Pronunciamento de Dom Aloysio Penna, no Senado Federal, em audiência pública sobre o Protocolo Facultativo à CEDAW.
Brasília, 21 de maio de 2002.
Agradeço a ocasião que me é dada de participar deste debate sobre o “Protocolo Facultativo da CEDAW”.
Saúdo a todos os componentes da mesa, pessoas dignas, competentes, conhecedoras dos temas a serem abordados, igualmente preocupados com a promoção da vida.
A CNBB, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, à qual eu represento neste momento, recebeu contribuições muito diversificadas.
Procuramos estudar o material recebido e nos assessorar de profissionais competentes nos campos jurídicos e bioéticos.
DA CONVENÇÃO (CEDAW)
Buscamos nos inteirar do caminho percorrido desde a aprovação na Assembléia Geral das Nações Unidas, aos 18 de dezembro de 1979, da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, CEDAW, entrou em vigor em 1981 e foi ratificada pelo Brasil em 1984.
DO PROTOCOLO FACULTATIVO
Aprovado nas Nações Unidas em outubro de 1999 somente entrou em 22 de dezembro de 2000. Desde a assinatura pelo Governo brasileiro do Protocolo de 13 de março de 2001, entidades de direitos humanos, em especial dos que lutam contra desigualdade de gênero, tem lutado pela regulamentação do Instrumento Jurídico internacional pelo Brasil.
Agora estamos cientes que o “Protocolo Facultativo” enviado pelo Presidente da República à nossa Câmara Legislativa em 26 de abril de 2001 e que foi aprovado, por unanimidade, pelo Plenário da Câmara em 12 de dezembro de 2001, após aprovação na “Comissão de Família e Seguridade Social” da mesma Casa. Na Câmara dos Deputados recebeu previamente em duas audiências públicas, importantes contribuições de especialistas da área. Seguindo os trâmites normais o “Protocolo Facultativo” seguiu para o Senado Federal, onde tramitou na “Comissão de Relações Exteriores”, tendo a Excelentíssima Senhora Senadora Emília Fernandes como relatora sido acompanhada por unanimidade por seus pares.
A CNBB fez um pedido aos nobres Senadores para que fosse dado um pouco mais de tempo para que setores interessados pudessem aprofundar tão importante assunto. Agradecemos que isto tenha acontecido.
Lamentamos não ter tomado estas providências quando o “Protocolo Facultativo” foi discutido na Câmara dos Deputados em abril de 2001.
Senhoras e Senhores, estamos conscientes de que a Igreja, em boa hora, foi separada do Estado por ocasião da proclamação da República em 1889.
A Bíblia propõe e não impõe sua visão do mundo e da vida.
DEUS NÃO IMPÕE, PROPÕE… (Eis que hoje estou colocando diante de ti a vida e a felicidade, a morte e a infelicidade…” – Dt 30,15…).
O CRISTIANISMO NÃO É A IMPOSIÇÃO DE UMA DOUTRINA, MAS UMA PROPOSTA DE VIDA…
“QUEM QUISER ME SEGUIR…” “SE ALGUÉM QUER VIR APÓS MIM…” (Mt 16,24).
Vivemos, numa sociedade pluralista. A Igreja Católica esteve presente na História de 500 anos de nossa pátria. Ainda hoje, como nos indica o último recenseamento do IBGE, os católicos são 73% da nossa população. É motivo de satisfação e de responsabilidade para nós sabermos que, pesquisas organizadas por grandes e fidedignos veículos de comunicação do Brasil, concluíram que a Igreja Católica é a instituição que goza de maior credibilidade pública em nosso país.
Todos sabemos que o atual Papa João Paulo II foi e é um intrépido defensor da liberdade e dos direitos humanos. Contribuiu decididamente para a redemocratização dos regimes totalitários do leste europeu. Denuncia energicamente os regimes capitalistas que provocam a sempre maior desigualdades e exclusão sociais.
A CNBB que neste ano comemora seus 50 anos de existência e que será homenageada pelo Senado Brasileiro no próximo dia 23, 5ª feira, teve presença marcante no retorno do Brasil à liberdade e à democracia. Foi quase a única voz que pôde se manifestar durante o regime militar.
É recente a iniciativa da “Comissão Brasileira de Justiça e Paz” da CNBB que logrou a aprovação da Lei 9.840, popularmente conhecida como Lei Contra a Corrupção Eleitoral, após inédita mobilização que alcançou, num processo célere, um milhão de assinaturas para a aprovação das Duas Casas e sanção do Presidente da República.
A CNBB acaba de publicar o livro “Exigências Éticas e Evangélicas para a Superação da Miséria e da Fome” e está organizando um grande mutirão nacional de combate à miséria e à fome.
A Igreja, como parte integrante e significativa da Sociedade Civil brasileira, quer reafirmar suas convicções sobre a dignidade da pessoa humana e sobre os valores da vida.
Queremos aqui reafirmar valores que julgamos corresponderem ao ideal de visão do mundo e da vida, contidos nos mandamentos bíblicos da lei de Deus e nos ensinamentos pregados por Jesus Cristo no seu Evangelho. Acreditamos que estes valores correspondem a chamada lei natural que julgamos ter a mesma origem divina.
