(Nesse caso há médicos que só pensam em fazer aborto)
Tive o desprazer de presenciar médicos em um hospital católico apresentando a uma gestante o aborto como único meio de salvar a vida dela. Ora, São João Paulo II declarou solenemente que“o aborto direto, isto é, querido como fim ou como meio, constitui sempre uma desordem moral grave, enquanto morte deliberada de um ser humano inocente”[1]. Em um hospital católico, a palavra aborto não deveria nem ser pronunciada. Aliás, não foi à toa que o Concílio Vaticano II declarou ser o aborto um crime “nefando”[2], o que literalmente significa algo “de que não se deve nem falar”.
A morte não é o pior dos males. Muitíssimo pior do que a morte é o pecado. Os santos diziam e ensinavam-nos a dizer: “antes morrer do que pecar”. Assim agiu, por exemplo, a adolescente Santa Maria Goretti, que preferiu a morte à prática da fornicação proposta por seu agressor.
Assisti, porém, estarrecido, à cena de médicos induzindo uma mãe a cometer um pecado para evitar a própria morte. O caso era este: a bolsa amniótica havia-se rompido quando a criança estava com 18 semanas. O bebê, porém, desde a última ecografia, ainda estava vivo. Com o rompimento da bolsa e a perda do líquido, o útero se tornara exposto a bactérias e uma infecção já se havia iniciado. Segundo os médicos, ou se induziria um aborto a fim de expulsar a placenta e a criança do útero (o que causaria a sua morte por imaturidade), ou a infecção se espalharia rapidamente até tornar-se generalizada (septicemia), causando a morte da mãe.
Ora, ainda que o caso fosse tão dramático quanto o descrito acima, o aborto não estaria justificado. Nunca se pode matar o filho como meio para salvar a mãe, nem matar a mãe como meio para salvar o filho. Se tal situação existisse, a função do médico seria cuidar de mãe e filho com cuidados paliativos, mesmo prevendo a morte de ambos. Faz tempo que o Beato Paulo VI condenou categoricamente “o aborto querido e diretamente procurado, mesmo por razões terapêuticas”[3].
Mas o caso que presenciei estava bem longe de ser assim. A infecção poderia ser combatida por antibióticos até que a criança morresse. Só após a morte do bebê seria lícito induzir sua expulsão do ventre materno. Dra. Elizabeth Kipman Cerqueira, médica cofundadora do Hospital São Francisco de Assis (Jacareí, próximo de São José dos Campos – SP), explica que esse é o protocolo adotado desde quando foi inaugurada a Maternidade em 1986, sem recurso ao aborto e sem nenhum caso de morte materna:
Como ginecologista obstetra há mais de 48 anos e que realizou mais de 7000 partos, posso garantir que, sob controle adequado, nunca vi nenhum óbito de gestante por bolsa rota e, constata-se que a maioria dos casos tem resolução espontânea por óbito fetal. Se isto não ocorre, é possível usar os atuais recursos da medicina e procurar salvar a vida da criança ao mesmo tempo que se cuida totalmente da mãe[4].
Naquele hospital nem se menciona a possibilidade de induzir um aborto em caso de ruptura precoce da bolsa. Diz Dra. Elizabeth:
Acompanhamos o curso natural, não induzimos o aborto, mas também não damos drogas para segurar – o que aliás teria nada de efeito praticamente. NÃO HÁ NENHUM REGISTRO DE MORTE MATERNA EM DECORRÊNCIA DESSE PROTOCOLO. O hospital começou em 1986 e, há anos é o único que atende SUS no município e é referência para gestação de alto risco (além de convênios)[5].
Convém lembrar que Dra. Elizabeth foi membro da Comissão de Bioética da CNBB, da qual pediu afastamento há dois anos e meio.
Dra. Marli Virgínia Gomes Macedo Lins e Nóbrega, membro da Comissão de Bioética da Arquidiocese de Brasília desde 2008, ginecologista e obstetra que trabalhou 25 anos no Hospital da Ceilândia (DF), tem a mesma posição. Segundo ela explica, induzir o “parto” com a criança imatura ainda viva seria na verdade provocar um aborto direto, isto é, querido como meio para beneficiar a gestante, o que é moralmente inadmissível. A solução para o caso é prevenir a infecção com antibióticos até ser constatada a morte da criança. Também ela afirma nunca ter presenciado um só caso de morte materna causado pela “não indução do aborto” em caso de ruptura precoce de bolsa.
Abortar é mais fácil
A atitude dos médicos daquele hospital católico pode ser resumida assim: “podendo abortar, para que esperar a criança morrer?”. De fato, é muito mais fácil introduzir comprimidos de misoprostol (Cytotec) no canal vaginal da paciente para induzir contrações do que tratar a mãe com antibióticos, monitorar a cada passo o nível da infecção materna e os batimentos cardíacos do bebê até constatar a sua morte.
O que está por trás de tudo é que, segundo tais médicos, a criança não merece todo esse cuidado. Se ela está destinada a morrer, podemos matá-la já agora. O homicídio do inocente seria “justificado”(?) pelo fim nobre de debelar a infecção da mãe. No entanto, ensina-nos o Catecismo: “Não se pode justificar uma ação má, embora feita com boa intenção. O fim não justifica os meios”[6].
Ladeira escorregadia
Diz o jurista Ricardo Dip, atualmente desembargador do TJSP:
Concluindo o processo de Nuremberg, que julgou os generais de Hitler, um juiz norte-americano se admirou do excesso das atrocidades ali comprovadas, a que outro magistrado respondeu: ‘chegaram a esse extremo desde a primeira vez em que condenaram um inocente’[7].
Dra. Elizabeth, referindo-se ao aborto induzido em caso de ruptura de bolsa, alerta-nos para o perigo de assistirmos a uma queda livre no respeito pela vida humana.
O importante é frisar que, se o respeito pela vida da pessoa abrigada no útero materno se relativiza, inicia-se uma queda vertical no abismo que não conhece limites.
O “coração” da ciência e da população vai se endurecendo e as concessões para ser admitida a morte provocada de bebês aumentam vertiginosamente.
Uma prova indiscutível foi exposta no artigo: After-birth abortion: why should the baby live? de Alberto Giubilini e Francesca Minerva, professores em Milão e na Austrália. Foi publicado no JME, publicação de trabalhos éticos, em 2012[8]. Os autores defendem o assassinato de crianças recém-nascidas, mesmo se normais, se os pais assim o desejarem, sob argumentos subjetivos, mas intencionados de serem colocados com fundamentos éticos.
Onde está a sensibilidade de povos e de governos se não há o respeito incondicional pela vida humana: no caso, pela mãe e pela criança?[9]
Anápolis, 8 de setembro de 2017.
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz.
Presidente do Pró-Vida de Anápolis.
[1] S. JOÃO PAULO II. Evangelium vitae, n. 62.
[2]Const. Pastoral Gaudium et Spes, n. 51
[3] PAULO VI, Humanae vitae, n. 14. O itálico é nosso.
[4] E. K. CERQUEIRA. Bolsa rota e aborto. 28 ago 2017.
[5] E. K. CERQUEIRA. Mensagem por e-mail. 16 ago 2017.
[6] Catecismo da Igreja Católica, n. 1759.
[7]R. DIP Uma questão biojurídica atual: a autorização judicial de aborto eugenésico: alvará para matar. Revista dos Tribunais, v. 734, p.521, dez. 1996.
[8]http://jme.bmj.com/content/early/2012/03/01/medethics-2011-100411.full
[9] E. K. CERQUEIRA. Bolsa rota e aborto. 28 ago 2017.