momento, poderíamos avaliar, nesse cenário, a importância do Protocolo. De que modo o Protocolo pode contribuir para o combate à discriminação contra a mulher? Em que medida constitui instrumento significativo para a implementação dos direitos humanos das mulheres?

Portanto, essas serão as duas reflexões que permearão minha intervenção.

E parto para a primeira: quando, por que e como foi criada a sistemática de proteção internacional dos direitos humanos das mulheres? Inicio fixando a historicidade dos direitos humanos. Os direitos humanos são históricos. Não são dados, mas são construídos, são uma invenção humana em constante processo de construção e reconstrução. Mas, ao longo dessa história, sempre a ótica dos direitos humanos coincide com a ótica da inclusão. Quem defende direitos humanos defende inclusão. Quem defende direitos humanos defende uma plataforma emancipatória.

Como diz Norberto Bobbio, os direitos humanos compõem esse adquirido axiológico. Foram necessárias muitas guerras, tragédias, mazelas, experiências como o nazismo, o sexismo e o racismo, para que, então, fosse recuperado o horizonte moral a guiar a ordem internacional.

Trago, para início, algumas matérias que realçam avanços na historicidade dos direitos humanos. Trago matéria publicada no jornal Folha de S.Paulo, no último 6 de maio, em que se diz: “Comissão vai denunciar rota sexual à OEA. A Comissão de Direitos Humanos da Câmara denunciará o esquema de exploração sexual infantil na Paraíba à Organização dos Estados Americanos”. Trago uma segunda matéria, publicada recentemente também, no dia 26 de abril: “Comandante sérvio, em Kosovo, entrega-se ao Tribunal da ONU”. E, por fim, trago uma outra matéria que elucida a ratificação do Estatuto de Roma por 66 países, o que faz com que entre em vigor. Desse modo, o Tribunal Penal Internacional será uma realidade dentro em breve.

O que têm essas matérias em comum? Apontam e revelam um processo de internacionalização dos direitos humanos. Portanto, testemunhamos hoje um movimento pela internacionalização dos direitos humanos. E não é possível examinar o Protocolo Facultativo sem a visão de que os direitos humanos se projetam na arena internacional como tema de legítimo interesse da comunidade internacional.

Lembro uma vez mais Bobbio, quando escreve A Era dos Direitos. Ele afirma que “os direitos humanos nascem como direitos naturais universais, invocando o legado iluminista, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, quando cada constituição assume a sua gramática própria de direitos, para, finalmente, encontrarem a sua plena realização como direitos positivos universais”.

Ou seja, o Protocolo deve ser examinado a partir dessa perspectiva dos direitos humanos universais e internacionais. Por que isso foi necessário? No Direito Constitucional, estudamos que as constituições escritas nascem como escudo, para a proteção de direitos e para a domesticação da esfera do poder. O nazismo e o fascismo demonstraram a insuficiência das próprias constituições. Precisamos ter algo supranacional exatamente quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na proteção dos nossos direitos.

Então, eu diria que, nessa vertente do constitucionalismo global, queremos a mesma bandeira, queremos proteger direitos, queremos calar o arbítrio, mas, muitas vezes, no âmbito nacional, isso se faz insuficiente, e temos de recorrer à esfera internacional. O Protocolo permite essa ponte na hipótese de violações aos direitos humanos das mulheres.

Por isso, endosso que, se a Segunda Guerra significou a ruptura com relação aos direitos humanos – porque trouxe o legado da descartabilidade da pessoa, porque trouxe a lógica da destruição humana, quando milhões foram encaminhados a campos de concentração –, o pós-guerra deveria significar a sua reconstrução. Nessa reconstrução é que temos uma releitura de valores, tais como a soberania nacional e a posição do indivíduo como sujeito de direito no plano internacional.

Como observou a Professora Sílvia Pimentel, se pensamos na internacionalização dos direitos humanos – nós os estamos projetando na arena internacional –, temos que redefinir a noção tradicional de soberania absoluta do Estado.

Também menciono a Carta da CNBB, em que se diz que o Protocolo Facultativo seria uma ameaça à soberania brasileira. Que soberania é essa? Qual é o conceito de soberania? A que se deve o apelo à soberania nacional para que não se ratifique, então, o Protocolo? O meu apelo é em prol da ratificação do Protocolo a partir de um novo paradigma de soberania, não mais estatal, mas vocacionada na idéia de cidadania universal, porque direitos humanos internacionalizados requerem a revisão da noção tradicional de soberania do Estado. Essa noção nasceu no século XVI, coincidentemente na formação dos Estados nacionais; serviu àquela construção histórica.

Se nos reportamos a Bodin, no século XVIII, está dito: “Estado soberano é aquele Estado que tem o poder absoluto; é aquele Estado que tem o poder supremo, incontrastável, que não se curva perante qualquer outro”. Nós aqui temos de mudar a lente ex parti principe para ex parti populi, ou seja, “a passagem do dever dos súditos para o direito dos cidadãos”, como frisa o Professor Celso Lafer.

O que proponho é esta mudança de paradigma: que pensemos a soberania do Estado a partir da lente da cidadania, não mais a partir da lente do Estado no marco hobbesiano. Que sejam, então, retomados os valores kantianos, em prol da dignidade da pessoa!

A segunda idéia é a de que nós, indivíduos, somos sujeitos de direito internacional; temos direitos protegidos pelas nossas constituições, mas pela arena internacional; temos que somar os direitos internacionais aos direitos locais. Nesse sentido, há a aprovação da Declaração de 48 como grande norte axiológico desse direito. Ela fixa a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos; resgata a idéia de que o ser humano é um ser essencialmente moral, dotado de dignidade; realça a idéia da indivisibilidade dos direitos, somando a herança liberal e a herança social.