Acreditamos que a CEDAW, “Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher”, aprovada por quase todos os países, luta em favor da causa da mulher, infelizmente ainda tão marginalizada no Brasil e no mundo.
A Igreja é uma das Instituições que mais trabalha em favor dos aidéticos, dos drogados, dos menores de rua, de mulheres prostituídas, etc. As conhecidas Campanhas da Fraternidade da Igreja, que são verdadeiras escolas populares e informais de cidadania, têm sido em favor dos mais marginalizados e discriminados da sociedade, como por exemplo: os povos indígenas (CF 2002), os drogados (CF 2001), os excluídos sociais (CF 2000 e 1995), os desempregados (CF 1999), os que não tem acesso à educação (CF 1998), os encarcerados (CF 1997), os sem teto (1993), os jovens (1992), a mulher (1990), os negros (1988), etc.
No que diz respeito às mulheres, a Igreja sempre pregou a igual dignidade de homens e mulheres, ambos, como ensina a Bíblia, criados à imagem e semelhança de Deus. Sabemos que esta dignidade, na prática, deixa ainda muito a desejar.
Trazemos aqui alguns elementos de reflexão sobre os diversos conceitos referentes à vida humana, direito primeiro e fundamental, sem o qual não existe a possibilidade de nenhum outro direito. Esta é a convicção expressa na “Carta Universal dos Direitos Humanos” da ONU e na Constituição de todos os países do mundo.
Jesus quis resumir a finalidade de sua vida nesta frase tão lapidar e emblemática: “Eu vim para que todos e todas tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Notemos que a vida anunciada por Cristo deve atingir a todos os seres humanos e não só uma pequena parte de privilegiados. Quando Cristo fala em “vida em abundância” ele se refere a uma vida que abranja o ser humano em sua integridade física, material, espiritual, cultural, etc.
O atual Papa João Paulo II escreveu um verdadeiro tratado sobre a vida em sua encíclica “Evangelho da Vida” de 25 de março de 1995, com o sub-título “sobre o valor e a inviolabilidade da vida humana”. Neste documento, como em muitos outros, o Papa defende a vida desde a concepção até a morte natural. Lembra o Papa que vivemos numa verdadeira cultura da morte, desde os infanticídios, as guerras, a violência urbana, as lutas entre narcotraficantes até as mais pérfidas e escamoteadas mortes pela fome, pelas enfermidades tratáveis, pela marginalização e exclusão sociais. Hoje não se fala mais de excluídos mas dos indesejáveis. Podemos dizer, por exemplo, que o continente africano em cuja população a expectativa de vida hoje é de 40 anos de idade, é um continente excluído, indesejado. A mortalidade pela fome e pela AIDS na África é alarmante, inacreditável.
Sabemos que em famílias patriarcais e em determinadas culturas as mulheres ainda são marginalizadas e descartadas. Esperamos que esta cultura esteja desaparecendo.
Devemos lutar por uma nova cultura que tenha a vida como uma dádiva divina que não exclua nem as mulheres, nem os negros, nem os idosos, nem os menores, nem os nascituros.
Devemos propagar os valores que achamos ideais para a sociedade. Procurar levar um ideal de vida digno que atinja a todos os homens e mulheres e a todos os seres em sua integridade.
Um destes valores, na nossa cultura cristã, é a família. Historicamente países, como a Suécia que, por algum tempo combateram a instituição familiar, tiveram tais problemas sociais com a juventude, apesar de serem países ricos, que voltaram a propagar a família, como célula base da sociedade, como principal formadora de nossas crianças, adolescentes e jovens, como um dos principais fatores do equilíbrio social.
O mundo em que vivemos tem soluções técnicas e científicas para combater os males sociais como: a miséria, a fome, as enfermidades, as mortes de mulheres no pré-natal, no natal e no pós-natal. Bastaria combater mais a escandalosa desigualdade social entre nações ricas e pobres, entre os cada vez mais ricos e os cada vez mais pobres, das nossas sociedades tanto em países ricos como nos pobres. Não deveríamos querer para outros o que não aceitamos para os nosso filhos como: as drogas, a prostituição, a violência, etc.
A CEDAW recomenda combatermos todas as formas de discriminação das mulheres.
Os “Comitês da CEDAW”, cuja finalidade é a de comunicar, divulgar e a de receber denúncias contra o “Protocolo Facultativo” da CEDAW, são formados por “experts” escolhidos nos diversos países que assinaram o “Protocolo Facultativo”. A escolha de especialistas deve levar em conta o pluralismo das posições acerca de conceitos relacionados com a vida. Não obstante a importância das Recomendações, dos Tratados, Acordos, Convenções, Protocolos, nada mais preservará liminarmente a integridade física, psíquica do que a garantia de políticas públicas sociais e uma justa distribuição de renda.
Esperamos que os representantes do nosso povo, na Câmara Legislativa e no Senado Federal defendam sempre em todos os níveis o sagrado dom da vida, direito fundamental do ser humano.
Que Deus nos ajude a tratar a todos os nossos irmãos e irmãs, homens e mulheres, como imagem e semelhança do mesmo Deus.
Dom Aloysio José Leal Penna, SJ
Setor Família e Vida da CNBB
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Setor Família e Vida