O legado de 1948 é reafirmado em Viena, em 1993, por 171 Estados, já que a Declaração de 48 contou com apenas 48 Estados e oito se abstiveram. Esse consenso foi reafirmado, endossado, na voz de 171 Estados, que também, além de recuperarem a idéia da universalidade e indivisibilidade, acrescentam que os direitos humanos das mulheres e das meninas são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais.

Ou seja, o legado de Viena, eu diria, duplo, não apenas endossa o legado de 48, mas confere visibilidade a sujeitos de direito, às mulheres e às meninas. E, a partir daí, irradia-se toda essa consciência ética contemporânea. São firmados acordos, consensos internacionais, acerca de temas centrais da cidadania.

Refiro-me aqui ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, ratificado por 144 Estados-Partes; ao Pacto de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais, que tem hoje o aval de 142 Estados; à Convenção Racial, que conta com 155 Estados-Partes; à Convenção da Mulher, que conta com o aval de 165 Estados-Partes; e à Convenção sobre os Direitos da Criança, recordista em adesão, com 191 Estados-Partes.

Qual é a estrutura desses tratados internacionais? Eu diria que eles revelam quatro dimensões. A primeira delas é a celebração de um consenso internacional sobre a necessidade de se adotarem parâmetros protetórios mínimos. Não estamos falando do teto máximo de proteção. É o chão básico da dignidade. É o minimalismo ético. Abaixo daquilo, não há como o Estado proceder. Se o Estado for mais avançado, ótimo.

Além disso, há relação entre a gramática de direitos e deveres. Todos os tratados de direitos humanos trabalham com essa lógica, impondo deveres aos Estados e trazendo direitos aos indivíduos.

A terceira dimensão é aquela em que se criam órgãos de proteção, como os comitês, as comissões, as relatorias, que vão fiscalizar o modo pelo qual aqueles Estados que, soberanamente, ratificaram aqueles tratados, por ato de soberania, irão cumprir aqueles direitos enunciados. E prevêem, ainda, mecanismos de monitoramento, como relatórios, petições, investigações in loco etc.

Dessa maneira, os tratados consolidam parâmetros internacionais mínimos de proteção à dignidade e asseguram um locus de proteção adicional aos direitos, ou seja, asseguram uma instância internacional de proteção quando as instituições nacionais se mostram falhas, omissas.

Então, vejam, aí, dois argumentos: é ato de soberania ratificar um tratado, e, posteriormente, o Estado não pode, de maneira hipócrita, evitar o cumprimento do tratado com base na mesma soberania que invocou para aceitá-lo.

Considerando isso, eu indagaria como essa sistemática protege os direitos humanos das mulheres. E aqui eu diria que, numa primeira fase, a proteção internacional de direitos humanos foi pautada por uma proteção geral e abstrata. Havia o temor da diferença, que, na era Hitler, teria levado à destruição.

Aos poucos, percebe-se que é necessária a especificação do sujeito de direito nas suas peculiaridades e particularidades. E aí há as convenções específicas sobre a mulher, a criança, os refugiados, entre outras.

É nesse cenário que a ONU aprova, em 1979, a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, que foi, inclusive, resultado da reivindicação do Movimento de Mulheres, a partir da 1ª Conferência Mundial sobre Mulheres, realizada no México, em 1975.

Realço, mais uma vez, que essa Convenção, que é esse chão mínimo, que é a nossa carta internacional dos direitos humanos das mulheres, conta com o aval de 165 Estados-Partes, entre eles o Brasil, que é parte desde 1984.

Qual é o perfil dessa Convenção? Essa Convenção traz duas vertentes: por um lado, proíbe a discriminação, traz uma vertente repressiva e punitiva, mas, por outro, promove a igualdade, traz uma vertente positiva e promocional.

Realço o dever dos Estados de proibir a discriminação contra a mulher nas mais diversas esferas, incluindo legislação, educação, trabalho, saúde, vida política, pública, econômica e social.

Também aqui recomenda que os Estados, urgentemente, suprimam as formas de violência contra a mulher, como o tráfico de mulheres e a exploração sexual. À vertente repressiva e punitiva, soma-se a vertente promocional, que justamente busca a promoção da igualdade.

Como esses direitos serão cumpridos? Essa Convenção possui garras e dentes? Qual o aparato sancionatório que contempla?

Essa Convenção, originalmente, só contemplou a sistemática de relatórios, periódicos. Os Estados-partes devem prestar contas à ONU, exibir as medidas legislativas, executivas e judiciais e os fatores e dificuldades no tocante à implementação dos direitos da Convenção, diversamente das demais, porque a Convenção Racial e a Convenção Contra a Tortura são devidamente equipadas com garras e dentes. Além dos relatórios, prevêem os sistemas de petições individuais e das investigações in loco, etc.

Finalmente, no caso das mulheres, em 1999, quando a Convenção completou o seu 20º aniversário, houve a esperança de que ela adquirisse garras e dentes, com a adoção do Protocolo Facultativo.

E aqui fecho a minha intervenção: qual a importância desse Protocolo e de que modo ele contribui para o combate à discriminação contra a mulher? Em que medida se constitui em um instrumento significativo para a implementação dos direitos humanos das mulheres?

Esse Protocolo é um tratado adicional e complementar à CEDAW, que é a Convenção que prevê esses parâmetros protetores mínimos. Esse Protocolo institui dois mecanismos de implementação, que não são novidade para o sistema internacional, porque foram contemplados por outras convenções, a Convenção contra a Tortura e a Convenção Racial. Refiro-me ao direito de petição, que ineditamente permite a qualquer pessoa submeter denúncias de violação de direitos enunciados na Convenção à apreciação do Comitê, cristalizando a capacidade processual do indivíduo no cenário internacional.

Prevê também um segundo procedimento, que é a investigação in loco, prevista na Convenção contra a Tortura. O Comitê teria poderes de investigação sobre a existência de grave e sistemática violação aos direitos humanos das mulheres.

No dia 13 de maio último, o Brasil acolheu o sistema de petição individual no que tange à Convenção Racial. Seria bastante coerente que uma política nacional seguisse o mesmo prumo com relação às mulheres. Em suma, o Protocolo revitaliza, revigora a gramática internacional de proteção dos direitos humanos das mulheres. Diria que, nos últimos 30 anos, se concentraram as maiores conquistas no tocante aos direitos humanos das mulheres e a sua cidadania, se comparados com toda a sua história.

Esse Protocolo, nessa dimensão, é um especial avanço, porque faz ecoar a voz do Movimento Internacional de Mulheres ao insistir que não há direitos humanos sem a observância dos direitos humanos das mulheres e sem que elas tenham condições de exigir que eles sejam implementados. O Protocolo viria como uma garantia adicional a esses direitos, ou seja, o direito a ter direitos implementados, respeitados e observados.

É fundamental que o Brasil, em caráter de urgência, ratifique o Protocolo, assegurando a mais da metade da população brasileira a possibilidade cidadã de exercer, com maior plenitude, os seus direitos e liberdades fundamentais. Trago ainda a idéia de que a ratificação do Protocolo estaria em absoluta consonância com a Constituição Federal. A Carta de 88 é um marco jurídico da transição democrática, é um marco jurídico da institucionalização dos direitos humanos no Brasil.

Com a democratização política no Brasil, a Agenda dos Direitos Humanos foi incorporada pelo Legislativo, Executivo e demais atores para além da sociedade civil. O Legislativo deus provas disso quando aprovou muitas e muitas medidas essenciais para a cidadania e para a cidadania das mulheres.

Eu citaria uma última lei, publicada no dia 13 de maio, que prevê que, na hipótese de violência doméstica, exista o afastamento cautelar do agressor. Lembraria a Lei de 1995, que proíbe a exigência de atestado de gravidez e de esterilização para efeitos de admissão ou permanência no emprego, e lembro outras tantas medidas que o Legislativo fez honrar enquanto locus de afirmação de direitos, enquanto uma Casa que realça a vontade cidadã, a vontade popular pela implementação de lei.

Por isso, considero que a ratificação desse Protocolo viria neste prumo como esse processo de afirmação de uma agenda de direitos humanos contemporânea e emancipatória com relação à metade de população brasileira.

Em face da obrigação do Estado brasileiro de proibir toda discriminação contra a mulher e promover a igualdade entre os gêneros, não cabe ao Estado invocar costume, tradição ou qualquer consideração religiosa para afastar o cumprimento de obrigações jurídicas preestabelecidas e por eles aceitas, no sentido de assegurar a todas as mulheres o direito de viver em condições de igualdade e dignidade, combatendo a perversa impunidade que fomenta essas violações aos direitos das mulheres e que mitiga delas a sua cidadania.

Encerro, lembrando que os direitos humanos das mulheres são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. Não há direitos humanos sem a plena observância dos direitos humanos das mulheres. Ou seja, não há direitos humanos sem que metade da população exerça, em igualdade de condições, os seus direitos mais fundamentais. Afinal, sem as mulheres, os direitos não são humanos. (Palmas.)

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) – Obrigada, Drª Flávia Piovesan.

Ultrapassamos um pouco o tempo previsto, mas, embora nossas palestrantes precisem viajar e possam permanecer por poucos minutos neste local, entendo que as nossas Parlamentares precisam ter a oportunidade de se manifestar.

Eu pediria licença às Srªs Deputadas. Não sei se há uma inscrição. Concedo a palavra à Deputada Luíza Erundina.

A SRª LUÍZA ERUNDINA (Bloco/PSB – SP) – Estamos em fase de votação no plenário da Câmara dos Deputados, e eu não queria me dispensar de manifestar a minha alegria e o sentimento de privilégio de estar aqui participando deste debate, desta reflexão.

Vim aqui preocupada, insegura, no sentido de que não pudessem ser superados os impasses. Certamente, aquela pretensa carta dirigida pela CNBB ao Congresso não será de fato confirmada como tendo sido uma iniciativa da CNBB, até porque entendi que ela não é compatível com as posições corajosas e avançadas, em muitos pontos, da CNBB em nosso País. Aquela carta, com certeza, estava desfocada do comportamento e do posicionamento que a CNBB constantemente assume em questões de interesse nacional, em relação à questão dos direitos humanos.

Fiquei aliviada porque não existe impasse com relação à fala de Dom Aloysio, por reconhecer que aquela não é uma carta, uma iniciativa, uma posição da CNBB. Ao mesmo tempo, senti-me privilegiada por estar aqui.

Gostaria de cumprimentar a Senadora e a Bancada feminina no Senado e na Câmara dos Deputados, que, a pretexto daquele desentendimento, puderam suscitar este momento tão rico, trazendo aqui essas companheiras, o Ministro, Dom Aloysio, cuja participação, sem dúvida, foi muito importante na discussão desse tema, na questão do Protocolo.

Arrisco-me até a sugerir que se traduza essa reflexão tão rica e tão profunda, tão completa e moderna, para o Movimento de Mulheres em todos os seus recantos neste País, para que o Protocolo, de fato, seja um instrumento eficaz na mão de cada mulher de cada movimento de mulheres e de cada cidadão deste País.

Quero agradecer as presenças e as contribuições maravilhosas, competentes, corajosas e avançadas, que me dão orgulho de ser mulher e de estar inserida nessa luta das mulheres e dos homens – a luta pelos direitos humanos das mulheres é uma luta também dos homens. Se temos avançado na legislação e nas políticas públicas, isso se deve muito também à participação dos homens ao lado dessa bancada feminina, pequena ainda, porque não chegamos a representar, no Congresso Nacional, aquilo que somos, nem mesmo quantitativamente, na sociedade. Entretanto, isso tem sido compensado pela combatividade, pela competência e pela presença ativa da bancada feminina tanto no Senado Federal como na Câmara dos Deputados.

A minha palavra é de agradecimento a Dom Aloysio José Leal Penna, por nos trazer esse alento, essa certeza de que a CNBB está ao lado dos direitos humanos das mulheres. Agradeço ao Ministro e à Secretária, por terem reafirmado a posição do Governo, e às companheiras Flávia e Sílvia, que realmente deram uma lição fantástica, que levaremos como subsídio ao nosso trabalho aqui no Congresso Nacional.

Parabéns, Senadora, pela iniciativa.

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) – Muito obrigada, Deputada Luiza Erundina.

Tem a palavra a Deputada Iara Bernardi e, logo em seguida, a Senadora Marina Silva.

A SRª IARA BERNARDI (PT – SP) – Quero parabenizar a Senadora Emilia Fernandes pela condução dos trabalhos, deste debate, pelo excelente nível do debate feito pelos participantes, companheiros e companheiras que trouxeram a sua posição. A companheira Flávia, na última fala, apresentou de maneira muito clara a relação entre os direitos humanos, os direitos humanos das mulheres e a questão da soberania nacional; que os direitos humanos transcendem a soberania nacional.

Essa situação ficou muito clara na posição da Drª Solange, pelo Ministério, da Drª Sílvia Pimentel, uma das mais reconhecidas batalhadoras e feministas do nosso País na luta pelos direitos da mulher, e também na posição do Itamaraty.

A Dom Aloysio eu queria fazer a questão, até para sermos práticos. Esse projeto voltará novamente a discussão e a votação no Senado. Eu gostaria de saber se a CNBB enviará, então, formalmente, essa carta, como foi entregue e distribuída a outra carta aos Senadores. Assinada e assumida pela CNBB está esta manifestação aqui, cujo trecho lerei:

Acreditamos que a CEDAW, Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, aprovada por quase todos os países, luta em favor da causa da mulher, infelizmente ainda tão marginalizada no Brasil e no mundo.

Essa manifestação deixa clara a posição da CNBB com relação à aprovação do protocolo. Houve uma interrupção, um mal entendido – eu gostaria de tratar assim – na votação do Senado, até porque a discussão foi muito clara e aberta quando do debate na Câmara dos Deputados, como uma iniciativa da bancada feminina, como uma iniciativa das entidades feministas…

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) – Deputada Iara, peço desculpa e a interrompo para dizer que realmente não há condição da Drª Sílvia e da Drª Flávia permanecerem, porque elas têm aula amanhã, às oito horas, na universidade, em São Paulo. Elas pedem desculpas. E nós queremos agradecer, de público, a qualidade, em nome de todo o Congresso Nacional e, em particular, do Senado.

Faremos chegar aos Srs. Senadores que o dia 5 de junho é a data prevista para a votação deste protocolo, deste projeto.

Agradecemos, dizendo da importância de estabelecer, com clareza e transparência, o diálogo com a sociedade organizada. Dessa forma, também nos associamos ao ato importante da CNBB, que fez um ofício encaminhando as cartas dos bispos, e, portanto, assumiu publicamente a correspondência. Gostaríamos de dizer que o estamos incorporando. Há necessidade e recebemos com todo o respeito a correspondência da CNBB, as suas idéias.

Muito obrigada, Drª Sílvia e Drª Flávia. Lamentamos profundamente que não possamos contar um pouco mais com a presença das senhoras.

Com a palavra a Deputada Iara Bernardi.

A SRª IARA BERNARDI (PT – SP) – Eu reitero, Senadora Emilia Fernandes, todo esse debate claro e aberto que aconteceu na Câmara por pressão, participação das entidades; toda a luta que travamos, que a Câmara e o Senado; que a nossa legislação avance em relação aos direitos humanos e ao direito das mulheres. O protocolo de CEDAW veio nessa perspectiva, de aprovação de projetos de lei, de legislação que trabalhe sobre essa plataforma de igualdade, respeitando as resoluções e conferências internacionais de Viena e Beijin, que o Brasil ratifica, apoia, tendo inclusive participado da sua elaboração.

De forma prática, teríamos essa nova manifestação enviada pela CNBB às senhoras e senhores Senadores, até para que pudéssemos – até com uma carta da CNBB, agora com esta a posição clara, apoiando a votação e a ratificação do protocolo de CEDAW. Eu gostaria de fazer o pedido a Dom Aloísio Penna que este pedido fosse enviado formalmente a todos os Senadores e Senadoras desta Casa, que vão de novo se manifestar em Plenário sobre a aprovação desse protocolo.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT – AC) – Eu gostaria apenas de fazer um esclarecimento. No momento em que as pessoas vem aqui e fazem as suas comunicações, isso já é tido pela Comissão como a posição oficial de quem fez essa comunicação. De sorte que não apenas a posição da CNBB, mas a posição de todos os que aqui fizeram comunicações serão encaminhadas pela Comissão aos Srs. Senadores.

Pelo menos tem sido esse o procedimento regimental da Comissão.

Eu esqueci como a Drª Solange Bentes. V. Sª disse “há males que vêm para bem”?

A SRª SOLANGE BENTES – Deus escreve certo por linhas tortas…às vezes!

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT – AC) – Eu penso que Deus escreve certo por quaisquer linhas, sempre.

Eu gostaria de, em primeiro lugar, colocar, pegando a introdução da Drª Solange. Essa discussão que está acontecendo aqui, em primeiro lugar, não deve ser vista como algo estranho a esta Casa. Não é. Em várias matérias isso acontece. Nas mais diferentes.

Da votação da matéria em Plenário, ela foi suscitada pelo Senador Mauro Miranda, pela Senadora Heloísa Helena e por mim.

Naquele momento, fomos contraditados pela Senadora Emilia Fernandes, a nossa Relatora, também do meu Partido, e pelo Senador Roberto Freire.

Tivemos uma discussão que, até pelo estilo do meu querido amigo Senador Roberto Freire, parece mais acalorada do que é – mas isso é a mistura da pimenta nordestina com a do Norte, não tão brava quanto. Porém, acredito que ela foi mais altamente edificante, pois graças àquele momento que estamos tendo essa oportunidade.

Para que serviu essa oportunidade dessa audiência pública? Em primeiro lugar, essa discussão está nos trazendo esclarecimentos, inclusive, corajosos – eu gostaria de registrar – de Dom Aloísio, que diz humildemente que existe um aposição dos 17 Bispos, mas que foi encaminhado conjuntamente outro documento, que traz uma posição periférica.

Foi humilde e digno de sua parte fazer esse reconhecimento. Talvez pelo fato de o senhor não ser político, pois o político tem mais dificuldade de dizer “erramos”. Crêem que sempre acertam. Também sou política, mas Deus está vendo que, às vezes, tento crer que errei.

Uma outra coisa que eu gostaria de dizer é que essa discussão também explicita as posições aqui existentes com mais clareza e serve também para construir um novo produto político. Qual é o novo produto?

Ainda bem que eu não trouxe nada pronto. Os senhores falavam, e eu escrevia, porque isso foi muito dinâmico. Fomos construindo um novo produto político a partir até mesmo da informação colocada pela CNBB. A partir desse novo produto, temos que trabalhar com os novos resultados, sem querer ter a falsa idéia de que é possível um alinhamento de 100% em todas a posições. Não advogo essa posição. Advogo sempre que, com base em princípios éticos duradouros, podem-se estabelecer alianças pontuais, alianças que, em alguns momentos, se dissolvem de acordo com determinadas questões.

Se não somos fascistas, se não somos uma série de coisas, não nos inviabilizemos, pelo amor de Deus! Em alguns momentos, podemos não caminhar juntos, mas, em outros, podemos fazê-lo.

Amanhã, vou enfrentar algo terrível. Todo o pessoal do rodeio de Barretos estará aqui querendo espetar-me com os chifres dos bois. Minha posição – e isto não é estranho para a sociedade, para ninguém – de defesa da vida leva-me a dizer que a prática estabelecida nesses torneios é agressiva, maltrata os animais. Amanhã, então, será um dia complicado, mas estarei aqui defendendo com convicção minhas posições e buscando ser convencida, caso isso seja possível. Estou aberta ao convencimento.

Creio que a reflexão que podemos fazer não está no plano do que é contrário à discriminação da mulher, ao preconceito. Não vamos florear a questão, como se diz no Norte. Vamos direto ao ponto.

Há um aspecto polêmico: a questão do direito à vida e a questão do aborto. Foi isso que suscitou este debate, esta discussão rica que estamos realizando. Não seria justo dizer que as pessoas que fazem a sua defesa estão apenas advogando um ponto e que as pessoas que têm críticas a um ponto estão sendo contra o todo. Isso seria muito ruim, pois nos inviabilizaríamos nesse processo, na concepção que acabei de mostrar. Por outro lado, essa discussão, com muita transparência e clareza – falo da questão do aborto –, não é de fácil resolução. Não é fácil porque mexe com questões que, aparentemente, são contraditórias.

Vamos fazer uma reflexão. Alguém tem convicções espirituais e, a partir destas, firma um posicionamento em defesa da vida, contra o aborto. Estou aqui dizendo palavras em relação ao tema. Essa pessoa, por suas convicções, pode privar os outros cidadãos do exercício de seus direitos individuais? Isso é correto? Para uma linha de pensamento, é muito fácil dizer que isso não é correto: “Guarde suas convicções em sua casa, em sua bíblia, em seu quarto, e não as manifeste nos espaços de decisão que têm a ver com a vida da sociedade!”. Todavia, a Constituição Federal, em seu art. 5º, VI, determina: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos…”. Quando a Constituição, em seu art. 5º, diz que é inviolável o direito à liberdade de consciência, logo entramos em contradição com dois direitos que estão estabelecidos na nossa Constituição. Para que alguém exercite os seus direitos civis, sem interferência da espiritualidade de quem quer que seja, é possível que esse quem-quer-que-seja tenha que violar o seu direito individual. Por isso, não cabem aqui simplificações; cabe, sim, um esforço, em primeiro lugar porque somos pessoas de bem, porque não estamos aqui para satanizar ninguém. Queremos estabelecer um ponto de contato, um diálogo, e creio que isso foi muito bem articulado pela competência de todas as comunicações que acabei de ouvir.

Às vezes, é muito bom ir pelo caminho mais fácil, mas fico feliz por ninguém aqui ter ido pelo caminho mais fácil. Exatamente por ser evangélica – não sou católica –, em todos os lugares que chego, principalmente neste período que não preciso dizer qual é, as primeiras perguntas que as pessoas me fazem é exatamente com relação a essas questões. Talvez fosse muito fácil pegar e satanizar para sair logo, limpar a barra da discussão. Mas agradeço imensamente a Deus por nunca ter feito isso, mesmo em prejuízo até da compreensão que isso possa estabelecer. Sempre procuro entender as razões daqueles que, também por terem convicções e por se sentirem devidamente fulcrados por essas suas convicções, defendem as suas posições. Por que as vou satanizar? Em segundo lugar, até porque a minha fé me diz que não é pela violência, é pelo convencimento. Então, vamos tentar estabelecer esse convencimento.

Concluindo, não tenho perguntas, queria apenas fazer essa reflexão, porque creio que foi muito boa a discussão, e não considero ter sido um prejuízo quando eu, a Senadora Heloísa Helena e o Senador Mauro Miranda suscitamos essa discussão. A Câmara dos Deputados levou mais de um ano para debater essa matéria, e o Senado tem o direito de fazê-lo também, com todo o respeito a tudo o que está posto e com todo o respeito a todas as pessoas. Essa discussão fica difícil, porque estamos juntos, alinhados, em todos os momentos. Ela é difícil, não é de fácil resolução, mas ainda bem que nenhum de nós está indo pelo caminho mais fácil, porque senão relacionaremos aqui todas as posições só de acordo com os que são contra e com os que são a favor. Aí, não existirá debate. Haverá apenas um monólogo, com cada um falando para o próprio espelho.

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) – Muito obrigada, Senadora.

Antes de passar a palavra para os três convidados que ainda estão aqui, para suas considerações finais, em torno de dois a três minutos, quero logicamente agradecer a presença de todos, não apenas dos convidados, mas de todos aqueles que nos honraram com sua presença, e dizer que também concordamos plenamente com que os espaços de audiência pública, de troca de idéias, de construção de argumentos e de fundamentação, inclusive do que se discute nesta Casa, não são estranhos. Particularmente, temos defendido, como uma bandeira intransigente, que o diálogo com aquelas pessoas vinculadas diretamente, que têm uma luta ou que têm pensamentos diferentes, é que enriquece o trabalho parlamentar. O que nos chamou a atenção, por ocasião da correspondência que nos chegou, que foi praticamente uma hora antes da votação no plenário do Senado, foi a possibilidade de os parlamentares entenderem que a justificativa, não do diálogo, mas da audiência, era o embasamento dos argumentos expressos na carta. Não posso concordar com isso, porque não temos o direito de pensar o que estava aqui, até porque esta Relatora tinha estudado a matéria, devida e qualificadamente assessorada por pessoas que estão acompanhando de perto a nossa consultoria, não apenas da técnica jurídica do Senado, mas dos movimentos de mulheres, baseada nos próprios argumentos que o Ministério das Relações Exteriores enviou a esta Casa. O próprio Ministro Celso Lafer estava aqui quando lemos toda a argumentação.

O único registro que faço à CNBB é que não fique vestígio algum de desrespeito. A nossa manifestação, naquele momento, se deu exatamente embasado nisso: o Presidente ratifica o acordo internacional, na Câmara a matéria passa por duas ou três comissões, vai a plenário; esta Casa passa dois meses analisando-a, estudando-a, fica à disposição dos parlamentares e da sociedade – e, portanto, também da CNBB – não me chega nenhuma contribuição, nenhuma emenda, nenhum alerta dos parlamentares oficialmente; e, na hora da votação, esta Senadora é surpreendida pela necessidade e pela falta de esclarecimento.

Então, que fique bem claro: quando lemos o seu conteúdo, tínhamos certeza que estas questões não se sustentavam; indicações e recomendações não são imposições. Muito menos se poderia dizer que poderíamos atropelar o Congresso Nacional, que até o Poder Judiciário poderia ser atingido caso esse acordo fosse ratificado. Então, era um desconhecimento emérito. Nós não tínhamos esse desconhecimento; se outras pessoas tinham, respeitamos.

Então, que a CNBB leve daqui o apelo de que… A correspondência que nos chegou de 17 bispos, ela está em papel timbrado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, portanto é oficial e endereçada ao Presidente da Casa, Senador Ramez Tebet; e chegou com um ofício assinado pelo Secretário-Geral da CNBB, nos seguintes termos, ao Presidente do Senado:

 

Tenho o prazer de encaminhar a V. Exª o documento de que trata a rejeição do protocolo…

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT – AC) – Mas acho que isso já está devidamente esclarecido.

A SRª PRESIDENTE (Emília Fernandes) – Não; mas penso que tenho a obrigação de esclarecer porque promovi, porque fiz uma análise técnica, de início não entrei no mérito e respeitei todas as posições. Eles encaminham ao Presidente da Casa o documento que trata da rejeição do protocolo, “peço em nome dos bispos Igreja que seja prorrogada a votação em sessão de Plenário”. Esta datada de 25 de abril, exatamente na hora do Plenário. Então, exatamente movida pela espírito democrático, não fiquei, porque poderia ter esperado até o dia 05 e no dia 05 ir a Plenário de novo.

Eu fiz esta audiência e convidei todos os Srs. Parlamentares e Deputados, enfim, todos os movimentos sociais organizados. Mas quero agradecer a todos, dizer que penso ter sido altamente produtiva. Às vezes, as coisas acontecem da melhor maneira, a mais prática e a mais oportuna. Eu sou uma pessoa que sempre recolho de todos os acontecimentos da minha vida as experiências boas. Agradeço aos parlamentares que se incidiram na votação naquele dia. Eu pensava que estava suficientemente esclarecida uma coisa que era do conhecimento do mundo inteiro. Com a simplicidade que me é peculiar, recolho a experiência, porque a qualidade das pessoas que aqui vieram é uma contribuição inestimável para esta Casa e para a sociedade, que poderá dispor de todas as notas taquigráficas para reproduzir e levar a outros espaços de debates; esse era o nosso objetivo e é a nossa função. O nosso relatório está mantido e vai para Plenário, pedindo a aprovação do protocolo no dia 5 de junho.

Queremos também pedir oficialmente em nome de quem estamos aqui representando, todos os parlamentares e entidades que comungam da idéia de que a CNBB – se possível, nós fizemos um pedido, não estamos exigindo nada, estamos solicitando – nos envie um documento mais claro, manifestando a sua posição, inclusive aos nossos colegas parlamentares que estiveram impossibilitados de aqui comparecer. É o apelo que deixamos e eu, particularmente, como relatora, gostaria de incluir no processado não apenas estas correspondências, mas alguma manifestação posterior também da CNBB e de todos os órgãos, até do próprio Ministério. Se entenderem que têm que acrescentar alguma coisa para esclarecer o Plenário e a sociedade brasileira, estamos prontos para receber.

A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT – AC) – Senadora Emília Fernandes, faço uma ponderação a V. Ex.ª. Creio que temos a prática regimental de considerar que aquilo que as pessoas dizem aqui em nome das suas instituições e entidades. Dom Aloísio assumiu publicamente esse documento. Não vejo o porquê de a nossa comissão ter que exigir que ele faça isso. Para mim, ele vir aqui e assumir a sua posição já é suficiente; é a posição oficial. É só para que não pareça que estamos usando dois pesos e duas medidas. Faço essa ponderação para que tenhamos o mesmo procedimento em relação aos demais. Já tivemos milhares de audiências públicas. Lembro-me de uma audiência pública, polêmica, em que V. Ex.ª era a favor do imposto sindical e eu era contra, mas todas as posições ali apresentadas foram consideradas exposições oficiais.

A SRª PRESIDENTE (Emília Fernandes) – Acrescento que esta não é uma audiência pública oficial de uma comissão. É uma reunião, a convite desta Senadora, relatora do projeto, mediante a qual quero agregar dados, inclusive, para ir ao Plenário fazer a defesa da matéria.

Estamos à disposição para receber qualquer outro tipo de contribuição que agregue, que esclareça, para que, inclusive, possamos reproduzir e passar aos Parlamentares. Isso tudo está à disposição.

Deixo bem claro que fiz uma solicitação. Se a CNBB, o Ministério das Relações Exteriores, a nossa Secretária, Srª Jurema, as nossas maravilhosas palestrantes e os professores que estiveram aqui entenderem que podem ou que é importante e necessário acrescentar algum dado, trabalhamos na direção de que seja bem-vindo e oportuno.

Quero encerrar passando a palavra para os nossos palestrantes.

Com a palavra a Deputada Iara.

A SRª IARA BERNARDI (PT – SP) – Reforço que, em função do nosso empenho na Câmara dos Deputados pela tramitação do projeto, até como uma meta da bancada feminina, pelo dia 25 de novembro, pelo dia 8 de março e por todas as datas que tratam das questões da mulher e que sensibilizam essa Casa, o protocolo pôde tramitar, pôde ter prioridade e receber a adesão, tanto da Mesa da Câmara dos Deputados como da do Senado, para que entrasse em pauta.

Gostaria de reiterar este pedido a Dom Aloísio Pena, até para que fique clara, tanto para a Câmara dos Deputados como para os Senadores — e se a maioria dos Senadores não esteve presente, recebeu essa carta quando da votação — a posição da CNBB e para que não se possa dizer que essa carta veio parar na Presidência do Senado e da Câmara informalmente.

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) – Muito obrigada, Deputada.

Com a palavra o Ministro Hidelbrando.

O SR. HIDELBRANDO TADEU NASCIMENTO VALADARES – Muito obrigado Senadora.

Agradeço pela oportunidade de ter participado desta Mesa, deste diálogo. Vou abordar dois pontos que acredito serem importantes como conclusão.

Creio que, no essencial, quaisquer que tenham sido os eventuais mal-entendidos que levaram à necessidade deste evento, que não foi uma audiência pública, mas um convite para um debate feito pela Senadora, este evento permitiu, com clareza, uma tomada de posição. Espero que o Legislativo possa decidir em breve prazo, no dia cinco, a adoção do protocolo facultativo, de forma que nós, do Executivo, possamos, depois, fazer a nossa parte junto à Organização das Nações Unidas, em Nova York.

Creio que a importância da ratificação do protocolo facultativo ficou amplamente demonstrada aqui. Ele tem os seus méritos intrínsecos, mas o ato de ratificação se harmoniza com a política externa brasileira, em matéria de respeito, defesa e promoção dos direitos humanos.

Essa política de defesa e promoção dos direitos humanos incorpora tanto a dimensão dos direitos civis e políticos quanto a dimensão dos direitos econômicos sociais e culturais e vem sendo implementada pelo Estado brasileiro, desde a redemocratização do País e, ainda com mais força, com a adoção da Constituição de 1988.

Essa é uma política deste Governo, é uma política de Estado. O Governo é importante e o Estado também, e muito mais. Essas eram as minhas observações finais.

Muito obrigado.

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) – Muito obrigado, Ministro Hildebrando Tadeu Nascimento Valadares.

Passo de imediato a palavra a Dom Aloysio José Leal Penna.

O SR. DOM ALOYSIO JOSÉ LEAL PENNA – Primeiramente, quero agradecer também por esta ocasião, muito oportuna, que provocou uma reflexão de alto nível, séria, sabendo que todos nós procuramos defender a vida.

Eu queria reconhecer mais uma vez que essa carta foi uma falha nossa. Ela não representa a posição da Presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A posição está aqui, neste documento, que acho que podemos considerar como um documento oficial que possa ser usado, porque foi feito com consulta não só à Presidência – ao Presidente, Vice-Presidente, secretário – mas também a assessores, juristas, alguns aqui presentes, estudiosos de bioética etc. Representa.

Quero também me desculpar perante V. Exª por não termos introduzido esse debate já no tempo da Câmara dos Deputados, tendo ficado só para esta ocasião. Não foi nada premeditado, mas temos que reconhecer que foi nesta ocasião que nos advertimos da seriedade do problema, que deveríamos dar também a nossa participação.

Eu gostaria de deixar claras aqui as palavras daquela que foi mais incisiva e encarou mais diretamente a carta da CNBB, a Srª Sílvia, ao resumir: “Os católicos e outros religiosos têm o direito de construir suas identidades em torno de seus princípios e valores, pois são parte da sociedade”. Estou inteiramente de acordo, mas não tenho o direito de pretender hegemonizar a cultura de um Estado laico. Professei aqui, claramente, que estamos num Estado pluralista laico, onde a Igreja está separada do Estado desde a República, e que devemos e temos a obrigação de defender aquilo que achamos que corresponde ao Evangelho, etc.

A Senadora Marina Silva toca o ponto fulcral da questão. Acho que o problema principal é o problema do aborto. Então, temos posições diferentes, inclusive baseados no princípio de que achamos que, desde que uma mulher gere uma nova criatura, o direito não é mais dela, mas do novo ser humano que está ali, que tem alma imortal, criado à imagem… Esse é um ponto de vista que nós, como parte da sociedade, podemos defender.

Agora, também estamos conscientes. Continuamente estamos pedindo especialistas para tratar de assuntos sérios e difíceis de bioética, etc., inclusive problemas agora ligados à clonagem, esterilização, engenharia genética, também ligados ao homossexualismo, que são problemas difíceis e complexos, em que acho que nenhum de nós tem… Envolvem psicólogos, sociólogos, pedagogos, uma série de especialistas. Agora, o que podemos afirmar – e todo mundo sabe – é que, apesar de termos uma atitude dessas, como afirmei aqui, a Igreja Católica é a entidade que trata mais de drogados, de aidéticos e de marginalizados na sociedade, e são instituições que existem, que são visíveis.

Então é o que distinguimos: tratamos bem o ser humano, no entanto temos posições acerca do que achamos que é certo ou errado, mas como parte da sociedade e não para impor. Afirmo, com toda a convicção, que a posição da CNBB é construtiva, e não aceitamos métodos violentos de quem quer que seja. Se há violência no modo de tratar isso, não é da vontade da CNBB. São pessoas que assumem essa responsabilidade, mas sem a aprovação, o consentimento e o apoio da CNBB.

Tivemos uma ótima ocasião, e eu me sinto feliz de poder manifestar aqui essa posição da Conferência dos Bispos, que é sempre a favor do diálogo e dos direitos humanos e – tenho certeza – dos direitos das mulheres.

A SRª PRESIDENTE (Emilia Fernandes) – Muito obrigada, Dom Aloísio.

Tem a palavra a Drª. Solange.

A SRª SOLANGE BENTES – Em primeiro lugar, eu queria agradecer e reconhecer a lição de cristianismo e ética que nos deu Dom Aloísio, porque acredito que se constroem políticas sérias quando as pessoas são capazes, inclusive, de reconhecer publicamente o engano. Fico muito feliz de reencontrar aqui uma Igreja com a qual convivi na época de Dom Hélder, no Recife. O senhor traduz essa Igreja. Hoje o senhor nos deu uma lição de cristianismo e ética.

Agradeço a oportunidade de termos discutido e reitero às Senadoras Marina Silva e Heloísa Helena, que é da minha terra, meu respeito pelas idéias de V. Exªs e pela seriedade com que se conduzem. Se V. Exªs não tinham convicção na aprovação, é uma atitude de seriedade pedir para aprofundar a discussão.

No final das contas, isso foi bom para o Movimento de Mulheres e para todos nós que queremos, de fato, que sejam assegurados os direitos das mulheres. Só tenho a agradecer a oportunidade de ter estado aqui hoje, numa tarde que considero altamente produtiva. Muito obrigada.

A SRª. PRESIDENTE (Emilia Fernandes) – Muito obrigada.

Agradecendo a presença de todos, damos por encerrada a presente reunião.

(Levanta-se a reunião às 20h 30min)

 

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